• Nenhum resultado encontrado

Fonte João Teixeira de Albernaz I – Arquivo Digital da BN

Restabelecido o domínio português, a administração do Siará foi entregue a Álvaro de Azevedo Farias (1654-1655). A partir de então, a região seria visitada de forma esporádica por soldados, mantendo contato com os Tabajara e Tremembé, favorecendo o surgimento dos primeiros núcleos de povoamento do litoral cearense. Segundo Maia,

Durante todo o século XVII, a Capitania do Ceará se constituiu como um entreposto, uma guarnição de passagem; inicialmente, como uma possessão da Coroa na proteção de toda extensão do território do Rio Grande para além da província do Jaguaribe, infestada de grupos indígenas hostis, e sob perigo constante dos franceses que comerciavam com os Potiguara, no litoral. Penas no final do século XVII, com certa organização administrativa e concessões de datas sesmarias, é que se tem início a uma sistemática política de ocupação territorial.28

(RIC), tomo XCI, 1977, p. 140.

28 MAIA, Lígio José de Oliveira. Serras de Ibiapaba. De aldeia à vila de índios: vassalagem e identidade no

Ceará colonial – século XVIIII. 2010. 409 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010, p. 63.

Todavia, somente após a retomada da Capitania de Pernambuco pela Coroa Portuguesa (1654) é que a ocupação colonial desta região começou a ser estabelecida de forma mais efetiva. Se num primeiro momento, os núcleos iniciais de povoamento estavam restritos ao litoral, os sertões passaram a ser ocupados por colonos vindos de Portugal, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Bahia e por diversos caminhos. Chandler, ao tratar da ocupação do Ceará,

diz que: “os criadores de gado, ávidos por mais terras para fazendas, usando o suprimento dos

mercados da região açucareira no litoral, chegaram ao Ceará nas últimas décadas do século XVII”29.

O capitão-mor Fernão Carrilho – paulista, veterano das Guerras Basílicas e dos Palmares –, em 1681, escreveu um memorial ao Rei de Portugal, enumerando as riquezas existentes na Capitania do Ceará com o objetivo de informar sobre a viabilidade econômica da Capitania – uma região descrita como possuidora de riquezas “abundante e de rios fertilíssimos, as terras viçosas, as aves sadias”. Estes fatores foram elementos primordiais para o processo de povoamento das terras cearenses. O informativo citou outras vantagens.

Há indício de haver prata e ouro. Há muito pau-violeta, haverá madeiras reais, podem- se fazer engenhos, tabacos e criar toda a criação de gados. Procurando o interior do sertão poderá suceder descobrirem-se pedras preciosas, haverá cravo, pois na mesma costa o há. Sucede sair âmbar, há casco de tartaruga de que se fazem obras estremadas. Estando aquela costa deserta, está disposta à invasão dos estrangeiros que algumas vezes tornam aqueles portos quando vão para as Índias ou Barbados e resgatam com o gentio pau-violete.30

Se esta descrição persuadiu o conselho e o rei do seu pleito, conseguindo ser nomeado capitão-mor do Ceará, também, convenceu outras pessoas a migrarem em busca deste

possível “eldorado”. Caso não encontrassem minerais, poderiam estabelecer currais e cativar os

nativos. Lembramos que na década de 1680 iniciou as suas primeiras doações de sesmarias na Capitania, o que, provavelmente, motivou pessoas de cabedais a organizarem expedições ao sertão em busca das riquezas citadas, como os Pinto Correia:

homens de cabedal [...] e porquanto se deliberarão a romper estes sertõins com grande risco de suas vidas e muito dispendio de suas fazendas com dádivas que derao ao gentio barbaro chamada Gendahina so afim de por este meio a verem serviços a S. Alteza de virem frequentar esta capitania do Ceará31.

29 CHANDLER, Billy Jaymes. Os Feitosas e o sertão dos Inhamuns. Tradução de Alexandre F. Laskey e Ignácio

R. P. Montenegro. Fortaleza: Edições UFC / Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980, p. 10.

30 1681, maio, 6, Lisboa. Consulta do Conselho Ultramarino ao rei [D. Pedro II ], sobre nomeação de pessoas para

o cargo de Capitão-Mor do Ceará. Resolução Régia a nomear Bento Macedo Farias. Anexo: Memorial e bilhete. In: SOARES, José Paulo Monteiro e FERRÃO, Cristina. Memória colonial do Ceará (1618-1698). Tomo I (1618- 1698), Vol. I (1618-1720). Rio de Janeiro: Kappa editorial, 2013, p. 221.

