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MARCÍLIO MENDES

No documento O Olhar dO arquitetO (páginas 145-168)

* Marcílio Mendes Ferreira, entrevista concedida à arquiteta Ta- ciana Assumpção Vaz, 30 de novembro de 2006, Brasília.

A

té a década de 1930, Belo Horizonte contava com pouquíssimos profissio-nais de arquitetura. Os projetos ficavam a cargo de projetistas, que seguiam os modelos e padronizações tipológicas estabelecidos pela Comissão Construto- ra da Nova Capital1. A cidade contava até então com três cursos de nível superior – medicina, direito e engenharia –, que foram reunidos em 1927, naquela que foi uma das primeiras universidades do país: a Universidade de Minas Gerais.

Diante da carência de outros cursos, um grupo liderado por Luiz Signo- relli – um dos arquitetos mais atuantes no cenário belo-horizontino –, reuniu-se com o objetivo de “organizar uma escola de formação de técnicos da arquitetura

e profissionais das artes auxiliares, como decoradores, escultores e pintores”2. Assim, em 5 de agosto de 1930, foi fundada a Escola de Arquitetura de Belo Ho- rizonte, primeira escola da América do Sul desvinculada de escolas politécnicas e de belas artes.

A maioria era de engenheiros, encarregados de ministrar as disciplinas téc- nicas. O perfil dos professores começou a mudar quando os primeiros alunos, for- mados na instituição, retornaram para nela lecionar. Entre eles, Shakespeare Go- mes, Raphael Hardy Filho, Sylvio de Vasconcellos3 e Eduardo Mendes Guimarães.

Todavia, entre as duas gerações que formavam o corpo docente da Esco- la – fundadores e ex-alunos – existiu um conflito quanto aos métodos de ensino e opiniões pessoais sobre os rumos que a arquitetura vinha tomando. Enquanto os professores mais novos inclinavam-se para a arquitetura moderna, os antigos mantinham-se fiéis a estilos consolidados, como por exemplo, o Art Déco.

Grande parte da estrutura de ensino e pesquisa, principalmente a partir da segunda metade da década de 1950, foi desfeita por ocasião do golpe militar de 1964. Um dos acontecimentos mais radicais foi o fechamento do Instituto Su- perior de Pesquisas para Planejamento, considerado subversivo pelos militares, e o exílio do professor Sylvio de Vasconcellos. O golpe afetou profundamente não só a vida acadêmica, como também o ambiente intelectual, devido ao clima de insegurança política instaurado.

Outro acontecimento responsável pelas mudanças significativas para a instituição foi a reforma universitária em 1969, principalmente com a divisão em departamentos da Escola. Como consequência, o ensino de arquitetura passou a ser responsabilidade de dezoito departamentos pertencentes a sete unidades universitárias, das quais apenas quatro sediadas na escola: Análise Crítica e His- tória da Arquitetura e do Urbanismo, Projetos, Tecnologia da Arquitetura e do Ur- banismo e Urbanismo.

As obras pioneiras de Lucio Costa e Oscar Niemeyer, especialmente a partir do Conjunto da Pampulha na década de 1940, constituíram o grande referen- cial para as primeiras gerações de alunos dali egressos. A influência modernista, talvez pela natureza doutrinária, ainda é latente no ensino ministrado na instituição.

Foi nesse ambiente que Marcílio Mendes Ferreira estruturou sua base profissional, concluindo a graduação em 1963, e contribuindo, mais tarde, para a concretização de Brasília. Nascido em 7 de abril de 1936 na cidade de Rio Pomba, a sessenta quilômetros de Juiz de Fora (MG), faleceu em 17 de março

de 2011, na Capital Federal, infelizmente, durante o período de desenvolvimento desta pesquisa.

O início da carreira aconteceu na Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais4, em Belo Horizonte. Tinha como chefe seu professor, Shakespeare Gomes, autor justamente do projeto modernista da Escola de Ar- quitetura, localizado na região central da capital mineira.

