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CAPÍTULO 1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: Educação e a Produção da

1.4 Sob o olhar das Ciências Jurídicas: A Construção da Infância Infratora no

1.4.1 Marcos mundial no reconhecimento dos direitos das crianças

No que tange aos marcos mundial no reconhecimento dos direitos das crianças, na Inglaterra em 1802, foi assinada a “Carta dos Aprendizes”, na qual como prerrogativa máxima estipulava o máximo da jornada de trabalho para as crianças inglesas: 12 (doze) horas de trabalho ao dia, e a proibitiva de trabalho noturno, sendo a Inglaterra, portanto o país ‘embrião’ do direito Infantil (SARAIVA, 2003).

Nos Estados Unidos, na cidade de Nova Iorque, em 1896 o caso da menina americana de nove anos, Marie Anne, ganha repercussão, quando a mesma é defendida de maus tratos nos tribunais americanos, pela Sociedade de Proteção aos Animais, visto não haver uma “Sociedade dos Direitos das Crianças”. Segundo Saraiva (2003), instaura-se um impasse: as crianças teriam menos direitos que os animais?

Em 1899 é criando o 1º Tribunal de Menores do Mundo, no Estado americano de Illinois. Outro marco relevante na história dos direitos da Infância ocorreu na França em 1911, com o “Congresso Internacional de Menores”, sendo este um marco importante para a criação dos Juizados35 de menores pela Europa e América Latina (SARAIVA, 2003).

No ano de 1948, com a promulgação do Marco Mundial da Declaração dos Direitos Humanos, esta dará referência para em 1959 ocorrer a Declaração dos Direitos das Crianças, que preconiza de forma primordial o “Direito à Infância”.

Com a comemoração em 1979, do “Ano internacional da Criança”, a “Doutrina de Proteção Integral” é lançada em 1985, com regras estipuladas pelas Nações Unidas para os Direitos dos menores. Quatro anos mais tarde, em 1989, Portugal cedia a Convenção das Nações Unidas de Direitos das Crianças, sendo o instrumento de Direitos Humanos mais aceitos na História Universal, e ratificados por 193 países com a exceção dos Estados Unidos e Somália.

Em 1990, ocorreu o encontro intitulado: “Direitos de Riad”, no qual ficaram estipuladas regras e diretrizes das Nações Unidas para a proteção aos menores privados de liberdade, bem como o abandono do conceito de “menor” (SARAIVA 2003).

A responsabilidade penal e a criação dos tribunais de menores, gradativamente passam a ser um caminho sem volta. Com a Declaração de Genebra dos Direitos da Criança, em 1924, surge a ‘Doutrina da Situação Irregular’, que era a base jurídica do antigo Código de Menores, legislação vigente no Brasil anterior ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).

A Doutrina da Situação Irregular era destinada aos intitulados “menores em situação irregular”, aqueles identificados como: “carentes, abandonados, inadaptados e infratores”, reservando assim medidas de proteção para os “carentes e abandonados, e de vigilância e correção para os ‘inadaptados e infratores’”. No contexto da época, o “menor” era representado como objeto de intervenção jurídico- social do Estado (SARAIVA 2003).

Em relação à Legislação Jurídica Brasileira específica sobre crianças, o Código de Menores (Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979), em seu Capítulo II, ao especificar sobre “Apuração da Infração Penal”, no art. 101 - dispõe que: “[...] o

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menor com mais de dez e menos de quatorze anos será encaminhado, desde logo, por ofício, à autoridade judiciária, com relato circunstanciado de sua conduta, aplicando-se-lhe, no que couber, o disposto nos §§ 2.º e 3.º do art. 99 desta lei” (Lei n. 6.697/79), portanto, neste artigo, já havia a responsabilização para crianças a partir dos dez anos de idade.

Mais recentemente no Brasil, com o advento do Estatuto da Criança e Adolescente – ECA (Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990) foi marcante quanto ao reconhecimento e afirmação de que toda criança e adolescente passam a serem vistos como sujeitos de direitos e deveres, e por se encontrarem em uma posição biopsicossocial de desenvolvimento, tendo estes sujeitos à garantia dos direitos por parte da família, sociedade e Poder Público. É considerada uma das legislações mais avanças do mundo, sendo inclusive referência para outros países, principalmente na América Latina.

Segundo o ECA, preconiza que:

Art. 5º. Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Sendo assim, a criança, com seus direitos reconhecidos e assegurados, pela legislação específica há pouco mais de 21 anos, passamos a enfatizar o que pode ocorrer em caso de uma criança, ou seja, menor de doze anos de idade, caso ela venha a cometer o chamado ato infracional.

A definição para o ‘ato infracional36’ constante no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) revela que: “Considera-se ato infracional a conduta

descrita como crime ou contravenção penal” (BRASIL, 1990, art. 103), e ainda no

Art. 105 do mesmo código dispõe que: “Ao ato infracional praticado por criança

corresponderão às medidas previstas no art. 101 e art. 98, que envolve o Sistema Secundário através de Medidas Protetivas” (SARAIVA, 2003; BRASIL, 1990;

MEDEIROS, 2011).

Assim, no Brasil a criança que cometeu o chamado Ato Infracional, recairá no Sistema Secundário, menores de 12 anos incompletos são inimputáveis, passíveis de medidas de proteção, cabendo então à escola a difícil e árdua tarefa da ‘educação para todos’, incluindo-se aí, crianças que cometeram atos infracionais.

