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Mapa 3: Bacias Fluviais do Ceará

4. Escravos e Sociabilidades

4.1. Negros da terra – escravidão indígena

Na ribeira do Acaraú, os povos nativos (Areriu, Tremembé, Aconguaçu, Tabajara, Jaguaribara, Anaçê e outros) sofreram o impacto dos deslocamentos de tropas, missionários e gados sobre suas terras e seus modos de vida, como já visto no capítulo anterior. Este processo resultou em guerras, epidemias, escravização e desterritorialização. Para John Monteiro (1994), o

impacto destrutivo da guerra levou os portugueses à busca de caminhos alternativos de dominação e transformação dos povos nativos, surgindo neste contexto as primeiras experiências missioneiras. Ao implementar um projeto de aldeamentos, os jesuítas procuraram oferecer, através da reestruturação das sociedades indígenas, uma solução articulada para as questões de dominação e do trabalho indígenas [...].380

No Ceará, especialmente na ribeira do Acaraú, a implementação de atividades agropastoris requeria terras e braços para a produção, o que resultou em diversas estratégias de dominação, ou em aldeamentos, em alianças ou em guerras justas. A partir do final do século

375 Livro de Óbitos, No. 01, 1752-1774, fl. 52 v. ACDS. 376 Livro de Óbitos, No. 01, 1752-1774, fl. 74. ACDS.

377 Livro de Licença da Câmara, 1778, fl. 12 v. NEDHIR/UVA. 378 Livro de Licença da Câmara, 1778, fl. 47. NEDHIR/UVA.

379 Livro de avaliação e Aforamento da Vila do Sobral, fls. 170-171, sem data. NEDHIR/UVA.

380 MONTEIRO. John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 42.

XVII, intensificaram-se os contatos, as violências e apropriações das terras desses povos. Como afirmou Manuel Albuquerque,

o processo de implementação da atividade pecuária no Ceará colonial, trouxe como consequência aos nativos, guerras, escravidão, resistências. As adaptações, os disfarces, as alianças mostram redes de complexas relações e permanentes tentativas de obtenção de vantagens de ambas as partes. Por um lado, intenso processo de opressão, escravidão, destruição dos índios e de seu mundo; por outro, as táticas, estratégias, reação, sobrevivências identitária. Uma intensa dinâmica de deslocamentos, desterritorialização, reterritorialização. As identidades movimentavam-se. 381

Os deslocamentos destas populações reconfiguraram o espaço do Acaraú: onde outrora era território nativo, passou a ser lugar de criatório de gados, cabendo aos indígenas a

resistência ou os aldeamentos sob controle dos padres. Conforme Albuquerque, “os

aldeamentos inseriam-se no conjunto mais amplo das estratégias colonialistas; eram, inclusive, espaços de treinamentos de mão de obra na colônia, mas formaram também espaços onde os nativos encontraram a possibilidade de subsistir”382.

Diante das diferentes práticas de resistências, o colonizador legitimou o apresamento e o cativeiro dos povos indígenas lançando mão das chamadas guerras justas. Da mesma forma, foram feitas expedições com o objetivo de apresar e escravizar um elevado número de índios. Em 1704,

[...] fora o vice-capitão-mor João da Mota guerrear o Icó, e não o encontrando, sofrera por ele o Carihu com o qual o capitão fizera a paz, e levando-os consigo alguns dias para os aldear no Ceará, vendo que uns fugiam, prendera-os e matara os "grandes", ficando cativos os "pequenos". Fizera-se queixa em Pernambuco, mas, tirada a devassa, ficara o capitão-mor livre. Nessa ocasião mandara o mesmo João da Mota, um mulato e mameluco, Pedro de Mendonça, por cabo de outra tropa contra o tapuia Curihu, tendo matado muitos e cativado mais de oitenta; no caminho tirara as presas ao tapuia Anassé, dizendo que as levava à fortaleza para se quitarem, mas guardara para si e para os seus parentes as melhores.383

Lembremos que os Anacé foram aldeados na Serra da Ibiapaba e Uruburetama, nas aldeias próximas a Fortaleza: Iapara e Aguanambi. Esses indígenas, na revolta de 1713,

381 ALBUQUERQUE, Manuel Coelho. Seara indígena: deslocamentos e dimensões indenitárias. Fortaleza, 2002. (Dissertação de Mestrado), p. 18.