Neste primeiro emprego, pode elaborar projetos para cidades do interior do estado, tais como grupos escolares, dois fóruns – de Passa Quatro e de Carmo do Cajuru –, uma cadeia padrão, escolas, postos de saúde e a Estação Rodoviária de Carangola. Permaneceu na Secretaria por quase quatro anos. Como o traba- lho era somente meio período, simultaneamente abriu escritório em parceria com três colegas: José Carlos Laender de Castro5, William Ramos Abdalla6, que tam- bém veio para Brasília, precisamente para a UnB, e Elza Rego Freire, que seguiu para Portugal. Entretanto, Marcílio desenvolveu poucos projetos nesta sociedade, sendo os de maior destaque: o jornal Última Hora e a Boate Estilingue. Somente a boate teve o projeto executado e a obra acompanhada pelo próprio arquiteto.

Em 1967, Marcílio chega a Brasília para trabalhar na Codebrás7. Sem o resultado desejado, ingressa na Construtora Carvalho Hosken8, que naquele momento já era responsável por mais de vinte blocos residenciais. Ocupou o cargo de engenheiro residente, trabalhando diretamente em canteiros de obras. Tal oportunidade lhe permitiu construir alguns blocos de apartamentos e adquirir prática na profissão:

... Não consegui entrar na área de projetos, mas construí três blocos de apar- tamentos de três pavimentos e os entreguei no prazo estipulado. Nunca tinha construído também. Inclusive, nessa época, o Alfredo Gastal, superintendente do IPHAN, também trabalhava para a Carvalho Hosken. Mas ele construía dez blocos, controlava uma área muito grande de prédios. Então, quando faltava al- guma coisa na minha obra, que era menor, eu pegava o meu Gordini e transfe- ria o material – joelhos, materiais hidráulicos, etc. – da obra dele para a minha. Com isso, consegui entregar os blocos no prazo estabelecido.

Como o objetivo maior de Marcílio era esmerar-se em projetos, assim que concluiu a execução dos três blocos, demitiu-se da construtora. Em seguida, ingressou na Caixa, onde permaneceu por vinte e cinco anos, entre 1968 e 1993. Marcílio começou a interagir com uma equipe que desenvolvia projetos de alta qualidade, frutos de convênios com Ministérios, Senado, Câmara dos Deputados, incluindo blocos residenciais de superquadras. Trabalhou na área de projetos, chefiada pelo renomado arquiteto Eduardo de Villemor Amaral Negri ou Eduardo Negri, antigo colaborador de Oscar Niemeyer:

... Naquela época, a Caixa era uma verdadeira construtora. Para você ter uma ideia, o Eduardo Negri tem mais de cento e cinquenta blocos de apartamentos construídos em Brasília. Eu tenho vinte e dois. O Matheus e eu estamos fazen- do um levantamento desses números e vamos publicá-lo9 em breve. Todos os

órgãos de Brasília gostavam dos prédios de apartamentos do Eduardo Negri. Então, todos os projetos da Câmara e do Senado são do Eduardo Negri, o Tipo A-10.

Como descreve o arquiteto Danilo Matoso Macedo10 em resenha sobre o livro de Marcílio e Matheus Gorovitz11 – A Invenção da Superquadra:

pano de vidro de montantes verticais externos – característica miesiana que até hoje define as feições de diversas Superquadras.12

Logo que ingressou no corpo técnico da Caixa, Marcílio não desenvolveu de imediato projetos para blocos residenciais que são, em toda sua carreira pro- fissional, aqueles de maior envergadura. Os primeiros foram: a garagem da Caixa (1968), no Setor de Garagens Oficiais; a antiga agência da Caixa na 307/308 sul, que foi substituída e modificada; outra agência da Caixa no Conjunto Nacional:

... Esta agência resistiu uns vinte anos em funcionamento da forma como eu a fiz, mas seu espaço já foi modificado. Naquela época, como havia um espaço exces- sivo, eu podia brincar um pouco. Então, fiz jardineiras, uma escada pendurada, uma ampla sala de gerência, etc. Depois, com a modificação da própria estrutura de funcionamento da Caixa, aquele espaço teve que ser modificado aos poucos.

Entre 1971 e 1979, Marcílio tornou-se chefe da Divisão de Projetos da Caixa, momento em que Eduardo Negri regressou ao Rio de Janeiro. Neste pe- ríodo, tornou-se responsável pelo convênio entre a Caixa e a presidência da Câ- mara dos Deputados para desenvolver o projeto de duzentas residências para os funcionários da casa, em Sobradinho – DF. Mais tarde, de 1992 a 1993, assumiu a gerência de projetos da matriz da Caixa.