31 Carta de sesmaria de João Pinto Correia e seus companheiros. Vol. 1, n°. 37, 1683, p. 92. CD. 1. In: Arquivo

Inicialmente, estes colonos e missionários se estabeleceram nas proximidades da costa, erguendo fortes, capelas, estabelecendo contatos com os nativos e missões no intuito de evangelizá-los. Estas fortalezas exerceram papel primordial no controle do litoral e na organização de expedições de reconhecimento e punição aos indígenas do sertão, como a realizada feita pelo coronel Félix da Cunha Linhares.

No ano de 1697, Félix da Cunha Linhares partiu par o sertão da ribeira do Acaraú em missão de reconhecimento e caça aos índios, e retornou ao Forte para prestar contas da incumbência que recebera. Informou que encontrou a terra despovoada, mesmo de índios, pois estes, por medo de perseguição, haviam-se aldeado sobre a serra da Meruoca. Falou da fertilidade do solo banhado pelo rio Acaraú e do vasto sertão propicio a criação de rebanhos.32

Anterior à expedição comandada pelo coronel, somente terras solicitadas junto à costa foram concedidas como sesmarias. O que denota que os contatos com nativos ainda se faziam pelos missionários e/ou através do comércio de produtos nativos, como madeiras, âmbar, abastecimentos de navios na foz do Caracu, com água doce, frutos e caças, no Rio da Cruz (Camocim) ou na enseada da Jericoacoara. A definitiva ocupação da ribeira do Acaraú se deu com a instalação das fazendas de criar e sítios, nas suas regiões serranas e no sertão.

Antônio Bezerra, ao tratar da ocupação e povoamento da Capitania do Ceará, enfatiza que as terras foram ocupadas primeiramente no litoral e adjacências e, posteriormente, nas barras dos rios para o sertão. Segundo o autor: “as dos rios e pontos adjacentes ao forte foram concedidas desta mesma data em deante, e por isso as primitivas povoações foram feitas

proximamente à costa [...]”33. Entrar no sertão denotaria conhecimento das terras, dos lugares

de água e dos povos. Neste sentido, a obtenção de informações por diversas expedições enviadas ao interior da Capitania do Ceará, como as de Pero Coelho de Sousa (1604), dos missionários jesuítas Francisco Pinto Luís Figueiras (1608), no governo de Martim Soares Moreno (1621- 1634). A documentação produzida pelos holandeses (1634-1654), especialmente o Diário Matias Beck, tornou-se imprescindível para o êxito da conquista e posterior ocupação dos sertões cearenses. Simultaneamente, a esse processo, outras frentes iniciaram um processo de reconhecimento do sertão.

De acordo com Roberto Alves dos Santos,

digitalização dos volumes editados nos anos de 1920 a 1928. (2 CD-ROM). Fortaleza: Expressão Gráfica / Wave Média, 2006. (Coleção Manuscritos)

32 ARAÚJO, Francisco Sadoc de. Op. Cit., p. 98.

33 BEZERRA, Antônio. Algumas origens do Ceará: defesa ao Desembargador Suares Reimão à vista dos

É importante situar, contudo, que essas expedições exploratórias contribuíram para a formação do mapa mental dos espaços percorridos, que mais tarde seriam conquistados e ocupados por luso-brasileiros. Dessas entradas exclusivamente de exploração resultava a primeira forma de apropriação do espaço, que era registro e a transmissão de informações vitais para os próximos exploradores e mesmo para futuros ocupadores.34

Se a conquista e fixação dos colonos chegantes afirmaram as fronteiras e a organização territorial, na faixa litorânea da capitania, a expansão lusa rumo aos sertões do Siará Grande esteve vinculada à expansão da pecuária e à outra guerra – esta para dentro, que objetivava o combate, o aprisionamento dos povos índios, que eram senhores desta parte do semiárido norte da América Lusa. Uma série de expedições de várias naturezas, sejam tropas regulares de linha ou tropas de milícias, ordenanças, foram enviadas para conter os povos indígenas. Os avanços das fronteiras alargavam e interiorizavam a ocupação colonial,

reconfigurando e resinificando aqueles sertões “ermos” e “vazios”, ocupados por bárbaros.

Nesse contexto, a ação missionária, a prática do aldeamento, foi eficaz na arte de domesticar o selvagem, símbolo da barbárie aos olhos dos chegantes, legitimando assim todas as formas de ações civilizatórias. Na medida em que avançam os marcos fronteiriços, encolhem-se os

espaços do “Brasil dos Bárbaros”.

Diversas expedições foram realizadas ao norte da capitania e as informações recolhidas tornaram-se fundamentais para o processo de povoamento, aldeamentos e ocupação das terras sertanejas. Uma destas frentes de reconhecimento e ocupação das ribeiras do rio Acaraú, partindo da região costeira chegou até suas cabeceiras. Assim, aquele sertão foi sendo ocupado, principalmente, por atividades agropastoris.

34 SANTOS. M. R. A. dos. Fronteiras do sertão baiano: 1640-1750. Tese (Doutorado em História) – Faculdade

Documentos relacionados