382 Idem. Ibidem.

383 1720, outubro, 29, Lisboa. CONSULTA do conselho Ultramarino ao rei [D. João V], sobre a carta do Padre Domingos Ferreira Chaves, missionário-geral e visitador-geral das missões do sertão da parte norte no Ceará, e exposição do Padre Antônio de Sousa Leal, missionário e clérigo do hábito de São Pedro, sobre as violências e injustas guerras com que são perseguidos e tiranizados os índios do Piauí, Ceará e Rio Grande. CTA: AHU_CEARÁ, cx. 1, doc. 93. In: CD-ROM - Documentos Manuscritos Avulsos da capitania do Ceará. Ver PINHEIRO, Francisco José. Documentos para a História colonial, especialmente a indígena no Ceará (1690-1825). Fortaleza: fundação Ana Lima, 2011, p. 124; RAU, Virgínia. Manuscritos do Arquivo da casa de Cardaval respeitantes ao Brasil. Vol. 1. Lisboa: Livraria Portugália, 1943, p. 390.

atacaram as Vilas do Aquiráz e do Forte contra as violências praticadas a eles pelos soldados e moradores da Capitania do Ceará. Após a revolta, as terras de suas aldeias foram confiscadas e dadas a diversos sesmeiros e muitas pessoas de seu povo foram escravizadas.

O padre Antonio de Sousa Leal, em carta ao rei sobre as violências praticadas contra os nativos, relata que, em 1717, por ordem do capitão–mor [Gabriel da Silva do Lago], “fora o mulato Bento Coelho, como cabo de uma tropa, enganar o tapuia Anassé da Uruburetama, e depois de lhe ter prometido aldeá-los no Ceará, matara os ‘grandes’, escravizando muitos”384.

A escravidão transformou os indígenas em trabalhadores para o uso na pecuária, nos serviços do governo, como mensageiros do correio a cavalo, sendo, também, empregados nas guerras com outros indígenas ou nas disputas entre potentados locais, mas, em especial, utilizados pelos proprietários para suprir a necessidade da mão de obra, para o criatório e os afazeres domésticos.385

Ao analisar o primeiro livro de registro do Curato do Acaraú, de 1725 a 1752, encontramos referência aos diversos nativos escravizados e livres. Nesse livro, foram registrados pais, filhos, compadres, suas etnias e outras informações. Em relação aos pais das crianças batizadas, temos a seguinte composição:

TABELA 13 – Classificação de pais e mães cativos

CLASSIFICAÇÃO MÃE PAI

CATIVOS FORROS LIVRES CATIVOS FORROS LIVRES

ÍNDIO 00 17 11 00 04 01

TAPUIO 35 10 00 02 01 02

TOTAL 35 27 11 02 05 03

FONTE: Livro misto do Acaracu (1725-1752).

No livro Misto de 1725-1752, foram registrados os batismos de 249 crianças e 23 casamentos. Dos matrimônios, 10 têm um dos nubentes declarado como indígena, seja tapuia (Sucuru, Anacé, Reriu), índio (Caucaia, Ibiapaba, Paulista) ou gentio da terra. No registro dos casamentos aparecem um dos nubentes ou ambos como escravos, ou egressos do cativeiro como

