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Mapa 3: Eixos estruturantes de Marabá

3 FRENTES DE EXPANSÃO E A FORMAÇÃO DAS CIDADES NA

3.2 VILAS E CIDADES NO VALE DO TOCANTINS

3.3.1 Marabá nas duas primeiras décadas do século XX

As duas primeiras décadas do século XX constituíram-se contexto histórico marcado por uma Divisão Territorial do Trabalho (DTT), imposta à subrregião sudeste do Estado do Pará, enquanto espaço periférico de extração e comercialização da borracha (VELHO, 1981). Dentro dessa perspectiva, o núcleo urbano de Marabá passou a exercer importante papel como centro comercial de considerável expressividade e como locus de produção de novas espacialidades. O estabelecimento do centro de comercialização em Marabá, no sudeste do estado do Pará, decorreu da necessidade, por parte do capital mercantil, de estabelecer bases para a expansão capitalista próximo a áreas de potencial extrativo elevado (VELHO, 1981; MACHADO 1986).

Emmi (1999) ressalta que a ascensão de uma oligarquia local constituiu-se instrumento político importante que possibilitou a estruturação de bases logísticas necessárias ao empreendimento mercantil.

A expansão do capital mercantil convergiu com os anseios das oligarquias locais em formação, de tal maneira que, esse conjunto de fatores associados às novas dinâmicas econômicas e demográficas evidenciadas em Marabá contribuiu para a criação de um poder local institucionalizado (VELHO, 1981; EMMI, 1999). Cabe ressaltar aqui o intenso papel exercido por comerciantes locais que passaram a pressionar o governo do Estado do Pará, no sentido de promover a emancipação deste território (VELHO, 1981)29.

Assim, a estrutura econômica deste município, cujas bases estavam fortemente atreladas ao capital mercantil, de origem exógena ao lugar, associada aos interesses da estrutura política hegemônica local e regional, passou a ditar os rumos das transformações evidenciadas na cidade de Marabá.

29 “Os comerciantes de Marabá ganham importância extra-local. Sentindo-se abandonados pelo governo do

Pará, criam uma comissão, vão até Belém, manipulam, inclusive, as antigas questões de limites entre os Estados, e alegando estarem por origem mais ligada a Goiás, bem como as dificuldades de comunicação com o Pará, representam a Goiás no sentido de serem incorporados a esse Estado. O movimento surte o efeito de despertar o governo do Pará” (VELHO, 1981, p.44).

As primeiras décadas do século XX representaram momento de muitas transformações no espaço marabaense, provenientes da inserção deste território dentro de uma DTT, como fornecedor de matéria-prima para os mercados internacionais (YOSCHYOKA, 1986). Dentro dessa perspectiva, a cidade de Marabá tornou-se locus de reprodução social de uma recém formada oligarquia local que passou a exercer o poder político a partir da constituição de uma hierarquia administrativa proveniente da criação do município de Marabá, no ano de 191330.

Nesse momento, as formas espaciais da cidade de Marabá a despeito da produção econômica existente, foram marcadas por um cenário constituído por habitações precárias denominadas de “palhoças”, onde era possível identificar condições de “extrema pobreza” dos moradores daquele lugar (PATERNOSTRO, 1945).

A reprodução social da grande maioria desses moradores estava relacionada ao trabalho extrativo da coleta do caucho, assim como às relações de trabalho pautadas no sistema de “aviamento”31, fato que contribuiu para a criação de dependência do caucheiro em relação ao comerciante local (EMMI, 1999).

Dessa forma, o meio rural representava elemento fundamental para a reprodução social da vida local, uma vez que os produtos extrativos obtidos nesse meio consistiam em fontes de subsistência das populações locais - ribeirinhos, caucheiros (VELHO, 1981). Por sua vez, a coleta do caucho, em moldes mercantis, apresentou-se como um forte atrativo, influenciando a prática constante de incursões de trabalhadores que se embrenhavam na floresta durante dias a fim de obtê-lo.

O modo de vida ribeirinho, as condições de sobrevivência dos habitantes locais, baseadas em relações orgânicas entre homem e natureza, conduzidas sob a lógica do valor substância (valor de uso), passaram a ser profundamente alterados com o advento da lógica do capital mercantil, baseada no valor de troca.

Por sua vez, a “cidade dos oligarcas da borracha” apresentava profundas relações com o rio, uma vez que a articulação, via terrestre deste núcleo urbano com outras cidades ou regiões, era praticamente inexistente (EMMI, 1999). Dessa forma, as redes de rios ditavam o

30 Segundo Velho (1981), no ano de 1913, Marabá ganha autonomia municipal, como território desmembrado de

São João do Araguaia, que por sua vez, fora anteriormente desmembrado do então imenso município de Baião.

