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A Matemática como plano de fundo das histórias e memórias nas instituições de

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.4 REVISÃO DE LITERATURA

2.4.3 A Matemática como plano de fundo das histórias e memórias nas instituições de

Martins-Salandim (2007) realizou visitas a seis escolas agrícolas do estado de São Paulo e entrevistou professores de Matemática daquelas instituições nas décadas de 1950 a 1970, tentando constituir uma história de suas formações e especificidades, suas práticas, seus objetivos de formação dos alunos, qual matemática era desenvolvida no curso, e ainda, a inserção do discurso desses professores na história da Educação Matemática Brasileira. Além disso, a pesquisadora realizou consultas a documentos das referidas escolas agrícolas, como antigos livros ponto e de atas.

Para a autora, o ensino agrícola é percebido como marginalizado na História da Educação, e, portanto, seus atores são também percebidos como tal:

O tema “ensino agrícola” é percebido como marginalizado pela História da Educação e como marginais são percebidos seus atores que, no cenário composto pelo interior do estado de São Paulo (já ele, sob certo aspecto marginal, pois interior), atuaram na periferia dos espaços produtivos urbanos considerados mais nobres. Marginalidade de várias faces, portanto: não só aquela do ensino técnico, destinado historicamente aos menos favorecidos; mas no caso particular, o ensino técnico voltado às questões do campo, um espaço que, devido ao processo de urbanização e industrialização, foi relegado a um segundo plano em relação às funções e experiências urbanas (MARTINS-SALANDIM, 2007, p. 126)

A autora apresenta, dentre as marcas de marginalidade do ensino agrícola, o papel da disciplina de Matemática e de seus professores quando da comparação entre a formação dos técnicos agrícolas e das escolas urbanas de ensino regular. Segundo a autora, uma das formas

de tentar reverter esse cenário de marginalidade seria a tentativa de alguns professores em divulgar as vantagens e potencialidades do curso, não apenas em relação à formação técnica, mas também em relação à formação geral. Uma dessas estratégias empregadas era a divulgação de bons resultados obtidos pelos alunos dessas escolas em competições matemáticas. Por outro lado, mesmo dentro das escolas agrícolas, imperavam-se as determinações das disciplinas técnicas sobre a Matemática, sendo a disciplina uma coadjuvante, em que professores precisariam alinhar-se aos professores de formação técnica (MARTINS-SALANDIM, 2007).

Segundo a pesquisadora, a percepção dos aspectos de marginalidade no ensino agrícola foi muito mais acentuada nela do que nos professores entrevistados, e justifica que o motivo que a levou a optar por caracterizar o panorama por esse viés da marginalidade foi que a escola agrícola se constituiu em objeto de sua pesquisa, e nesse sentido, teve um olhar para a temática com outros interesses, munidos de leituras diversas e indícios vários. Outro aspecto justificado pela autora foi de que o trabalho pretende contribuir para a superação de alguns aspectos da marginalização do ensino agrícola, no âmbito acadêmico, de forma a integrar o debate científico (MARTINS-SALANDIM, 2007).

Pinto (2006) investigou, a partir da educação matemática, as memórias da Escola Técnica de Vitória, num recorte de 1942 a 1990, de forma a descobrir “[...] como as práticas são instituídas no cotidiano da escola, isto é, qual o peso da cultura escolar na configuração de uma disciplina” (PINTO, 2006, p. 4), partindo do princípio de que a cultura e a prática escolar reafirmam a importância dos saberes como “[...] criações próprias da instituição escolar e que mantém com as outras dinâmicas culturais relações complexas” (PINTO, 2006, p. 11).

O pesquisador realizou uma pesquisa documental nos arquivos referentes à memória da escola, tais como boletins, programas de ensino, registros dos conselhos escolares, provas de Matemática, resoluções, regulamentos, correspondências aos familiares dos alunos, dentre outros, que, se entrelaçaram com narrativas de memórias de pessoas que, de alguma forma, fizeram parte da história da instituição. Segundo o autor, nesse entrelaçamento puderam ser verificados “[...] a cultura e os saberes escolares, em especial os da educação matemática, atravessados por relações de poder, conflitos e contradições presentes no cotidiano da instituição” (PINTO, 2006, p. 9).

O autor pode verificar que as práticas escolares relativas ao ensino da Matemática, ao movimentarem-se entre um ensino prático-intuitivo e um ensino formal, constituíram-se “[...] num dos eixos do processo de superação do estigma de escola correcional, passando a escola profissional que cultiva a ciência e a técnica” (PINTO, 2006, p. 9). Em suas conclusões, o autor explica que

[...] as práticas culturais relativas à educação matemática foram constituídas por um fazer institucional escorado na formação profissional. Fazeres que, ao longo do tempo, caracterizaram-se por permanências, em alguns aspectos, e por transformações, em outros (PINTO, 2006, p. 160).

Em seu livro “Educação Matemática e Educação Profissional: elos de uma histórica relação”, originado a partir de sua tese de doutorado, Pinto (2015) aponta o papel da Matemática na formação humana e o seu lugar no ensino médio, na educação profissional e na formação de trabalhadores.

Ao analisar os conteúdos, métodos e práticas pedagógicas, ao longo do século XX, que perpassaram o desenvolvimento do ensino da Matemática na Escola Técnica Federal do Espírito Santo, Pinto (2015) demonstra como a disciplina foi se transformando em paralelo ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia. De ensino elementar, em 1910, ao ensino do cálculo e da álgebra superior, do pensamento abstrato e do domínio de uma linguagem formal-axiomática, no final do mesmo século. Segundo o autor, o conhecimento matemático, nascido da práxis, transforma-se, ao assumir a dimensão de um saber abstrato e formal, sem, contudo, perder seu domínio prático e aplicado à resolução de problemas.

Nesse sentido, busca reafirmar, mostrando a relação entre educação Matemática e Educação Profissional, o valor da Matemática na formação profissional, centrado na concepção do trabalho como princípio educativo, pressuposto básico da formação humana integral. Para ele, o desenvolvimento do pensamento e da linguagem matemática, analisados sob o prisma de sua historicidade, evidencia a condição de um sujeito em constante relação com a natureza, na permanente busca da compreensão do mundo que o cerca. Assim, a perspectiva histórica se configura em um “[...] método que permite analisar e compreender o modo como o conhecimento matemático se manifestou no currículo e nas práticas pedagógicas” (PINTO, 2015, p. 22), e identifica que tal manifestação se traduz em uma “[...] experiência aberta à formação para o trabalho em sua dimensão ontológica, ou seja, como um princípio educativo” (PINTO, 2015, p. 22). Para o autor, o saber matemático deve ser compreendido enquanto

gerador de visões de mundo, de educação, de formação para o trabalho, de concepção de trabalho, ciência e tecnologia (PINTO, 2015).