384 1720, outubro, 29, Lisboa. CONSULTA do conselho Ultramarino ao rei [D. João V], sobre a carta do Padre Domingos Ferreira Chaves, missionário-geral e visitador-geral das missões do sertão da parte norte no Ceará, e exposição do Padre Antônio de Sousa Leal, missionário e clérigo do hábito de São Pedro, sobre as violências e injustas guerras com que são perseguidos e tiranizados os índios do Piauí, Ceará e Rio Grande. CTA: AHU_CEARÁ, cx. 1, doc. 93. In: CD-ROM - Documentos Manuscritos Avulsos da capitania do Ceará. Ver PINHEIRO, Francisco José. Documentos para a História colonial, especialmente a indígena no Ceará (1690-1825). Fortaleza: fundação Ana Lima, 2011, p. 124; RAU, Virgínia. Manuscritos do Arquivo da casa de Cardaval respeitantes ao Brasil. Vol. 1. Lisboa: Livraria Portugália, 1943, p. 391.

385 PINHEIRO, Francisco José. Mundos em confrontos: povos nativos e europeus na disputa pelo território. Fortaleza: UFC, 2000, mimeografado, p. 50.

temos o enlace matrimonial dos cativos: Sebastião Machado, gentio da terra, com a angolana Maria Machado, ocorrido em 1733, no sítio do Pará, na ribeira do Coreaú. Ambos escravos no sítio de propriedade do capitão Domingos Machado Freire386. Na capela de Nossa Senhora do Livramento, erigida no sítio Pará, foi realizado o casamento de Miguel, guiné, com Catarina, Anacé, no ano de 1734. A nubente, anteriormente ao casamento, tinha vivido em cativeiro, como propriedade de José de Serqueira Magalhães, e no período do casamento, o vigário anotou

que ela “é hoje liberta”.387 Chama atenção nesses registros a constância de casamentos entre os

negros da terra e africanos.

A maioria dos escravos no registro de batismo foi classificada como cativa: 35 mulheres e 02 homens. Estes escravos provavelmente foram apreendidos nas guerras contra os nativos, cuja recomendação dos capitães-mores era eliminar a todos aqueles que pudessem lutar e aprisionar as mulheres e crianças. Nos registros anotados 73 mães tapuias, levaram seus filhos para batizar na capela ou fazenda onde viviam. Dessas, 35 eram escravas, 27 libertas e 11

consideradas livres, como: “Joana, tapuia escrava de Luis Vidal pai de seu filho José388, “Ana

Coelha, tapuia escrava”, “Maria da Silva de nação arerihu”, ou “Mariana tapuia escrava de João

da Mota”389.

Em relação aos pais, todos os 10 indígenas eram casados conforme o ritmo tridentino, como fez o tapuia Sebastião, casado com a tapuia Maria, ambos escravos de Domingos Ferreira Chaves390. Outros casais encontrados, na mesma condição, foram Lourenço, casado com Cosma, índios da Ibiapaba391 ou João, tapuio escravo, casado com a preta Joana procedente de Angola.392

Dos pais indígenas, todos realizaram o casamento na Santa Madre Igreja e seus filhos foram considerados como legítimos, diante do ritual cristão. As outras 63 crianças foram registradas como filhos naturais, pois suas mães eram solteiras e elas produto da concupiscência humana, como acreditava e pregava a Igreja Cristã das relações não abençoadas nos altares católicos. Mesmo condenando os delitos sexuais, o catolicismo não deixou de registrar nos assentos de batismo as crianças filhas destas relações, sendo as mães classificadas como

386 Livro de Batismo e casamento, n°. 1(1725-1752), fl. 112. ACDS. 387 Livro de Batismo e casamento, n°. 1(1725-1752), fl. 113. ACDS. 388 Livro de Batismo e casamento, n°. 1(1725-1752), fl. 31. ACDS. 389 Livro Misto do Curato do Acaracu (1725-1752). ACDS. 390 Livro Misto do Curato do Acaraú (1725-1752), fl. 16. ACDS. 391 Livro Misto do Curato do Acaraú (1725-1752), fl. 43. ACDS. 392 Livro Misto do Curato do Acaraú (1725-1752), fl. 47. ACDS.

solteiras, e os filhos como naturais. Em relação aos pais, estes não eram citados ou apareciam classificados como incógnitos, incertos, ou ignorados, mesmo estando no convívio da criança.

