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3. HOMENS, MASCULINIDADES, VIOLÊNCIA

3.2. Masculinidade e violência

Masculinidade e violência andam quase sempre juntas, pelo menos em vários contextos de sociedades que se têm registro. Com isso, não se quer dizer que essa combinação é algo universal, generalizável a todo e qualquer contexto de sociedade e pessoas. Porém, no contexto pesquisado, esses aspectos da vida humana se retroalimentam. Compõem a trajetória sociocultural da socialização desses homens desde a tenra idade. É comum observar que os homens, em geral, são educados para expressar suas atitudes violentas através de demonstração de força e dominação de outros (homem ou mulher).

Nesse sentido, a demonstração de força, expressa quase sempre através da violência, é um idioma de masculinidade que reforça as

desigualdades de gênero, segundo os estudos sobre homens e violência no Brasil (NOLASCO, 2001; MACHADO, 2001; ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999).

Saber sobre as formas de significações de ser homem é de grande utilidade no sentido de desvendar o fenômeno da violência, em especial da violência conjugal. Pois, como diz Nolasco (2001, p. 64), a

masculinidade e violência guardam entre si relações que vão do modo como os meninos são socializados, até a maneira como o sujeito compreende seus sentimentos como sendo de homem...

Essa combinação de masculinidade e violência aparece como um aspecto importante para explicar o fenômeno da violência conjugal, mas não é redutível em si mesma, ou seja, essa combinação é fruto de uma construção social e histórica e não obra de características genéticas específicas que fazem os homens tornarem-se mais violentos. O fato de se envolverem com mais frequência em casos de violência não implica que são naturalmente violentos, mas que esse envolvimento se pauta em prerrogativas sociais que exigem mais deles o uso da força como resolução de problemas e de construção de identidade. Não sendo, portanto, uma marca indelével dos homens, mas uma expressão das relações sociais. Ser socializado num ambiente violento não implica, necessariamente, que o indivíduo será violento. O contexto no qual foi educado e internalizou valores não pode ser tomado como caráter determinístico. Afinal, os indivíduos têm a capacidade de refletir sobre as práticas, valores e normas que lhe são disponibilizados no processo de socialização.

Nolasco (2001, p. 118-119) aponta alguns aspectos para explicar a combinação entre violência e masculinidade. A violência é vista como forma de controle comportamental das parceiras sexuais, implicando na ideia de que as mulheres são propriedades dos

homens, e preservar “sua propriedade” é uma questão de honra. Sobre este ponto, encontrei discursos de homens que justificavam seus atos violentos a partir da ideia de posse da companheira e mantê-la, então, era percebida como prova de masculinidade.

O autor ainda destaca que o homicídio “confrontacional”15, a violência decorrente de um outro crime 16 e a violência como ferramenta utilizada na resolução de conflitos são situações que explicam o envolvimento de homens com a violência. Se as situações são diversas, os cenários de expressão da violência também o são, não havendo um contexto privilegiado de sua manifestação.

Cechetto (2004) também estudou, no contexto das masculinidades juvenis e de jovens adultos, a questão da produção das violências como forma de sociabilidade em espaços de lazer de determinado segmento da população carioca, recusando os estereótipos que associam diretamente violência, masculinidade e pobreza ou o paradigma da sociobiologia que, segundo ele, não explica as múltiplas questões e manifestações da violência e das masculinidades.

Os principais aspectos discutidos por Cechetto (2004) são: as formas de competição masculina, músculo como atributo de culto pelo masculino, violência associada à virilidade e o culto ao corpo, a hipervalorização deste como veículo de status e de poder, mas que também revelam símbolos e significados de pertencimento, estilos e de afirmação. São aspectos importantes no mapeamento dos estilos de masculinidades em contextos específicos, mas não um espaço central nas interpretações dessa tese.

15 “São assassinatos que começam de alguma forma entre homens a partir da

disputa pela honra” (NOLASCO, 2001, p. 118).