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Portanto, na contemporaneidade, os métodos para a educação de crianças que cometeram atos infracionais passam a ser a matrícula, frequência e permanência na escola, bem como a requisição de tratamento médico ou psicológico (dependendo do caso), acompanhamento de assistentes sociais, além da inclusão em programas sociais, todos fundamentados no mais recente artefato jurídico: O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).

Repensar as relações de responsabilidade que o ‘mal estar’ gerado pela infância indócil, implica aos adultos repensar sobre as suas responsabilidades para com a infância na atualidade, não esquecendo, portanto, os legados sócios históricos e culturais, de como estas demandas foram sendo construídas e representadas no decorrer dos séculos.

Com o advento da infância infratora, os olhares dos juristas passam não despercebidos e despretensiosos para esta nova categoria, e se fazia urgente, a criação e implantação dos tribunais para os menores, seguindo os mesmos moldes daqueles já estruturados para os adultos envolvidos com problemas judiciais.

O pioneirismo americano37 de criação e implantação dos tribunais para menores foi um marco mundial, e referência para vários países europeus.

No entanto, atualmente, os Estados Unidos, é um dos poucos países que ainda adota a prisão perpétua para menores de 18 anos de idade,38 o que nos faz refletir sobre o modelo punitivo, excludente e segregador vigente em 42 estados americanos para o combate da criminalidade infanto-juvenil, naquele país.

Em relação às legislações sobre Maioridade Penal, no contexto mundial,39 observamos que em alguns países, estes se destacam pela precocidade com que as crianças são submetidas ao seu sistema jurídico imposto. Na América do Norte, os Estados Unidos registram a maioridade penal a partir dos 6 (seis) anos de idade (SARAIVA, 2003), em alguns de seus estados, sendo a menor no cenário mundial. Também é um dos poucos países que estipulou a pena de prisão perpétua para crianças que cometeram crimes40.

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Benjamin Lindsay foi o primeiro juiz de menores em 1899, na cidade de Chicago/EUA (DONZELOT, J. 2001).

38

Fonte: Anistia Internacional: Documenta a situação dos Direitos Humanos em 159 países no ano de 2009. Disponível em: < http://www.thereport.amnesty.org/br/download > Acesso em: 28 set. 2010.

39

Ver Anexo: Mapa Múndi da Maioridade Penal. Fonte: Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) de 2005. Obs.: Até julho de 2012, este mapa permaneceu sem alterações.

40

Fonte: Anistia Internacional: Documenta a situação dos Direitos Humanos em 159 países no ano de 2009. Disponível em: < http://www.thereport.amnesty.org/br/download > Acesso em: 28 set. 2010.

Já no continente Europeu, a Escócia concebe a responsabilização penal a partir dos 8 (oito) anos de idade, sendo a menor do continente Europeu.

Nos países asiáticos de Bangladesh, Mianmar, Paquistão e Tailândia adotaram a idade de sete anos como a idade de maioridade penal; bem como nos países africanos do Sudão, Nigéria, Tanzânia e África do Sul.

A China, também aparece no cenário mundial como um dos países que adotam a prisão perpétua aos menores de 18 anos de idade que cometeram crimes (UNICEF, 2005).

No Oriente Médio, mais precisamente no Irã, observa-se uma diferenciação quanto ao gênero: para aquelas crianças do sexo feminino, a responsabilização ocorre aos 9 (nove) anos de idade, ainda na infância, já em relação ao sexo masculino, ocorre bem mais tarde aos 15 (quinze) anos, portanto na adolescência.

Dados do Relatório publicado no início de 2010, da Anistia Internacional, indicam que o Irã é um dos raros países que executam pessoas que cometeram crimes quando ainda tinham menos de 18 (dezoito) anos de idade, sendo que, no ano de 2009, 5 (cinco) menores foram executados, restando 139 (cento e trinta e seis) menores infratores.

Esta prática adotada em alguns raros países, na atualidade, a qual denota para a ausência de representação da infância, que Ariés (1981) refere ser criação da modernidade, e que foi criticada por Heywood (2004), o qual revelou que já havia uma “consciência da infância na civilização medieval”, sendo que:

Os códigos jurídicos medievais continham algumas concessões ao status de minoridade das crianças[...] As ordenações de Aethelstan, rei dos saxões ocidentais do início do século X, estabeleciam que qualquer ladrão com mais de 12 anos de idade que roubasse bens de valor superior a 12 pence deveria ser executado. Contudo, o rei acrescentou posteriormente que considerava ‘cruel levar à morte pessoas tão jovens e por ofensas tão leves, como sabia ele ser a prática em toda a parte’. Assim sendo, declarou que ladrões com menos de 15 anos não deveriam ser mortos, a menos que tentassem opor resistência ou fugir (HEYWOOD, 2004, p.26).

Para o autor citado, já na Idade Média os olhares para uma consciência da infância já estavam sendo delineados, sendo este ‘olhar’ direcionado para aqueles ‘ladrões’ com menos de 15 anos de idade, sendo, portanto indícios da formação do que na atualidade concebemos como uma ‘representação da infância infratora’.

No contexto da América do Sul, não há registros de redução da maioridade penal. Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) de 2005 apresentam que a maioridade penal ocorre na maioria dos países (Brasil, Colômbia, Peru) aos 18 (dezoito) anos de idade.

Isso não significa que em alguns países, como no caso do Brasil41, com uma das mais modernas legislações vigentes, não ocorram abusos e omissões para com a infância.