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CAPÍTULO III – O FINO RAP DE ATHALYBA-MAN

2. MARCO ANTÔNIO CARNEIRO, O ATALA.

Em 1988, Marco Antônio Carneiro frequentava os ensaios das Escolas de Samba Fio de Ouro e Vai-Vai, com qual desfilou algumas vezes na ala de passo marcado ‘Sente o Drama’424. Aos 25 anos de idade, viu suas primeiras letras registradas serem gravadas e prensadas em um disco de vinil, uma realização. Mas, vale citar que seu contato com a arte veio antes do contato com o universo cultural urbano que o cercava nas ruas. Segundo informações apresentadas pelo artista, a música está em seu DNA. Filho de migrantes vindos do interior de São Paulo, que se estabeleceram no Bixiga (seus pais são da cidade de Itapeva), jacta-se de ter nascido no Hospital Pérola Byington, localizado na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 683; ou seja, no próprio bairro. Seu pai, Valdemar Carneiro, foi mestre de obra, leitor de jornal impresso e malufista, também gostava de acompanhar os debates de candidatos pela televisão. Sua mãe, Catharina Aparecida Carneiro, foi lavadeira. Mas, antes de dar a luz para seu filho Marco, aos 2 de agosto de 1963, foi cantora (trabalhou como Backing Vocal de Dalva de Oliveira). O garoto pensou em se tornar cantor, mas não tinha voz para segurar nota. Leitor de HQs desde a infância, arte que o colocou em contato com a palavra escrita, assim disse:

“(...) ganhei uma coleção de 800 gibis, cara!!! Então, eu vivia lendo gibi. Eu era pivete, tava comendo, tava lendo; ia ao banheiro lendo gibi. Então eu lia muito! (...) Então, depois, com o decorrer do tempo, na época de escola e tal, a professora exigia que você lia livros e tal, né! Ai comecei a ler livros também. Mas meu objetivo era o seguinte: quando eu lia livro, meu objetivo era chegar na parte que tinha gravura. Essa era minha meta!”425

Íntimo do letramento, passou a desenvolver, ainda na adolescência, suas primeiras composições; paródias.

“Tinha uma música lá, e tinha um colega nosso... fazia uma letra desse colega nosso em cima do ritmo, né! Então desde pivete eu já fazia isso ai, né! Ai, quando pintou o Rap, que comecei a extravasar todas essas coisas que vieram desde cedo. E foi assim que aconteceu!”426

O contato via bailes blacks, discotecas e festas nas escolas de samba com a música negra, nacional e internacional, o influenciaram a escrever com seriedade.

                                                                                                                         

424 Referente ao artista em estudo, a partir de agora todas as informações biográficas que serão

apresentadas foram recolhidas em entrevista realizada aos 25/02/2017 e durante troca de conversas via aplicativo de comunicação Messenger entre janeiro e fevereiro de 2018. Novamente agradeço a atenção, disposição e colaboração de Athalyba-Man.    

425  Entrevista realizada aos 25/02/2017. 426 Idem.  

Nunca gravou suas letras de Partido Alto, pois acreditava que para ser sambista tinha que ser músico formal, diplomado em escolas de música.

“Até compus uns sambas, partido alto na verdade. Mas para mim, assim, né! Pra galera, assim né! Não tinha válvula de escape, não tinha onde mostrar. O Rap que foi o caminho de você fazer uma coisa que desse para as pessoas verem. O Rap foi o caminho, o Samba não. Depois também tinha aquela coisa né! No Samba você tinha que ser músico, né meu! Pelo menos eu tinha essa limitação na minha cabeça. Talvez não fosse isso. Mas na minha cabeça: “eu não sou músico, eu num canto, não sei tocar nada”; então tinha essa coisa. O Rap abriu um espaço para isso aí ficar de lado. Eu posso fazer música sem ter essa formalidade musical”427.

Com o Rap foi diferente. Essa cultura musical chegou ao seu alcance por intermédio de pessoas próximas. Ao ver um amigo rimando (Marcos Guzula cantava a sua composição “Falo Gíria”), Carneiro descobriu que poderia fazer música sem ter formação institucional. A aproximação foi inevitável. Marcos Guzula conhecia Adilsinho, Alexandre Bafé e o Gilberto (DJ Giba); os apresentou para Marco Antônio, amigo do DJ Kri428, que é amigo de todos e conhecia Marcelo Maita. A junção desses amigos, moradores do Bairro do Bixiga, desembocou no grupo Região Abissal. Nome proposto por Guzula e que, para Athalyba-Man, significa as profundezas, o submundo, o gueto onde “nóis tá!”429. Com o primeiro disco do grupo em mãos e apontando o dedo indicador para as pessoas na foto de capa, assim narrou:

“Na verdade, quem foi na minha casa foi o Guzula e o Cri Cri, né! Era os dois que eu mais conhecia, o Gilberto eu não conhecia muito, não. Gilberto era mais novo, né! Eu conhecia mais esses dois aqui. Então esses dois fizeram um barato lá, chamaram esses daqui, ficaram os três. Esses aqui foram me chamar. A gente se reunia na casa do Gilberto, lá na Bela Vista também. Dai no dia me falaram: “Pô! Tamo fazendo um barato, um negócio que se chama Rap.” Hum! O que é isso? (...) Eu nunca ouvi falar. Então, foi no final de 87 (...). Ai fomo lá para ouvir esse tal de Rap. Chegamo lá e eles soltaram a bateria eletrônica, o Gilberto ficou fazendo uns scratch. Aí eu fiquei impressionado, porque a bateria eletrônica não tinha ninguém tocando e ficava tudo certo ali. (...) Ai o Guzula começou a cantar em cima. Nossa Senhora, que loco, cara! Fiquei alucinado. Aí a gente começou a se encontrar direto e a primeira letra que eu fiz foi essa aqui: Sistemão.”430

Crivado no coração da cidade, o bairro do Bexiga possui característica ímpar, é central e nele coexiste, ombro a ombro, uma agitada vida cultural (casas noturnas, baladas, ensaios de blocos e Escolas de Samba) com residências dormitórios. Muitos trabalhadores do setor cultural lá residiam. Foi por isso que Gilberto e Cri Cri

                                                                                                                         

427 Idem

428 Aqui utilizo a grafia adotada pelo artista atualmente. No final da década de 1980, o mesmo assinava

por DJ Cri Cri.