16 Envolvimento dos homens em atividades marginais que os levam a correr riscos

Já a abordagem de Machado (2001) sobre masculinidade, onde focaliza as relações entre as formas de viver a masculinidade e a cultura da violência, tendo como parâmetro a análise de valores de longa duração que estruturam a cultura ocidental patriarcal, ajuda a pensar sobre os discursos dos homens acusados de violência conjugal, na medida em que estão permeados de valores que buscam alimentar uma lógica tradicional das relações de gênero, mesmo sendo inalcançável em toda sua configuração.

Minayo (2004) também explica o fenômeno da violência analisando a masculinidade como aspecto importante para o entendimento desse fenômeno. Segundo a autora, na visão arraigada do patriarcalismo, o masculino é ritualizado como o lugar da ação, da decisão, da chefia da rede de relações familiares e da paternidade como sinônimo de provimento material. Estas características se apresentaram nas práticas discursivas dos homens pesquisados e serão demonstradas no quarto capítulo desta tese. O masculino é investido significativamente na posição social (naturalizada) de agente do poder da violência, havendo, historicamente, uma relação direta entre as concepções vigentes de masculinidade e o exercício do domínio de pessoas, das guerras e das conquistas. É importante não reificar a posição dos homens como únicos agentes promotores da violência, o trabalho recente de Ribeiro de Oliveira (2012) mostra o envolvimento cada vez mais crescente de mulheres no universo do crime.

Para Muszkat (2006), os homens são tanto os principais agentes quanto as principais vítimas de atos violentos. Tratar somente o polo feminino como vítima reforça e perpetua a ideia de incapacidade feminina de cuidar de sua própria história e destino, aprisionando-a ao lugar de vitimizada. Sua proposta caminha na direção de romper com o caráter dualista, de tipo vítima/agressor, através da inclusão dos homens em projetos que visem facilitar a ampliação de uma rede

de sentidos diversificados. Tal posição se filia as reflexões de autores/as que estudaram e/ou estudam a questão da violência conjugal e procuram dar uma atenção também aos homens autores de violência (GREGORI, 1993a, 1993b; SOARES, 2009; MEDRADO, LEMOS & BRASILINO, 2011; MEDRADO & GRANJA, 2009; BRASILINO, 2010; GRANJA, 2008; GOMES ETAYO, 2011).

Para uma vista panorâmica sobre os estudos de gênero e violência Muszkat (2006, p. 151) aponta alguns tipos de perspectivas:

1) Uma perspectiva conservadora, que considera “natural” o papel de provedor e de dominância social e política masculina;

2) A pró-feminista, que enfatiza o caráter opressor/oprimido entre homens e mulheres;

3) A dos Men‟s Rigths, que ressalta o aspecto danoso ao homem obrigado a corresponder o sistema hegemônico masculino, sofrendo ainda danos maiores como consequência do movimento feminista;

4) Uma perspectiva espiritual, que acredita que a masculinidade deriva de padrões inconscientes profundos, revelados através de rituais e mitos;

5) Uma de cunho social, que acredita que as diferentes masculinidades são definidas pelo tipo de trabalho exercido e pelo grau de poder e controle sobre o trabalho de outros;

6) A que descreve uma masculinidade universal, que contém uma diversidade, em razão das distintas experiências dos homens, e que esta diversidade estaria igualmente presente nos diferentes agrupamentos e grupos étnicos.

Estas perspectivas não conseguem, satisfatoriamente, dar conta da complexidade que envolve a violência conjugal, visto que não rompem definitivamente com o dualismo analítico.

É justamente no esforço de enfrentar esse desafio que esse trabalho de tese caminha, ou seja, pretende-se, do ponto de vista analítico, fugir da perspectiva dualista de explicação da violência conjugal e demonstrar que a visão maniqueísta dificulta perceber de forma minuciosa tal fenômeno, além do que, pode apontar soluções que reforça a própria lógica de perpetuação da violência. Nesse sentido, as análises de Strathern (2006) foram fundamentais no sentido de guiar minhas análises e interpretações sobre a questão.

Em termos de estratégica analítica volta-se para uma análise da