Apesar de nunca ter tido escritório próprio em Brasília, eventualmente, o arquiteto elaborava projetos particulares. Ao ser questionado se a maioria de seus projetos foi realizada na Capital Federal, responde que sim: algumas resi- dências, como a da SGAN 905; o bloco residencial K, da SHCGN 708, em convê- nio com a Marinha; os blocos residenciais I e J da SQN 205; o projeto urbanístico

e os onze blocos residenciais da SQN 206, em convênio com a UnB; o bloco residencial K da SQS 203; os blocos residenciais C, D, I e K da SQS 210; o bloco residencial B da SQS 309; o bloco residencial C da SQS 312; o Instituto de Quí- mica da UnB. Desenvolveu projetos também nas cidades satélites do DF, e em outras cidades brasileiras, como: as agências da Caixa em Planaltina e Sobradi- nho e outras duas em Maceió, sendo uma na Praça dos Martírios (Agência Rosa da Fonseca), e outra na Rua do Comércio; alguns projetos em Belo Horizonte, apesar de alguns não terem sido construídos.

Marcílio foi selecionado para esta pesquisa porque, além de ter participa- do do momento áureo da construção de Brasília, suas obras servem como marco e referência de qualidade, harmonia e bem-estar da arquitetura implantada no Plano Piloto, com destaque para os blocos residenciais das superquadras.

Durante a entrevista, o arquiteto soube que Sérgio Parada também fazia parte desta pesquisa, o qual se mostrou grande admirador das obras de Marcílio, principalmente pela produção arquitetônica para a Caixa. Reconheceu que, se pudesse projetar um bloco residencial no Plano Piloto, gostaria de ter os mesmo cuidados a la Marcílio.

Dando seguimento ao tema, foi questionado sobre como seria o arquiteto Marcílio no mercado de hoje, projetando para construtoras, ao que ele respondeu:

Primeiro, eu não iria fazer o que eles quisessem. Então, eles me mandariam em- bora. Eles não me chamam porque já me conhecem da Caixa. Eu também já tive oportunidade de analisar projetos deles, para financiamento, e de recusá-los,

privados e/ou públicos, e de agentes promotores, tais como as companhias habi- tacionais e as companhias de água e esgoto. O banco foi extinto em 1986, pelo Decreto-Lei nº 2.291, de 21/11/1986, seu passivo transferido para a Caixa:

... Este aqui foi um projeto que apresentei na Bienal de Arquitetura. O prédio era para a transferência do pessoal do BNH. Quando o BNH foi extinto, o pessoal foi incorporado à Caixa. Então, fizemos apartamentos funcionais para o BNH, mas esse aqui não foi construído...O BNH, Banco Nacional de Habitação, foi extin- to. Eles financiavam habitação no Brasil, e o pessoal do BNH foi para a Caixa, o Pessina14 foi um dos que foram para a Caixa. Então, começamos a trabalhar

juntos. Eu gostei, foram bons arquitetos para a Caixa. Como eu estava na Caixa, eu e o Pessina fizemos juntos essa quadra, para a transferência do pessoal, e os blocos de apartamentos, basicamente de dois e de três quartos, confortáveis, para famílias maiores e menores. Não eram apartamentos grandes; eram apar- tamentos bem sensatos, não é? Mas aí mudou a presidência da Caixa e ficou a quadra lá, inteira, livre. Já tinham aprovado o projeto de urbanismo e já iriam construir. Como mudou o presidente da Caixa, não construíram os blocos, mas o projeto de urbanismo ficou aprovado.

A SQN 311 foi vendida para a Fundação dos Economiários Federais (FUNCEF)15 como forma de acertos e pagamentos de dívidas da própria Caixa. Marcílio fala sobre o desejo de estabelecer a Unidade de Vizinhança com outras quatro quadras que também pertenciam ao mesmo banco:

