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Marca Global, Cultura Local

No documento VICENTE DE PAULA CENSI BORGES (páginas 42-47)

A realidade atual apresenta um novo paradigma socioeconômico, que se torna a cada dia mais comum no mundo: o domínio do mercado por poucas empresas. Essa concentração de poder é conseqüência direta do fenômeno econômico da globalização, que chega ameaçar a soberania de muitos países. Esse reordenamento influencia diretamente a produção cultural, pois, pressionada pelo mercado, tende a se moldar, satisfazendo os interesses econômicos das organizações que são e estão alheias à cultura na qual se inserem.

Segundo Brant (2002, s.p.):

O desenvolvimento da produção cultural e artística passa, assim, a sintonizar com a necessidade de globalizar os conhecimentos, de valorizar a integração das diferenças culturais e facilitar o acesso às diversas culturas, em detrimento do fomento da produção local, baseada na raiz, na origem, na participação e identificação de um povo com seus costumes e atitudes, na diversidade de suas manifestações culturais.

Essa relação entre os setores empresariais e culturais provoca, no desenvolvimento das artes, uma tendência regida pelo mercado, fazendo com que,

muitas vezes, deixe-se de atender às demandas sociais, com a produção de uma liberdade de expressão inverídica ou tanto quanto superficial.

Os anos 1990 foram marcados pela expansão no mercado de empresas multinacionais. Klein (2002) aponta estratégias mercadológicas de organizações como Nike, Pólo, Tommy Hilfiger, dentre outras, que se baseavam na alavancagem de suas marcas no nível de não somente oferecer seus produtos, mas também sua cultura, via patrocínios a eventos culturais. Dessa forma, poderiam agregar valor a seus produtos, infiltrando idéias e iconografias culturais que suas marcas refletiam, projetando essas idéias e imagens na cultura como extensões de suas marcas.

Essas organizações utilizam-se da fragilidade dos mercados considerados por elas como emergentes, tendo em vista seu poder de compra, no intuito de tornar sua marca peça integrante e fundamental para a cultura do país receptivo. Os eventos, utilizados como ferramenta de marketing promocional, passam a receber a empresa patrocinadora em troca da exibição de sua logomarca, porém, o objetivo dessa estratégia de globalização da organização é tornar a marca o foco central, ou seja, a atração principal do evento, fazendo com que a cultura que a recebe vire apenas o pano de fundo que proporciona destaque à marca.

Verifica-se que a realidade brasileira, assim como a de muitos países latino- americanos, enquadra-se nessa constatação, tornando-se necessária uma política efetiva e eficaz de incentivo à cultura, que proporcione retrocesso no crescente panorama de carências sociais e culturais, além de permitir diferenciação entre entretenimento (produção cultural com fins comerciais) e cultura de base ou arte com características e objetivos sociais. Exemplo desse modelo é o setor cultural americano. Nos Estados Unidos, os projetos que recebem incentivos mediante leis têm finalidade sociocultural, sendo que as instituições beneficiadas são de interesse

público, sem fins lucrativos. Já o mercado do entretenimento, assim como qualquer outro, é voltado para a lucratividade.

O entendimento da expressão marketing cultural nos Estados Unidos é diferente do significado dela no Brasil. Brant (2002, s.p.) diz que:

O cultural marketing, ou cross-cultural marketing, para os americanos significa marketing de etnias, especializado em desenvolver ações específicas para mercados como afro -americanos, orientais, latinos, judaicos, entre outros. O similar do marketing cultural nos EUA está incluído no conceito de Marketing de Causas Sociais (MCS). O patrocínio às artes pelas empresas dirige-se às organizações sem fins lucrativos (non-profit organizations), que se encarregam da produção cultura.

Sendo assim, nos Estados Unidos, filmes de Hollywood, peças de teatro da Broadway e galerias de arte comercial não recebem incentivo fiscal do governo. Dessa forma, o dinheiro público destina-se apenas a projetos com características socioculturais bem definidas, como museus, orquestras, folclore etc.

