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1.1.2. Fala e Escrita

1.1.2.4. Marcas de Oralidade

Até o momento, pôde-se observar que a relação fala – escrita é complementar e não dicotômica, sem superioridade de uma relativamente à outra, que são interdependentes e não podem ser tomadas como estanques ou isoladas, mas contínuas ou pelo menos graduais, e, que essa relação pode ser mais bem compreendida quando observada no contínuo dos gêneros textuais. Vimos, ainda, que as diferenças mais notáveis entre fala e escrita estão nas atividades de formulação textual.

A formulação textual ocorre tanto na fala quanto na escrita. No entanto, essa atividade é distinta em cada uma das modalidades da língua, pois, formular é concretizar as atividades que estruturam e organizam um texto, seja ele oral ou escrito e, o esforço que o locutor/escritor faz para produzir seus textos se manifesta por marcas que são deixadas em seu discurso (FÁVERO; ANDRADE e AQUINO, 2002).

Para os autores, formular não significa apenas deixar ao interlocutor a tarefa de compreensão, mas sim, deixar “marcas” para que o texto possa ser

compreendido, o que faz com que a produção do texto seja, ao mesmo tempo, ação e interação.

Foi visto que a formulação de um texto pode ocorrer de maneira fluente (sem dificuldades ou tropeços) ou disfluente (onde o locutor/escritor enfrenta dificuldade de processamento textual), dando origem às atividades de reconstrução, e que, na formulação fluente, podem ocorrer inserções, repetições, hesitações e paráfrases. Contudo, estas ocorrem com funções retóricas, argumentativas ou didáticas, com o objetivo de facilitar a compreensão, enfatizar ou intensificar idéias e persuadir o interlocutor/leitor.

Na formulação disfluente, o locutor/escritor procura resolver suas dificuldades de processamento apresentando em seu texto fenômenos como a hesitação, que se manifesta através de falsos começos, alongamentos vocais, pausas (preenchidas ou não), repetições de sílabas iniciais e/ou vocábulos e expressões. Koch (2006a) afirma que o uso desses recursos tem por objetivo garantir ao locutor/escritor o tempo necessário para o planejamento mais adequado do seu discurso, ou seja, para a reorganização e reestruturação do seu discurso.

Segundo Marcuschi e Dionísio (2005), todas as atividades realizadas no processamento textual, escrito ou oral, visam, em princípio, à construção do sentido, e, para esse objetivo são utilizadas estratégias, dentre as quais os autores destacam: a correção (estratégia de formulação textual que se manifesta de forma diferenciada na fala e na escrita); a repetição (estratégia de formulação textual mais presente na oralidade) e a modalização (estratégia de formulação textual que se manifesta de forma diferenciada na fala e na escrita)

Para Fávero, Andrade e Aquino (2002), quando um locutor encontra problemas de formulação textual ele deve resolvê-los através do uso de fenômenos estratégicos como: hesitações, paráfrases, repetições e correções.

Segundo Marcuschi (2003), hesitação são todos os casos em que há uma interrupção no fluxo da fala em pontos não previstos, tanto por fatores sintáticos como prosódicos, sem uma justificativa fonológica, sintática ou discursiva. Porém, deve ser considerado que nem todas as pausas são hesitações.

O autor afirma que há uma diferença essencial entre pausa e hesitação: as hesitações são fenômenos relativamente grosseiros e facilmente observáveis, enquanto as pausas, na teoria lingüística, são curtas na duração e mais difíceis de observar. Assim, as pausas não interrompem o fluxo da fala, mas as hesitações,

sim.

Para Marcuschi (2003), a hesitação pode aparecer tanto nas pausas quanto em situações de repetição de itens lexicais ou gramaticais, nas autocorreções, etc., caracterizadas pela presença de um elemento lingüístico qualquer. Dessa forma, realizamos uma série de ações descontínuas em um tempo contínuo, isto é, ações repletas de pausas, quando organizamos nossa fala.

Segundo Fávero, Andrade e Aquino (2002, p.59), a paráfrase é uma atividade de reformulação textual pela qual se restaura “bem ou mal, na totalidade ou em parte, fielmente ou não, o conteúdo de um texto-fonte, num texto-derivado”.

Para os autores, a paráfrase exerce inúmeras funções, como a de contribuir para a coesão do texto, porém, sua função principal é a de garantir a intercompreensão, diferenciando-se das demais atividades de formulação textual como, por exemplo, a repetição pela criatividade em contraste com o automatismo da paráfrase.

Segundo Marcuschi e Dionísio (2005), a repetição é uma das estratégias de formulação textual mais presente na oralidade, favorecendo o movimento da progressão textual, uma vez que, a cada estrutura repetida, uma nova informação é acrescentada ao texto. Dessa forma, a repetição presente na oralidade exerce uma força argumentativa, e na escrita, desempenha um forte recurso persuasivo.