31 Consistiu num processo de trabalho cujas bases estavam alicerçadas na apropriação do produto do trabalho. A

esse respeito, segundo Emmi (1999), tal processo se dava por meio de troca desigual entre trabalhadores/caucheiros que faziam a coleta da borracha na floresta e comerciantes, donos de barracões, que exerciam o monopólio de compra da borracha e da castanha. Para tanto, tais comerciantes utilizavam-se de diversos artifícios como “aviar” ou seja financiar produtos de primeira necessidade aos trabalhadores/coletores como mecanismo para forçar dívidas antecipadas e difíceis de serem saldadas, além de fraude na medida do hectolitro (EMMI, 1999).

tempo do transporte e das relações de deslocamento e de troca com outros mercados, além de constituir-se em locus de reprodução do modo de vida ribeirinho.

O relativo isolamento de Marabá em relação a outras cidades e povoados, acessíveis somente pelos rios, contribuiu para que alguns grupos locais pudessem desenvolver práticas de monopólio das comunicações, dos transportes e, por conseqüência, do comércio (VELHO, 1981). Dessa maneira, criavam-se bases para a constituição e estruturação do poder hegemônico da oligarquia do Tocantins.

Diante desse cenário, Marabá tornou-se território de exercício do poder de elites locais. Nesse contexto, vale ressaltar o papel exercido por grupos de “personalidades” políticas locais que passaram a ganhar notoriedade no cenário político paraense (EMMI 1999). Nomes como Carlos Leitão, Norberto Mello, Raimundo Rocha, Francisco Coelho, Ricardo Maranhão, Francisco Casemiro, Antônio da Rocha Maia, Anastácio de Queiroz, Melchiades Fontenelle (alguns dos quais têm seus nomes dados a importantes ruas na cidade de Marabá, no período atual), constituíram-se autoridades que exerceram com “mão de ferro” o poder local, a partir de um controle político de caráter personalista, acompanhado de traços de violência (VELHO, 1981).

A partir da primeira década do século XX, dinâmicas econômicas do capitalismo influíram decisivamente nos rumos da atividade extrativa da borracha na Amazônia, gerando efeitos na rede urbana (CORRÊA, 1987). Essas novas determinações evidenciadas no âmbito do mercado mundial constituem resultado do desenvolvimento técnico-científico, bem como de uma nova racionalidade imposta a determinadas atividades extrativas em algumas regiões produtoras (ALMEIDA, J., 2008)32

A redução das exportações da borracha na Amazônia, bem como a queda do preço desse produto no mercado mundial trouxe como conseqüência “nova estagnação econômica” para a região (CORRÊA, 1987), com aumento da dívida pública interna e externa, além de refluxo populacional e estagnação urbana.

A sub-região sudeste paraense, enquanto espaço diretamente associado à lógica produtiva da borracha, sofreu considerável impacto proveniente da crise do mercado da borracha (EMMI, 1999). A esse respeito, Velho (1981) ressalta o ano de 1919 como um momento em que os impactos do setor da borracha repercutiram em intensa crise das

32 A esse respeito, Machado (1989) ressalta que a redução das exportações brasileiras de borracha a partir da

primeira década do século XX, decorreu em grande medida da concorrência com algumas colônias inglesas da Ásia (Ceilão, Cingapura), que empreenderam uma racionalidade produtiva às suas plantações de borracha, fato que influiu em alterações do preço deste produto no mercado mundial.

atividades comerciais na cidade de Marabá, fato que contribuiu para o despovoamento do mesmo núcleo urbano, naquele ano.

O quadro de “decadência econômica” da região amazônica não se manifestou de forma homogênea em todas as sub-regiões e cidades que compunham o espaço amazônico (CORREA, 1987). Para o caso do sudeste paraense, a capacidade de adequação desta sub- região às novas demandas do mercado contribuiu para que a mesma se recuperasse mais rapidamente da crise (VELHO, 1981; YOSCHIOKA, 1986). É dentro desse contexto que o extrativismo da Castanha33 do Pará passou a exercer papel importante enquanto atividade produtiva, contribuindo para a injeção de nova dinâmica econômica ao sudeste paraense (EMMI, 1999).

Com efeito, diante das novas dinâmicas empreendidas pelo capital internacional, cujos impactos se fizeram sentir na sub-região do sudeste paraense, redefiniram-se novas estratégias de reprodução do capital a nível local.