Ao percorrer a trajetória de uma mãe solteira, no caso, a índia Mariana, foi possível descobrir o pai dos seus filhos. Uma das pistas foram os padrinhos de seu filho Domingos. Mariana o entregara aos cuidados do seu compadre Capitão Domingos Machado Freire, que junto com seus irmãos Manoel e José Machado Freire eram detentores de quinze sesmarias, e sua sobrinha, a comadre Luzia Ferreira, esposa de José Rodrigues Leitão. Outros filhos de Mariana tiveram, também, como padrinhos senhores de sesmarias.

No ano de 1728, Mariana levou a pia batismal da capela do Pará, atual Parazinho, distrito de Granja, seu filho de nome Domingos. Eram ambos escravos de João da Mota Pereira, detentor de 09 sesmaria e morador na ribeira do Coreaú. No livro de Notas da Vila de Fortaleza, de 1734 transcrito por Geraldo Nobre, consta a carta de alforria que este passa à sua escrava Mariana e seu filho Domingos da Mota. Chama atenção o fato de que em 17 de outubro de 1735393 o referido senhor casou-se com Mariana, em 1738, três anos após alforriou sua esposa e seu filho:

Aos desasete de fevereiro de mil setecentos e trinta e oito, na capela do Mundahu desta freguesia, digo na igreja da serra tabainha da Assunção, sem se descobrir impedimento canônico, em presença do reverendo padre José da Rocha de licença minha ocultamente, se receberam in facie Eclésia por palavras do presente, João da Mota Pereira com Mariana da Mota, de que mandei fazer este asento ao presente dias e mês, e era acima, que por verdade me assino. Elias Pinto de Azevedo Cura e vigário da Vara do Acaracu. 394

Ao analisar o respectivo livro de batismo foi possível perceber escravos indígenas e forros, principalmente as mulheres nativas se casando com grandes potentados, como João Pereira da Mota, Sebastião de Sá e outros senhores possuidores de muitas terras, escravos e agregados. Outras índias cativas, num total de 06, casaram com 05 escravos (01 preto, 02 angolas, 01 benguela e outro registrado como escravo). As outras 23 índias cativas aparecem batizando seus filhos nascidos de relacionamentos não reconhecidos pela igreja católica,

conforme o sacristão anotava com o termo “natural”, demonstrando preocupação com as

relações esporádicas e com a mancebia.

Em relação aos nativos forros, temos 27 mães e 05 pais. Destes 11 eram casadas

393 Boletim do Arquivo Público Estadual, vol. 1, n°. 2, julho/dezembro, 1982, p.22.

394 Livro misto da Missão Velha (1745-1747), fl.138. Arquivado no NEDHIS-UVA. Este livro encontra em péssimo estado de conservação e suas folhas numeradas não seguem uma sequência. Da mesma forma acontece com sua datação. Começa um registro com uma data e posteriormente recua a datação. Algumas vezes o Cura informa ter encontrado estas informações num caderno escrito por outro padre a 20 anos atrás.

conforme os ritos do catolicismo. Entre estas estavam 04 Anacé, que casaram com homens do mesmo grupo étnico. As outras mulheres foram casadas com pessoas classificadas como: índio, crioulo, pardo, angola e benguela. Outras mulheres encontram entre os que possivelmente constituíram famílias com pais ausentes, ou que não reconheceram o relacionamento.

