• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 3. Modelo causal da astronomia antiga

2. Mapas causais

Os avanços e suas ligações causais podem ser representados através do mapa causal. O eixo horizontal do mapa representa o tempo, com os períodos de tempo decorridos indicados na parte de cima. O eixo vertical é uma gradação entre a experiência (ou os aspectos socioculturais) na parte de baixo e a teoria na parte de cima, e é dividido em cinco classes: manifestações culturais, técnicas experimentais, dados experimentais, leis empíricas, teoria específica e teoria geral. Essa divisão é apenas ilustrativa, e seu objetivo é que os avanços sejam sempre mais teóricos à medida que são colocados no alto do mapa. Os avanços são representados por retângulos que contêm o nome, o proponente e a data provável, e as ligações causais são representadas por linhas com setas. Quando há conjunção de causas, usa- se o conector lógico “&”, com o símbolo &

. Os avanços antagônicos – ou seja, que dizem coisas opostas sobre o mundo – são ligados por linhas duplas terminadas em bolinhas pretas.

Nos mapas, a causalidade que une um avanço a outro é do tipo INUS. Isso significa que cada avanço, dado como causa de outro, é parte necessária de um conjunto suficiente para

80

Não confundir o tipo de avanço “anomalia”, que designa um observação que vai contra a teoria vigente, com a expressão “anomalia” usada na astronomia antiga para designar um movimento circular que não seja uniforme, como no termo “anomalia solar”.

103

a produção do efeito. Assim, ainda que haja outras (dentro do conjunto suficiente), as causas que apresento são as mais importantes para mostrar como um avanço causa outro. A atribuição das causas de um avanço é feita seguindo o relato dos historiadores, sempre que possível.

No apêndice, apresento três mapas causais. O primeiro (figura A1) contém os avanços dos egípcios e babilônios, dos primórdios até o século III AEC. O segundo (figura A2) contém

a maioria dos 54 avanços listados acima, e representa tanto a astronomia egípcia e babilônica quanto a grega. O último mapa (figura A3) contém alguns avanços que teriam levado à teoria heliocêntrica de Aristarco.

No mapa da figura A1, há dois avanços “registro sistemático”. O primeiro tipo de registro das observações celestes feitas pelos babilônios era mais simples, enquanto o segundo passa a indicar a posição dos planetas com referência às constelações do zodíaco. A astrologia é uma das causas presentes tanto nos primeiros avanços babilônicos, como o “registro sistemático”, quanto em outros posteriores, como o “sistemas A e B”.

No segundo mapa (figura A2), dois avanços são destacados: o avanço “esferas homocêntricas” e o avanço “heliocentrismo”. Enquanto o primeiro vem de uma cadeia causal que tende a ser mais teórica, com avanços na parte de cima do mapa, o segundo vem de outra com avanços também da parte de baixo do mapa, mais observacionais. De fato, a astronomia grega pós-Aristarco – principalmente aquela após Hiparco – passa a ter uma preocupação muito maior em não apenas criar teorias explicativas (sem pretensão de precisão, nos moldes das teorias e modelos geométricos até então produzidos na Grécia), mas em predizer os fenômenos. Essa nova astronomia assume o caráter dado pela obra de Aristarco, com suas provas geométricas e pelos avanços empíricos dos Babilônios. Não é à toa que a astrologia genealógica passe a ser cultivada em centros helenísticos, como Alexandria, justamente com o aporte de métodos e registros babilônicos. Esse movimento culminará na obra de Ptolomeu e na criação de uma nova teoria geral que irá perdurar até o início da modernidade.

O terceiro mapa (figura A3) foca-se nos avanços que teriam levado ao heliocentrismo de Aristarco. Nele, adoto a posição de SCHIAPARELLI (1925, p. 422) acerca de uma das causas da mudança cosmológica operada pelo astrônomo grego: movido pelos resultados de seus cálculos dos tamanhos e distâncias do Sol e da Lua, Aristarco teria achado mais conveniente que o Sol ocupasse o centro do Universo, e não a Terra. É de se assinalar que o avanço “Mercúrio e Vênus orbitam o Sol” marca o início daquilo que Schiaparelli considera o segundo estágio das teorias astronômicas gregas: enquanto no primeiro apenas se admite o

104

movimento dos corpos celestes ao redor do centro do mundo (em geral a Terra, ainda que os pitagóricos postulassem um Fogo Central), no segundo se admite também os “movimentos circulares em torno de centros diversos” (SCHIAPARELLI, 1927, p. 439). Isso pode ter ajudado

a acostumar a mente dos astrônomos gregos com a ideia de que os planetas podem orbitar outros corpos celestes que não a Terra, fazendo com que Aristarco considerasse a hipótese heliocêntrica. Esse mapa pode ser comparado com um outro, ainda por fazer, que mostre os avanços que levaram à adoção, por parte de Copérnico, do heliocentrismo. Isso poderia mostrar em que medida Copérnico foi movido por considerações empíricas (o que configuraria uma crise do sistema ptolomaico, cada vez menos preciso em suas previsões) ou por considerações teóricas. Pretendo abordar esse problema em outra ocasião.

No período histórico aqui estudado, só poderíamos utilizar contrafactuais do primeiro tipo (ver seção 1.3 do capítulo 1), uma vez que não parece haver caminhos históricos alternativos que tenham sido levados em consideração pelos contemporâneos. Essa utilização é trivial. Assim, poderíamos dizer, por exemplo, que sem a astrologia os babilônios não aprenderiam a prever eclipses. Isso porque um avanço como o “registro sistemático” (ver o mapa A1) não teria sido desenvolvido, e o efeito “predição de eclipses” não ocorreria. Com isso, não quero dizer que os babilônios não poderiam chegar a esse último avanço de outras formas, já que de acordo com o esquema INUS, um efeito pode ser alcançado através de vários conjuntos suficientes de causas – mas, como não se conhece caminhos alternativos considerados pelos babilônios, pode-se apenas conjecturar (com mais ou menos cores imaginativas) quais seriam esses conjuntos, e entraríamos no reino dos “contrafactuais de mundos milagrosos”, que não me interessam aqui.

No documento Modelagem causal da astronomia antiga (páginas 111-113)