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1. SAÚDE MENTAL E REFORMA PSIQUIÁTRICA

1.3 Desinstitucionalizar ou Reinstitucionalizar?

1.3.2 Mas, o que é mesmo atenção psicossocial?

De acordo com Machado (1978) os modos de se pensar o tratamento em saúde mental no Brasil desde os tempos do surgimento da psiquiatria no país possuem um misto de características locais e técnicas importadas de teóricos estrangeiros.

Com o processo de reforma psiquiátrica, novas formas de cuidado precisaram ser desenvolvidas para atender as exigências desse modelo. De acordo com Birman & Costa (1998) a psiquiatria clássica desenvolve uma crise teórico/ prática decorrente das quebras paradigmáticas de seu principal objeto, a doença mental, que deixa de ser compreendida a partir de aspectos patológicos para ser encarada sob o ponto de vista da promoção de saúde.

Birman (1992) ressalta que a construção de um novo espaço social para a loucura possibilitou uma série de discussões sobre novas noções de cidadania e a forma não apenas de se pensar novos locais, mais também instrumentos técnicos e terapêuticos, e diferentes modos sociais de estabelecer as relações com as pessoas em sofrimento psíquico.

Como explicitado no final do tópico anterior nosso foco principal no referido trabalho são os serviços substitutivos, a partir de nossas leituras e observações compreendemos ser a atenção psicossocial uma das principais vertentes teóricas que embasam o funcionamento dos serviços substitutivos.

Costa-Rosa (2000) define os modos da atenção psicossocial segundo quatro aspectos fundamentais:

(1) Pressupõe a superação do modo de relação sujeito-objeto característico do modelo biomédico e das ciências especializadas. Ressaltando a importância da horizontalização das reações entre as distintas especialidades profissionais para que se possa também desaparecer as hierarquias nas relações entre profissionais e usuários;

(2) Preconiza a horizontalização das esferas do poder intra-organizacionais, estabelecendo que sejam definidas as esferas de poder de origem políticas daquelas cuja origem é mais operativa. Segundo o autor tais elementos são fundamentais para que o exercício da subjetivação seja singularizado;

(3) Preconiza também a integralidade nas ações no território. Nesse sentido, o local de efetivação das práticas é deslocado do interior da instituição para ter o próprio território como local de referência.

(4) Considera também a ética dos efeitos nas práticas profissionais, propondo uma ética que considere as necessidades subjetivas individuais, busca firmar a meta de produção de subjetividades singularizadas tanto nas relações imediatas com usuários quanto com os demais integrantes do território. O portador de transtorno mental não pode ser exclusivamente tratado a partir da sintomatologia psiquiátrica que apresenta. Esta pessoa está imersa, como qualquer outra, em uma complexa rede de atores sociais que influenciam de forma direta ou indireta o seu psiquismo. Desse modo, o cuidado à saúde deste cliente exige uma ampla e complexa demanda que, segundo Vieira Filho (1988), justifica um atendimento psicoterápico psicossocial. De acordo com o autor tal procedimento

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“fundamenta-se na dinâmica da circularidade da situação de demanda de cuidados à saúde do cliente, enquanto sujeito-social, e da resposta terapêutica influenciada pelo contexto institucional” (VIEIRA FILHO, 1988 p. 41).

A partir destas perspectivas pode-se destacar que a atenção psicossocial rompe com os conceitos tradicionais de hierarquia, promovendo um espaço de escuta e atenção onde o trabalhador em saúde mental deve buscar compreender a linguagem e as representações produzidas pelo usuário. Desta forma, a relação entre o usuário e o seu terapeuta vai de encontro à situação de opressão instituída no modelo tradicional, permitindo que o cliente tenha o direito à palavra, para que este possa se ver como sujeito social, ativo dentro do seu processo de restabelecimento. Para se atingir este tipo de relação é fundamental que o terapeuta possa se abster de uma posição de superioridade, a fim de se implicar em um processo de troca em que ele também estará aprendendo com o paciente (VIEIRA FILHO, 2003).

Para Costa-Rosa; Luzio e Yasui (2001) o engajamento sociocultural dos sujeitos é fundamental para a efetivação das práticas psicossociais. O autor salienta ainda a importância de que os trabalhadores possam rever seu papel de exclusão e dominação nas práticas em saúde mental.

Em tal contexto a rede social aparece como ponto chave para o trabalho nos CAPS mostrando-se fundamental na compreensão das vivências e apercepções de uma pessoa. De acordo com Sluzki (1997) a rede social pode ser concebida como a somatória de todas as relações que uma pessoa compreende como significativas ou diferencia da massa social anônima. A mesma contribui de forma substancial para a construção da auto-imagem pessoal, constituindo um dos pontos centrais da experiência individual de identidade, bem-estar, potencialidades e agenciamento de autonomia, nesse aspecto podem-se incluir os hábitos de cuidado com a saúde e a capacidade de enfrentamento durante as crises.

Esse nível de estrutura social mostra-se fundamental para a compreensão mais interna do processo de integração psicossocial, de promoção do bem-estar, de desenvolvimento da identidade, de consolidação dos processos de mudança e conseqüentemente também auxilia a compreender os processos psicossociais de desintegração de mal estar e de adoecer, de transtornos de identidade e perturbações nos processos adaptativos. Nesse contexto compreender a rede social

mostra-se fundamental para a realização de um trabalho clínico no campo da saúde mental, que mantenha uma óptica ecossistêmica responsável (SLUZKI, 1997).

Para Oliveira Silva (2007) uma grande dificuldade da clínica psicossocial, realizada por alguns grupos, é a separação realizada entre o social e o psíquico. Para suprir tais dificuldades o autor salienta a proposta da “Intensificação de Cuidados” como forma de trabalhar simultaneamente esses dois elementos numa clínica mais atuante e intensiva. Ressalta ainda que a estruturação psíquica e a pertencimento social são elementos que precisam ser trabalhados de forma integral. A intensificação de cuidados, voltada principalmente para pessoas com histórico de reinternações em hospitais fechados, trabalha a partir das singularidades daqueles que necessitam de cuidados, considerando o contexto social e cultural no qual eles estão inseridos. A ação de diagnosticar é realizada mediante a tentativa de compreender o universo complexo de cada pessoa com suas peculiaridades psíquicas e sociais. Outro foco dessa perspectiva se refere aos investimentos em dispositivos de reinserção social para usuários e familiares acreditando nos benefícios dos vínculos estabelecidos entre eles. A psicose, nessa perspectiva, antes de ser interpretada como doença é vista como um elemento social (OLIVEIRA SILVA, 2007).

A discussão sobre a clínica psicossocial é deveras mais complexa do que o explicitado até aqui. Muitas críticas existem em torno do fato dos CAPS estarem se tornando a referência da Reforma Psiquiátrica. Desinstitucionalizar, como nos afirma Rotelli et. al. (2001), não pode ser compreendido como a simples retirada dos hospitais psiquiátricos e a criação de novos espaços de exclusão. Contudo, acreditamos que dentro dos propósitos de nosso texto as explicitações desenvolvidas são suficientes para embasar nossas discussões. O capítulo a seguir buscará compreender o trabalho em saúde sob outras dimensões.

2. O TRABALHO EM EQUIPE NO CONTEXTO DA REFORMA