... Posteriormente, quando eu trabalhava na Caixa, a metade dos prédios de qua- tro superquadras – das Quadras 109, 309, 110 e 310 Norte – pertencia à UnB. Se você for lá, você perceberá que há projeções diferentes. Eu tinha a 311 e es- sas quatro quadras. Sabe o que eu pensei? Eu tenho uma unidade de vizinhan- ça aqui. Então, vou mandar o projetopara a UnB. Mas eu me enganei, porque a UnB, naquela época, contestava um pouco Brasília. Então, o que eles fizeram? Eles dividiram: cada um fez uma quadra, e você percebe que a Quadra 309 tem mesmo que estivessem de acordo com o Código de Obras. Eles chegavam com

a proposta, para financiamento, de fazer parede de 10 cm e eu não a aceitava. Aí eles falavam assim: “Mas está dentro do código.” E eu respondia: “É o seguin- te: pode estar dentro do código, mas a Caixa pode escolher. Como é a maior fi- nanciadora do século, escolhe os melhores, e essa não é a melhor solução.” Não cabia geladeira na cozinha! “Então, aqui não cabe geladeira.” “Mas está dentro do Código de Obras, em termos de área.” “Mas à Caixa não interessa financiar este apartamento. Ela vai financiar um melhor que este.” Então, a gente vê a vida assim. Quando eu saí de lá, não ia fazer projeto para construtora, não eh?

Podemos considerar que os blocos das Superquadras, sobretudo aque- les construídos nas duas primeiras décadas de existência da Capital Federal, incluindo os do arquiteto Marcílio, acabaram por compor a paisagem urbana que, em harmonia com a vegetação abundante, constitui o habitat dos mais de duzen- tos mil moradores do Plano Piloto.

Sobre esses blocos, os mais recentes foram os da SQN 311, ou Qua- dra Parque, de 1981. Desenvolveu os projetos arquitetônicos e de urbanismo de todos os onze blocos residenciais da superquadra, um deles destinado para apartamentos funcionais em um convênio com a Portobras13 e outro para o BNH, ambos órgãos já extintos.

O BNH foi um banco público voltado ao financiamento de empreendimen- tos imobiliários. Criado em 1964, pela Lei 4.380, tinha por função a realização de operações de crédito, sobretudo o imobiliário, bem como a gestão do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Era um banco de segunda linha, ou seja, não operava diretamente com o público, atuando por intermédio de bancos

um bloco de lado. Quer dizer, tínhamos liberdade para fazer o que quiséssemos, mas eles acharam que colocar os blocos de lado seria a melhor solução. Recen- temente, os moradores fizeram um abaixo-assinado para não construírem os blo- cos restantes, uma vez que o espaço ficou desagradável. A quadra que acho boa é a do Holanda, a Quadra 109. O Holanda também planejou para fazê-la toda de uma vez, criou garagens comuns... Mas venderam as projeções. Algumas pesso- as contestam seu planejamento, mas eu gosto da solução que ele deu.

Todavia, na década de 1990, as Organizações Paulo Octavio – empresa na área de investimentos imobiliários na cidade de Brasília – compraram a SQN 311 da FUNCEF.

Como o projeto de urbanismo da SQN 311 já havia sido aprovado na RA-I, antes da venda para a FUNCEF, a Paulo Octavio o manteve, com pequenas modificações. Entretanto, apesar da esmerada qualidade, nenhum projeto dos onze blocos residenciais foi aproveitado:

... O urbanismo foi mantido, mas os blocos foram substituídos. Em cada pruma- da, havia apartamentos de dois quartos, de um lado, e de três quartos, do ou- tro. O conforto das salas era o mesmo, tanto nos apartamentos maiores, quan- to nos menores... Não sei. Ele não se interessou pelos apartamentos, não é? Acho que ele colocou um número maior de apartamentos. O meu projeto tinha 72 apartamentos, e não é pouco, não... Ele construiu blocos com apartamentos de forma que “engordasse” a projeção. Você tem um limite de projeção, mas, para “engordá-la”, você faz apartamentos que não são vazados. O interesse da construtora, da incorporadora, é colocar o maior número de apartamentos pos- sível. Para isso, sacrificam o conforto, sacrificam uma série de coisas. E isso encarece, inclusive, o projeto, porque começam a fazer recortes.

Quando Marcílio discorre sobre o aumento do custo de um projeto ou de

uma obra, revela, na verdade, o objetivo das grandes incorporadoras que visam lucros. O grande empenho se concentra em inserir o maior número de aparta- mentos em determinada edificação, o que resulta em mais recortes na fachada. Esta, por fim, recebe maior quantidade de materiais de revestimento, o que eleva o custo significativamente. No processo do projeto, quartos são dispostos um atrás do outro, estabelecendo circulações e ventilações mal solucionadas, com pouca iluminação natural.