429 Entrevista realizada aos 25/02/2017. 430 Idem.

conheceram um produtor musical da gravadora Continental e apresentaram-lhe uma fita demo caseira. O produtor levou para o pessoal da gravadora que, gostaram e aprovaram a contratação. O resto da história eu já contei no capítulo primeiro. A experiência artística desses jovens representa um dos primeiros momentos de produção autoral do Rap em São Paulo. Os DJs Giba e Kri manusearam uma bateria eletrônica; Marcelo Maita, músico tecladista fez os arranjos; Adilson compôs e participou dos vocais; tal como Bafé; Guzula escreveu letras e participou dos vocais. Marco Carneiro fez vocais e assina seis das dez composições do disco, com o nome Artístico Athalyba (pseudônimo que lhe foi incorporado devido a semelhança com o jogador de futebol Ataliba, do Juventus, mas que começou a carreira na base do Corinthians).

Athalyba-Man, também chamado de Atala pelos amigos, teve curta carreira artística, de 1988 a 1995, dividida em dois momentos: a) junto ao coletivo Região Abissal, com qual lançou dois discos (1988 e 1990); b) em carreira solo com dois trabalhos (participação numa coletânea em 1993 e o disco com A Firma em 1994). Posterior a isso teve poucas participações em eventos e músicas regravadas por outros intérpretes amigos431.

Na sua produção artística, nota-se performance muito bem confeccionada, porém pouca agressividade no revide. Em linhas gerais, há um sentimento forte de indignação como reação imediata a alguns fatos que incomodam a sociedade como um todo. Esse sentimento aparece nas peças musicais do início ao fim de sua curta carreira artística. Entende-se como um reflexo resultante da compreensão das violências que estão ao redor, principalmente uma em específico: a brutal estrutura da sociedade dividida em dois pólos. Uma imagem binária, entre aqueles que controlam a política institucional e se beneficiam disso; e os que estão à margem desse processo e impelidos ao que os mandantes decidem, na condição de vítima.

Em seu primeiro momento artístico, as narrativas apresentam experiências bem localizadas, ocorrem em um centro urbano, São Paulo. Mesmo assim, diz ter dificuldade de escrever sobre o Bixiga e se vê em dívida com isso432. Fã das composições de Caetano, Gilberto Gil e Milton Nascimento, afirma o quanto lhe impressiona a capacidade do compositor de MPB dizer algo nas entrelinhas.

                                                                                                                         

431 Cf. A FIRMA. “Ficar Di Mau” (Athalyba-Man). In: ______, A Firma Reconhecida/Registrada. São

Paulo: Zimbabwe, 2000. CD, faixa 16.

“... as músicas (...) não podiam ser explícitas por causa da Ditadura e o caramba a quatro. Então eu achava genial esses caras falar o que eles queriam sem as pessoas ouvirem. Eu achava isso sensacional, entendeu? Eu achava que uma grande música era isso. Era você conseguir fazer uma crítica, colocar uma posição sem que o “ofendido” soubesse que tava falando dele.”433

Suas composições se concentram em seis eixos temáticos: a) Protesto, que compreende críticas à cidade na dinâmica do capitalismo, ao governo e às inúmeras violências institucionais; b) Pedagógico: alerta sobres DSTs e uso de preservativo; c) Rap Estória: crônicas e/ou sátiras do cotidiano, aventuras e desacertos da juventude; d) Amor: que aborda paqueras, romance, namoro e visão sobre o feminino; e) Festa: diversão na cerimônia e o conflito existente na tríade trabalho, lazer e identidade f) Jingle: promoção de seu produto artístico. Pela intensidade da verdade enunciativa, nota-se generosas gotas de autobiografia, que aparecem muitas vezes de forma bem ambígua. Em entrevista, foi enfático ao afirmar que não gosta de rótulos e tem seu momento para compor. A ideia tem que bater, o compositor tem que sentir o desejo e a criatividade operando juntos no coração e na mente.

“Eu não gosto disso, como que se fala? Uma placa. Uma placa não. Como que se fala? (...) Um rótulo, essa é a palavra. Um rótulo. (...) Cara, eu gosto de ter liberdade porque você não se limita na imaginação. Então, a sua criação, sua criatividade fica livre para qualquer coisa que aparecer. É o que eu falo, não tem um controle disso. O que vier vem, opa! Isso aqui eu consigo aproveitar. Vamo fazer? Vamo fazer. Então é nessa praia que eu navego.”434 Para compor sobre a realidade, Athalyba-Man parte das seguintes condições: ser homem, negro e paulistano localizado na periferia do centro geográfico da cidade. Se as performances artísticas negras formam, denunciam e anunciam, mas sempre em negociação com o popular hegemônico; com quem que ele está se comunicando? A resposta está na sua obra.

                                                                                                                         

433 Entrevista realizada aos 25/02/2017.   434 Entrevista realizada aos 25/02/2017.