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Marcas da fala na escrita e a relação com os estilos monitorados e não monitorados

fala. Muitos falantes, também, assumem que os textos escritos devem ser sempre formais e que a fala, geralmente, é sempre mais coloquial que a escrita. Sabemos que essas premissas não podem ser consideradas, simplesmente porque elas não se sustentam teoricamente. Tais posicionamentos, quando tratamos do ensino de língua materna, podem gerar conflitos e dificuldades por desconsiderar as especificidades da modalidade oral em relação à modalidade escrita e por desconsiderar, também, os sujeitos envolvidos nas situações comunicativas, quer sejam orais, quer sejam escritas.

A esse respeito Ramos (1997) salienta que, se consideramos inicialmente a situação de uma criança que ainda não se alfabetizou, falante de uma linguagem não padrão no estilo coloquial, ao ser alfabetizada, deverá num só passo produzir textos adequados a uma linguagem padrão e ainda em estilo formal. Sendo assim, “para essa criança, portanto, aprender a escrita significa dominar, ao mesmo tempo, outro dialeto, outro estilo e ainda outra modalidade. Sem dúvida, o passo que terá de dar será bem maior do que aquele a ser dado por uma criança que já domina o dialeto padrão”. (RAMOS, 1997, p. 9)

As especificidades e diferenças da linguagem oral e linguagem escrita estão ligadas às variedades linguísticas, pois reconhecemos que as modalidades de língua escrita e língua falada são diferentes, possuem características próprias, mas possuem, também, muitas semelhanças, tendo em vista a visão de continuum apresentada em seção anterior. Contudo, acreditamos que uma modalidade pode influenciar a outra, principalmente, a fala na escrita, quando os sujeitos ainda não se apropriaram de conhecimentos relativos às duas modalidades. Por isso, é importante ver os usos da língua sempre em função de sua adequação às situações comunicativas, considerando os estilos monitorados e não monitorados.

Bortoni-Ricardo (2004) propõe três contínuos para a análise do português brasileiro, como vimos anteriormente. Em se tratando de estilos monitorados e não monitorados, destacamos o contínuo de monitoração estilística que, conforme a autora, situa desde as interações totalmente espontâneas até aquelas que são previamente planejadas e que exigem muita atenção do falante. Neste sentido, o contínuo é formado pelo estilo menos monitorado ou (- monitoração) e pelo estilo mais monitorado ou (+ monitoração), configurando-se numa escala contínua que vai do grau mínimo ao grau máximo de monitoração.

Entre os princípios fundamentais de investigação sociolinguística, Labov (2003, p. 234) apresenta o princípio de que não existem falantes de estilo único, isto é, cada falante poderá mostrar variações na fala, quer sejam fonológicas ou sintáticas, a depender do contexto. O autor salienta que as mudanças estilísticas são condicionadas pelas relações entre falante e interlocutor, principalmente, as relações de poder e solidariedade; pelo contexto social que engloba casa, escola, trabalho, igreja, bairro; assim como pelo tópico discursivo, em que os falantes podem variar, inclusive, em função do gênero.

Deste modo, o falante alterna-se entre estilos monitorados, aqueles em que presta muita atenção à fala e estilos não monitorados que são realizados com pouca ou nenhuma monitoração. Para Bortoni-Ricardo (2004), em consonância com o que diz Labov (2003), os fatores determinantes que levam os falantes a monitorar sua fala são: o ambiente, o interlocutor e o tópico da conversa.

Em outras palavras, a variação estilística refere-se à forma como os sujeitos se comunicam nas mais diversas situações comunicativas, quando tratam dos mais diversos assuntos, pois os falantes, ao longo da vida, adquirem um repertório linguístico que varia dependendo do ambiente, da audiência, do domínio do assunto, entre outros fatores. É muito comum o uso de uma linguagem não monitorada em grupos de amigos, familiares, entretanto, quando a situação comunicativa exige uma linguagem mais formal os falantes necessitam adequar-se à situação comunicativa e devem usar uma linguagem mais monitorada.