Já no Brasil é visível o incentivo a produções comerciais, como os filmes produzidos pela Rede Globo de Televisão, porém, o País tem características diferenciadas das dos Estados Unidos, a começar pelo cenário econômico, político e social. Além disso, a história de ambos é diferente, pois houve desenvolvimento tecnológico mais avançado dos Estados Unidos e conseqüentemente a introdução de uma política cultural mais precocemente do que no Brasil.

A força econômica das organizações multinacionais não diminui a necessidade de essas empresas criarem vínculos e compromissos com as culturas locais, porém, sempre com o objetivo da exploração comercial. Para que o povo local reconheça na empresa uma possibilidade de crescimento socioeconômico, as organizações que se instalam na região precisam falar a língua local, tendo em vista

que seus compradores ou consumidores necessitam compreender o que está sendo oferecido, e entender as necessidades do mercado, implantando estratégias que abranjam a região, mesmo que o planejamento global se sobreponha às iniciativas locais.

As empresas locais sofrem com a introdução de marcas e produtos de organizações globais, necessitando utilizar todas as ferramentas e estratégias possíveis para manter-se sólidas, sem que sua participação no mercado seja atingida. A responsabilidade social dessas empresas de abrangência local e regional perante o mercado consumidor é o fator chave para a construção da imagem de suas marcas. Uma postura de compromisso com o ambiente social em que estão inseridas, hoje, é o fator que mais contribui para o sucesso dos negócios.

O investimento em cultura tem, portanto, muito a oferecer a uma marca, seja ela global ou local, todavia, a empresa deve escolher bem os projetos culturais que apoiará, valorizando aqueles que prezam o desenvolvimento sociocultural, propondo ações concretas que promovam o crescimento da sociedade, fazendo com que esse investimento seja compreendido como ato de contrapartida para a comunidade que a acolhe.

Para Brant (2002, s.p.):

O chamado marketing cultural evoluiu e hoje é estruturado como um conjunto de ações planejadas que visam ao envolvimento da empresa com seu público direto e indireto, por meio da atividade cultural, fundada nos compromissos ético-estético-sociais.

Mesmo com toda a estrutura legal vigente no Brasil para estimular a atividade cultural e o investimento em cultura, o interesse das empresas pela atividade cultural ainda se encontra em estágio inicial, caracterizando-se pelo interesse ao benefício

fiscal proporcionado pelas leis de incentivo à cultura, e não pela capacidade do projeto cultural de desenvolver um trabalho socialmente responsável.

Em artigo publicado na edição especial Guia de Boa Cidadania Corporativa, lançada em novembro de 2000 pela revista Exame, o diretor-presidente do Instituto Ethos, Oded Grajew, explica por que as empresas devem envolver-se com as questões sociais:

Grande parcela da população, no Brasil e no mundo, enfrenta fome, doenças, desemprego, não tem acesso à educação e à cultura e vive em condições extremamente precárias. São problemas reais, difíceis de ser combatidos e que só poderão ser contornados se houver uma conscientização e uma mobilização de todos os elementos da sociedade. As empresas e seus líderes têm um papel fundamental diante desse cenário. Em poder das corporações estão o capital, a capacidade de gestão dos recursos e, sobretudo, um extraordinário estoque de talentos, um fator decisivo em qualquer processo de transformação. Para desempenhar esse papel, é preciso que o mundo corporativo siga alguns passos elementares. Em primeiro lugar, é urgente tomar consciência da realidade que nos rodeia e do fato de que fazemos parte dela. Em seguida, é preciso entender o conceito de responsabilidade social como o compromisso de cada um com a qualidade de vida, com a preservação da natureza e com uma sociedade mais justa.

Como a realidade brasileira se enquadra perfeitamente nessa constatação de Grajew, verifica-se a necessidade da inclusão de uma política de investimentos no setor cultural, mas com compromisso social, mesmo que ainda existam benefícios oriundos de ações de marketing. O marketing, nesse caso, não deve motivar a ação. Pode, sim, fazer parte do processo, desde que seu objetivo primário seja o benefício social.

O desafio do setor cultural está em envolver as empresas no processo de responsabilidade social, por meio do fomento à cultura.

No documento VICENTE DE PAULA CENSI BORGES (páginas 42-47)

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