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Os cabelos de Rosana estavam sempre com tranças, visto que é muito comum em instituições de educação as crianças negras se encontrarem nessas condições estéticas. Nilma Gomes (2002) aponta que as experiências do negro em relação ao cabelo começam muito cedo. Mas engana-se quem pensa que tal processo inicia-se com o uso de produtos químicos ou com o alisamento do cabelo com pente ou ferro quente:

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manipulação do cabelo, realizados pela mãe, tia, irmã mais velha ou pelo adulto mais próximo. As tranças são as primeiras técnicas utilizadas. Porém, nem sempre elas são eleitas pela então criança negra – hoje, uma mulher adulta – como o penteado preferido da infância (p. 43).

As tranças significam a vivência de momentos dolorosos às crianças negras, pois os fios têm de ser puxados para diminuir o volume, sendo o couro cabeludo constantemente tensionado. Negar o cabelo é uma das formas de mascarar, amenizar, negar àquilo que se é, tendo em vista as demarcações de identidade que estão imersas nesse jogo de forças.

Gomes (2002) ainda reflete sobre (trans)formações do corpo e o enquadramento dos indivíduos, pois “a experiência corporal é sempre modificada pela cultura, segundo padrões culturalmente estabelecidos e relacionados à busca de afirmação de uma identidade grupal específica” (p. 42). Presume-se que há uma tentativa de branqueamento das pessoas negras no sentido racial e étnico a partir de diversas estratégias, dentre elas, talvez a mais perversa, a referente aos padrões estéticos de beleza. Isso é tão impactante ao ponto da própria criança ser atravessada por isso:

Com a intervenção da coordenadora, por que a Rosana ficou em silêncio? Qual a relação estabelecida por Di Cavalcante ao ter vinculado a robustez do personagem retratado na obra “O mestiço” com a corporeidade de Rosana? São muitas questões a serem problematizadas, Rosana apontou para uma das personagens do quadro que retrata uma “feira” e a coordenadora que estava por perto interrompeu: “Você acha que é essa pessoa a que mais se parece com você?”. A criança pensou, pensou, mas ficou calada. Di Cavalcanti, então, entra em cena dizendo o que achava: O Mestiço com ela porque “ele é fortão”.

Quadro Freia

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ainda mais quando as crianças foram convidadas a se reconhecerem frente ao espelho.

Interessante notar que ao afirmar com veemência sua branquitude, Rosana utilizou-se da expressão “mas”, como se dissesse que apesar de certas partes do seu corpo serem pretas, em compensação a sua pele era branca. Ao fazer isso, Rosana nega sua identidade negra com base na diferença:

A afirmação "sou brasileira", na verdade, é parte de uma extensa cadeia de "negações", de expressões negativas de identidade, de diferenças. Por trás da afirmação "sou brasileiro" deve-se ler: "não sou argentino", "não sou chinês", "não sou japonês" e assim por diante, numa cadeia, neste caso, quase interminável (SILVA, 2000, p. 75) (grifo do autor).

Ao afirmar-se como uma pessoa branca, Rosana apenas sente a necessidade e o desejo de ser incluída ao grupo reconhecidamente hegemônicos no processo de hierarquização das raças e etnias. Essa cena nos revela muito sobre o processo de diferenciação imbricado nas relações de poder resultante das representações binárias do branco/negro. As identidades são forjadas nas relações sociais e culturais envolvem também um sistema de representações e representatividades. Segundo Silva (2000):

A representação não é simplesmente um meio transparente de expressão de algum suposto referente. Em vez disso, a representação é, como qualquer sistema de significação, uma forma de atribuição de sentido. Como tal, a representação é um sistema linguístico e cultural: arbitrário, indeterminado e estreitamente ligado a relações de poder (p. 91).

Quando perguntei se faltava alguém para participar da atividade, Rosana respondeu prontamente:

Rosana: “Eu ainda não fui!”. Eu: “Venha você agora, então!”.

Rosana: “Meu cabelo é preto, meu olho também, mas minha pele é branca!”.

Rosana, que é uma criança negra, saiu de cena após ter afirmado com tamanha certeza que sua pele é branca. Ela saiu de cabeça erguida e sentou-se para assistir os seus colegas de turma.

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Ao compreendermos a representação imersa nas relações de poder, interpretamos com mais distanciamento o fato de Rosana reconhecer-se como pessoa branca, mesmo sendo uma criança negra.

3.3 “Do bidimensional ao tridimensional”: escultura e corpos em cena.

Nesse encontro, deixamos a sala escura e ligamos a multimídia para projetar imagens de esculturas, a fim de que as crianças pudessem curiosamente apreciá-las. Nesse processo de descoberta, elas começaram a interagir com as esculturas projetadas, imitando a posição das obras, questionando sobre os materiais utilizados e os significados das mesmas. As crianças, então, foram convidadas a entrar em contato com suas respectivas sombras para que pudessem observar as projeções do próprio corpo na tela.

Figura 39 – Escultra 1 Figura 40 – Escultura 2 Figura 41 – Escultura 3

Fonte: Google (2019). Fonte: Google (2019). Fonte: Google (2019).

Figura 42 – Escultura 4 Figura 43 – Escultura 5

Fonte: Google (2019). Fonte: Google (2019).

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elas foram estimuladas a modelarem os seus corpos utilizando argila. Cada criança brincou e explorou o material e, posteriormente, modelou seu próprio corpo. As esculturas produzidas foram colocadas em uma mesa para secar e, ao mesmo tempo, para serem apreciadas pelas crianças envolvidas. Para transcender a experiência artística, fiz a leitura do livro “Do meu corpo eu cuido e protejo” (XAVIER, 2018) com a finalidade de problematizar questões corporais relacionadas à saúde, ao cuidado e as sexualidades.