Sabemos que o monitoramento estilístico existe, tanto na língua falada, quanto na língua escrita. Se pensarmos, por exemplo, na escrita de um bilhete, gênero menos formal, a uma amiga ou para algum membro da família cujo grau de intimidade é elevado, será diferente da escrita de uma carta de solicitação às autoridades para fazer reivindicações. Vemos, portanto, que cada indivíduo varia a sua maneira de falar e isto acontece, também, na escrita. No entanto, Bagno (2007, p.46) destaca que “no caso do monitoramento da escrita, ele vai depender, é claro, do grau de letramento do indivíduo, isto é, o grau de sua inserção na cultura da leitura e da escrita”.

Conforme Bortoni-Ricardo (2004), na língua falada, especialmente nos estilos não monitorados é comum os falantes suprimirem o fonema /s/ que marca o plural. Geralmente, a concordância nominal é feita colocando a marca de plural nos elementos que ocorrem à esquerda do nome, que podem ser artigos ou pronomes, os chamados determinantes. Numa frase, o uso do plural várias vezes é reconhecido como plural redundante, ao passo que o uso do plural apenas num elemento do sintagma é reconhecido

como marcação não redundante. Sabemos, então, que a marcação redundante é empregada na língua escrita e na língua oral mais monitorada. No entanto, analisando produções escritas de alunos do Ensino Fundamental, verificamos o uso frequente de marcação de plural não redundante.

Bortoni-Ricardo afirma ainda que:

A regra de concordância não-redundante ocorre com mais frequência nos estilos não- monitorados, isto é, quando não precisamos ser formais na nossa fala, mas chega, às vezes, até mesmo, aos estilos monitorados formais. Por estar tão generalizada na língua, é certo que nossos alunos vão empregá-la em seus textos escritos, que por sua natureza, exigem a regra da concordância redundante prevista na gramática normativa. Por isso, nós professores, temos que ficar muito atentos ao uso da regra de concordância nominal na produção de nossos alunos e na nossa própria produção. (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 89-90)

A autora destaca que, no Português do Brasil, a tendência é a flexão acontecer nos primeiros elementos à esquerda do núcleo do sintagma e a não marcar os demais. A explicação para esse fenômeno está no fato de que os sujeitos dispensam elementos redundantes na comunicação. Daí, ser frequente encontrarmos escritas assim: “os livro”; “as boneca”; “os carro”, “as casa” entre outros.

Além disso, cada sujeito tem sua maneira própria de falar, cada região possui marcas linguísticas próprias que a diferenciam de outras, os diferentes grupos adquirem diferentes vocabulários que os caracterizam. Entretanto, é importante lembrar que “a língua de uma comunidade é uma atividade social e como qualquer atividade social está sujeita a normas e convenções de uso”. (BORTONI-RICARDO, 2004).

É importante registrar que muitos problemas na escrita das crianças do Ensino Fundamental não são decorrentes da transposição da fala para a escrita, mas decorrentes do caráter arbitrário do sistema de escrita que apresenta inúmeras irregularidades. Sabemos que o /s/ pode ser representado pelas letras “s”, ”c”, “ç”, “x”, e pelos dígrafos “ss”, “sc” e “xc”. Assim, a forma de representação do fonema /s/ em cada palavra é convencionada pelas regras ortográficas.

É fato, que o uso inadequado das regras ortográficas denota desconhecimento por parte dos estudantes do sistema de escrita, sendo necessário, portanto, um trabalho sistemático por parte da escola sobre as questões relacionadas às regularidades e irregularidades do sistema de escrita. Porém, em muitos casos, os alunos se apoiam no conhecimento que tem da língua oral, escrevendo como pronunciam; assim, é comum estudantes do Ensino Fundamental elevarem o /o/ final para /u/, uma realização típica de quando a vogal /o/ ocorre em sílaba átona final; aglutinação de duas palavras como se fosse uma palavra só;

monotongação de ditongos decrescentes; elevação da vogal /e/ para /i/.

Reconhecemos que a competência na língua oral é um importante recurso na aprendizagem da língua escrita. E é por esse e outros motivos que a escola necessita reconhecer o seu verdadeiro papel na condição de contribuir com a ampliação dos recursos comunicativos dos estudantes, para que adquiram e desenvolvam repertório linguístico e saibam adequar- se às diferentes situações comunicativas, quer sejam em estilos monitorados ou estilos não monitorados.

Portanto, em se tratando de estilos monitorados e não monitorados, são as diferenças de contexto formal e informal que determinam o uso pelos falantes de estilos mais monitorados e menos monitorados.

2.4 O modelo para análise e diagnose de erros no ensino de Língua materna de Bortoni-