No livro Misto do Curato do Acaraú, datado de 1747-1749, foram anotados batismos e casamentos de diversos escravos indígenas, como os registros de batismo de: “José filho de Paula Tapuia escrava de Domingos da Cunha” e “Antonio filho de Isabel. Tapuia escravos do tenente Antonio de Crasto, não tomou os santos óleos; padrinhos Antonio Ferreira, homem solteiro, e Gracia Dias molher casada”. O proprietário da escrava Isabel e Antonio era pardo e a madrinha, sua esposa, índia da Ibiapaba; os casamentos de “Manoel do gentio de

Angola com Margarida tapuia escravos de Manoel Roiz Coelho” e “Caetano, preto com Josefa

tapuia, ambos escravos de José da Costa de Sá”.

Outro corpus documental no qual consta o registro de escravos nativos é aquele fundo constituído por inventários post-mortem, conforme tabela abaixo:

TABELA 14 – Cativos indígenas em ralação aos demais cativos

DÉCADA CATIVOS NATIVOS NEGROS

1709 -1719 07 07 00 1720 -1729 06 04 02 1730 -1739 24 06 18 1740 -1749 45 07 38 1750 -1759 63 08 55 1760 - 1769 78 00 78 1770 -1779 215 00 215 1780 -1789 295 00 295 1790 - 1799 542 00 542 1800 -1809 364 00 364 1810 -1819 388 00 388 1820 -1822 120 00 120 TOTAL 2145 32 2116

FONTE: Inventário Post-Mortem (1709-1822).

De 1709 a 1719, temos 07 escravos pertencentes a Joaquim Fernandes de Sousa, falecido em 1719, que registrou em seu testamento possuir dois índios tapuios395 e Inês Alvares, moradora no sítio da Juritiana, baixo Acaraú, cujos escravos foram classificados como tapuias da terra, originários de algum grupo étnico da região do Acaraú. Eram eles Mandu, Luzia e seus filhos: Ana, Martinho e um que não fora nomeado.396 Os filhos de Luiza eram: um mameluco

395 Inventário post-mortem de João Fernandes de Sousa, 1721, caixa 02. NEDHIS/UVA. 396 Inventário post-mortem de Inês Alvares, 1719, caixa 01. NEDHIS/UVA.

nascido da relação com um homem branco e os outros dois classificados como tapuias, ou seja, filhos de um tapuia da terra ou do próprio escravo Mandu.

Esses cativos foram identificados como tapuias, sem relacionar a qual grupo étnico pertencia, sua procedência, seja de grupos da própria ribeira do Acaraú, como os Anaçé, Reriu ou Tremembé, ou de grupos procedentes de outras capitanias, tais como Piauí, Pernambuco e São Paulo. Ressalta-se que o padre Antonio de Sousa Leal, missionário, informou, em 1720, ao conselho ultramarino, as apreensões que os militares faziam das populações nativas para transformá-los em cativos. Ele relatou que, em 1717, Bernardo Coelho guerreou o “tapuia manso Caratihú, que servia aos moradores do Piauí, apesar dos protestos dele, padre Antonio Sousa Leal e dos de Estevão da Rocha. Para se livrar desses protestos, mandara tirar devassa com testemunha falsa, e, depois da guerra, vindo dois homens brancos do Piauí com os tapuias pedir as suas famílias cativas, apenas entregara a mulher do principal”397. Os familiares do pardo Bernardo Coelho de Andrade foram militares, que participaram de diversas expedições punitivas aos povos nativos no Ceará e que os tornaram grandes proprietários de terra e cativos.

No período de 1720 a 1729, foram registrados nos inventários, 06 escravos: 04 nativos e 02 africanos. Um tapuia era pertence a João Fernandes de Sousa, morador na ribeira do Aracatiaçú, possuidor de dois escravos, um guiné e outro tapuio.398 Sua filha, Ana Maria de Jesus, era proprietária de dois sítios de terras, obtidos por concessão de sesmaria, e três escravas, uma do gentio da terra, conhecida como Ignácia, de 24 anos, a qual se ocupava de servir à órfã

Quitéria, “plantando roça e fiando fios”, avaliada por 100$000; Maria, filha da índia Ignácia; e

outra escrava, chamada Mar Salma399. Todavia, mesmo com cativeiro e aldeamentos ainda existia na região grande número de índios arredios. É o caso de um dos sítios de Ana Maria de

Jesus, que ainda não tinha sido ocupado com gado, em razão de ser habitado por “gentios brabos”.