Para Fávero, Andrade e Aquino (2002), a correção desempenha um papel considerável entre os processos de construção do texto e corresponde à produção de um enunciado lingüístico que reformula um anterior, considerado “errado” aos olhos de um dos interlocutores. Assim, a correção revela uma reorganização das ações e/ou infrações dos participantes. As correções correspondem a um processo altamente interativo e colaborativo, atuando como um dispositivo dinâmico em potencial da língua falada.

Para Marcuschi e Dionísio (2005), na escrita, as correções, geralmente, não são vistas pelos leitores, pois o autor usa diversos recursos para não mostrar suas correções, já que, diferentemente da oralidade, na escrita temos tempo para ocultar nossas correções. Porém, em algumas situações de prática de escrita, deixamos nossas correções à mostra, como em: anotações pessoais, trabalhos escolares, preenchimentos de palavras cruzadas, bilhetes, bate-papos escritos, etc.

Segundo Marcuschi e Dionísio (2005), quando falantes ou escritores falam ou escrevem algo, estão concomitantemente expressando sua atitude ou

ponto de vista sobre o que dizem ou escrevem. Essas expressões do falante ou escritor encontram-se presente, implícita ou explicitamente, em todos os usos da linguagem.

Para os autores, a modalização expressa as atitudes ou posições de falantes e escritores em relação a si próprios, em relação a seus interlocutores e em relação ao tópico do seu discurso. A noção de modalização se refere às maneiras em que a linguagem é usada na comunicação para expressar crenças pessoais, adotar posições, concordar ou discordar com outros, formar alianças pessoais e sociais, ou alternativamente, para afastar o falante ou escritor de pontos de vista e de ficar vago e não comprometido.

Dessa forma, as diferentes manifestações da modalização são vistas como estratégias que falantes ou escritores usam para se posicionarem diante das proposições que produzem ou recebem, sendo utilizadas para indicar como seu texto deve ser interpretado, ou como ele quer que seja interpretado (MARCUSCHI e DIONÍSIO, 2005).

Ainda de acordo com Marcuschi e Dionísio (2005), fatos da oralidade como os regionalismos, os idiomatismos e a gíria, quando considerados uma questão de estilo, variação, registro, etc., não devem ser considerados como marcas de oralidade, isso é justificável pelo fato de que essas formas lingüísticas não são parte da norma escrita, no entanto, esse fato não as credencia como característica da oralidade.

Os autores observam que, na fala, de um modo geral, independente de classe social, formação escolar ou sexo, é possível notar as marcas de plural, gênero da palavra, flexões verbais, concordâncias em geral, contudo, nem por isso temos a sensação de que sejam “erros”, sendo apenas uma tendência da modalidade oral.

Segundo Signorini (2001), o traço mais acentuado da escrita caracterizada enquanto produção de linguagem inserida em práticas sociais mais amplas, denominadas práticas de letramento, é a presença de elementos associados à língua falada, ou seja, é a interferência do oral no escrito.

Para a autora, quando a língua falada em questão não é a socialmente prestigiada, essa escrita costuma ser percebida como não existente enquanto objeto significativo, como não atuante em nenhum contexto comunicativo, já que os contextos em que esse tipo de escrita é produzido e posto em circulação e as

práticas sociointeracionais às quais está integrado, costumam ser tidos como não existente, no sentido de serem invisíveis na esfera pública.

Segundo Marcuschi e Dionísio (2005), é importante estudar as questões relacionadas à oralidade como um ponto de partida para entender o funcionamento da escrita. E, tendo em vista essa afirmação, nesta pesquisa, pretende-se observar a relação entre fala e escrita nas práticas discursivas dos sujeitos afásicos, buscando verificar, na produção escrita do afásico, “possíveis” marcas de uma oralidade, presentes ou não, na expressão oral desse sujeito.

Por tudo que foi dito, podemos sugerir que, partir da fala para um trabalho com a escrita, seguindo uma perspectiva sociointeracionista, caracterizada na área da lingüística pelas teorias sociais de enunciação, será uma excelente maneira de se entender muitas das questões, aparentemente, difíceis na produção escrita do sujeito afásico, assim como, a relação que este sujeito apresenta entre as duas modalidades da língua.

É importante lembrar que, através de uma abordagem enunciativo- discursiva da linguagem falada e escrita nas afasias, será possível levar em conta uma concepção de linguagem enquanto prática discursiva e, portanto, social, implicando em reconhecer todos os processos discursivos envolvidos na interação entre afásicos e não-afásico, procurando compreender a linguagem em seu modo de funcionamento como prática social.

Essa perspectiva irá consentir um olhar diferenciado sobre cada sujeito afásico, suas individualidades e particularidades, considerando todos os esforços por ele realizados em seu processo de reconstrução do funcionamento da linguagem.