Para ele, o construir na cidade de Brasília se define como um jogo imo- biliário onde o ganho é sempre certo. As incorporadoras ganham em todo o pro- cesso: na compra do terreno, podendo negociar, no ato da aquisição; ao projetar, quando, muitas vezes, reaproveitam projetos16, sugerindo apenas modificações em materiais de revestimentos; ao economizar na construção, quando utilizam elementos padronizados, como, por exemplo, esquadrias de alumínio de correr de baixa qualidade. Além disso, na compra de materiais em grande quantidade, é possível diminuir o valor unitário da peça. Não visam projetos que deem maior conforto ao futuro morador. O foco está em projetos de baixo custo e pelo uso de materiais de padrão médio.

Outra característica do “universo” imobiliário a que a população se afei- çoou muito foi a supervalorização de espaços comuns, como áreas de lazer – quiosques, lounges, espaços gourmets, piscinas, playgrounds, quadras de espor- tes, pergolados, etc –, criando um luxo aparente na edificação.

vender as unidades, não assumem riscos, já que são financiadas por órgãos públicos ou empresas particulares. O “problema” é transferido para bancos ou financeiras, que se beneficiam das altas taxas de juros cobradas. Pode-se dizer que as grandes empresas do mercado da construção civil de Brasília têm lucros obtidos sem qualquer perigo. Em seguida, um desabafo de Marcílio:

... A Encol é um exemplo disso. Sabe o que a Encol fazia? Se ela tinha, por exemplo, dez projeções – e projeção seria o terreno –, fazia uma licitação e jo- gava o preço da projeção lá em cima. Dessa forma, a Encol pagava mais caro por uma projeção, mas, em contrapartida, valorizava as dez que tinha. Assim, o terreno passava a valer mais. Essa prática contribuiu para inflacionar o mer- cado, uma vez que, a cada dia, tinham que construir apartamentos menores em função do alto preço da projeção. Então, eles ganham na projeção também. Houve uma época em que se discutiu a reformulação do Sistema Financeiro de Habitação, inclusive participei dessa discussão, com a Suely Gonzáles17, e pro-

pus que houvesse uma separação: a construtora deveria construir, mas deveria ficar desligada do projeto. A solução ideal é a cooperativa. Nela, os moradores se reúnem, fazem o projeto e, depois, chamam a construtora para a execução. Entretanto, as incorporadoras se infiltram nos planos das cooperativas e come- çam a orientá-las e a tomar decisões. Então, a incorporadora detém todo o pro- cesso de produção do edifício, a começar do terreno, que é delas. Fica difícil. Eles fazem o que querem, impingem soluções à população, e todo mundo aca- ba se acostumando com essas imposições.

Inicialmente, o Código de Edificações da cidade era muito simples. No entanto, foi sendo modificado a ponto de se parecer com o de uma cidade tradi- cional. A última versão, ao introduzir a compensação de áreas, permitiu que as incorporadoras utilizassem recortes nas fachadas. Dessa maneira, têm-se apar- tamentos que não são mais vazados, onde um quarto se encontra atrás de outro.

Com a modificação, começaram a inserir quartos com dimensões diferentes: o primeiro com 10m², o segundo com 9m² e o terceiro com 8m². Essa disposição, além de quebrar a modulação, faz com que se utilize um “corredorzinho” para ventilar os quartos. O Código de Edificações atual ajuda a encarecer o modo de se fazer os apartamentos, favorece o lucro das construtoras e prejudica a condi- ção de vida do morador.

Existem estudos sobre custos e qualidade de habitações que discrimi- nam estes métodos de projetos e obras das grandes incorporadoras. Percebe-se claramente que quantidade nem sempre equivale à qualidade de moradia. Pelo contrário, maior número de apartamentos significa maior número de habitantes com menos áreas sadias, em termos arquitetônicos.

Juan Luís Mascaró18 desenvolveu uma pesquisa19 – baseada em levan- tamentos técnicos –, sobre elementos arquitetônicos e o que eles representam para os custos de uma obra. Quando se reduz o tamanho de um apartamento, os elementos verticais são mantidos ou até mesmo acrescidos quantitativamente. Áreas de piso têm preço mais acessível se comparadas aos elementos verticais, que representam mais de 40% do custo total da obra. À medida que reduzimos 10% da área, reduzimos apenas 5% do custo total da unidade. Hoje a prioridade é colocar o maior número de apartamentos por edifício e, por isso, os apartamen-

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