Entre 1730 e 1739, foram registrados nos inventários 24 cativos, sendo 06 indígenas. Os cativos eram duas tapuias pertencentes a Francisco Marques e a seu irmão Manuel Marques Brandão. Com a apreensão de populações nativas nas chamadas guerras justas, muitos dos comandantes e auxiliares, apropriaram-se dos povos nativos e os cativaram. Francisco

397 1720, outubro, 29, Lisboa. CONSULTA do conselho Ultramarino ao rei [D. João V], sobre a carta do Padre Domingos Ferreira Chaves, missionário-geral e visitador-geral das missões do sertão da parte norte no Ceará, e exposição do Padre Antônio de Sousa Leal, missionário e clérigo do hábito de São Pedro, sobre as violências e injustas guerras com que são perseguidos e tiranizados os índios do Piauí, Ceará e Rio Grande. CTA: AHU_CEARÁ, cx. 1, doc. 93. In: CD-ROM - Documentos Manuscritos Avulsos da capitania do Ceará.

398 Inventário post-mortem de João Fernandes de Sousa, 1721, caixa 02. NEDHIS/UVA. 399 Inventário post-mortem de Ana Maria de Jesus, 1721, caixa 02. NEDHIS/UVA.

Marques Brandão, soldado da companhia do pardo Manoel Dias de Carvalho, ao ditar o seu testamento em 1730, informa que os bens que possuía eram terras, gados e escravos. Sua escravaria constava de uma tapuia chamada Joana, 40 anos, avaliada em 40$000 (quarenta mil reis); Marta, filha de Joana, 12 anos, avaliada em 70$000 (setenta mil réis) e Maria, 18 anos, 40$000 (quarenta mil réis).400 Manuel Marques Brandão, falecido em 1732, era proprietário da

“tapuia Paula, 12 anos, comprada por 04 cavalos”401 . Em 1739 foi declarado, no auto do

inventário de Antonia Pessoa Cabral, casada com o pardo Paulo Martins Chaves, quatro escravos indígenas:

Grácia, com 25 anos, com cabelo corredio do Gentio Caratihú, avaliada pelos avaliadores em 50$000 [...] Joanna, crioula da terra, tapuia, filha de Gracia, com 09 anos de idade mais ou menos, avaliada pelos avaliadores em 35$000 [...] Domingos, de 01 e 06 meses, mameluco, avaliado pelos avaliadores em 20$000 [...] Catarina, 16 anos, da naçam Anacé, tapuia, avaliada pelos avaliadores em 60$000.402

Nos anos de 1740 a 1749, o total de nativos entre os cativos era de 07 escravos. Em 1747 nos bens arrolados por Francisco Pinheiro do Lago, em razão do falecimento de sua esposa, Josefa Ferreira de Oliveira, diz que a mesma era proprietária de três escravos: dois do

gentio da Guiné e “Bento, índio tapuia, com vinte e dois anos mais ou menos e avaliado pelos

avaliadores em 50$000”403. Em 1755, foi declarado no inventário de Antonio Correia Peixoto que este possuía 10 escravos: quatro mestiços, quatro Angolas, uma índia tapuia, conhecida como Margarida, mãe dos escravos mestiços e um deles sem a identificação.

Na tabela acima, a presença de cativos indígenas do período de 1709-1759, somam 32 escravos. Após esta data, estes não são citados como cativos, mas continuam presentes na região, nos diversos aldeamentos ou morando como agregados nas propriedades, dividindo o mundo do trabalho com os negros africanos, criolos e mestiços.

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