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2.4 Condições de Trabalho Docente

2.4.3. Materiais Didáticos

O espaço e os materiais variavam de escola para escola, havendo aquelas com melhores condições e outras em condições mais precárias. Em relato, a professora T.F.B. (2016) recorda a escassez de materiais, afirmando que a professora arcava financeiramente com os livros didáticos para o ensino - os quais consideramos não serem padronizados, uma vez que cada professora adquiria o seu, conforme seu interesse, bem como o quadro negro.

[...]a gente comprava uns bons livros... para gente ir repassando para os alunos[...]a escola, eles mesmos lá...reuniam os pais dos alunos e sabe, faziam. As mesinhas, os bancos, tudo rústico[...]Tinha quadro...a gente que comprava o quadro. Reunia a gente (pausa) os pais também ajudavam também... e comprava o material para eles e eu comprava o meu também. (T.F.B., 2016, p.4).

Nas Atas de Reuniões Escolares, encontramos registros do inspetor Jerônimo Arantes informando da necessidade de objetos escolares, ausentes na Escola Municipal

Conceição de Lima, no ano de 1951, impossibilitando que as aulas fossem ministradas. (UBERLÂNDIA, 1951c). Em 1956, foi registrada na mesma escola a falta de carteiras para a frequência de alunos, ausentes do âmbito escolar por falta de mobiliário. (UBERLÂNDIA, 1956e). Enquanto isso, nas Atas do Legislativo também encontramos discussões acerca da falta de materiais nas escolas rurais. No ano de 1956, o vereador Angelino Pavan denuncia o péssimo estado que encontrava a Escola Rural de Sobradinho, que necessitava de no mínimo cinco carteiras, sendo aprovada a remessa de dez carteiras. (UBERLÂNDIA, 1956a). No ano de 1977, faltavam 3.000 cadeiras nas escolas rurais (UBERLÂNDIA, 1977a), as quais foram negociadas e ofertadas pela empresa Carpe37 (1.000 carteiras) e pelo Estado (cerca de 2.000 mil) (UBERLÂNDIA, 1977b).

Além disso, nas entrevistas, as professoras afirmam que o espaço escolar era rudimentar contendo somente quadro negro, carteiras e cadeiras escolares. Para uso do professor havia o giz, o quadro negro, o caderno de planejamento, livros, cartilhas e/ou as apostilas ofertadas pelo município (conforme mencionado no item 1.3.2).

Ao contrário dessa precariedade, nas escolas mantidas por empresas e grandes proprietários rurais, como a escola de A.M.D.L. (2016), no final da década de 1970, não havia com o que se preocupar em relação aos materiais pedagógicos:

A prefeitura nessa época ela oferecia um material para gente, era apostilado, então você tinha que seguir aquele material apostilado. Então Português vinha a apostila, Matemática, né, História, Geografia, então vinha tudo apostilado. Ciências... então você trabalhava dentro daquelas apostilas, que eram... vinham bimestral. Então você trabalhava dentro daquilo. [...] O uniforme era uma camiseta branca, uma calça adidas escrito: Escola Municipal Emílio Ribas, jamais a Pinusplan quis fazer propaganda do que ela fazia. A preocupação era o trabalho, o ensino [...]. E eu ainda estou esquecendo de lhe falar, material escolar também, era mantido por ela. Era mantido por ela. Então eu não sofri, o que minhas colegas da época sofreram. Porque a prefeitura era muito lenta para atender a necessidade de merenda, as necessidades de cadernos escolares das crianças e o professor muitas das vezes passava por dificuldades. ( A.M.D.L., 2016, p.2-3).

Nos materiais requisitados e enviados pela prefeitura, entre os anos de 1971- 1972, constatamos que foram enviados para as 42 escolas localizadas no documento: materiais didáticos, materiais de limpeza, mobiliários e também de primeiros socorros. Em relação ao material didático notamos que os materiais enviados em maior quantidade

37 O jornal não informa a natureza da empresa CARPE, nem mesmo descreve os motivos que a incitou a doar as carteiras escolares.

foram: cadernos, borrachas, blocos, boletins e réguas. Enquanto os demais: a bandeira e os papéis almaços com pauta, foram enviados em menor proporção, como podemos verificar no quadro a seguir:

QUADRO 9- Materiais didáticos das escolas rurais (1971-1972): Uberlândia-MG

MATERIAL QUANTIDADE Apagador 59 Bandeira 2 Borracha 3696 Boletins** 1222 Blocos*** 1223 Caderno* 8894 Cx de Giz 563 Cx de Giz Colorido 106 Envelope Boletim 64 Folhas de papel 45 Lápis 502 Lápis de cor 88 Livro de chamada 12 Livro de E. Integrada 10 Metros de papel pardo 98 Papel almaço sem pautas 20 Papel almaço com pautas 3

Régua 851

Fonte: UBERLÂNDIA (1971-1972).

Notas: * cadernos de atividades, caligrafia e desenho. ** Boletim para professores, para alunos, Boletins mensais. *** com e sem pauta.

O conteúdo dos kits de primeiros socorros limitava-se a algodão, gaze, esparadrapo, mertiolate, água oxigenada e envelopes de Cibalena. Nota-se que a medicação de Cibalena era frequentemente utilizada nas escolas rurais. Era permitida a medicação da criança em espaços escolares, bem como os cuidados no caso de pequenos incidentes. Assim, a professora da escola rural, frente à indisposição dos alunos, analisava e decidia como agir, inclusive se deveria ou não medicá-los. Os pais eram informados, quando possível, somente nos casos mais emergenciais, afinal para tanto era necessário o deslocamento até a casa do aluno, sendo o telefone38 um artigo de luxo e, portanto, raro.

38 De acordo com a Ata do Legislativo, no ano de 1956, na Fazenda Sobradinho já havia sido instalado telefones. (UBERLÂNDIA, 1956c).

GRÁFICO 7- Itens de primeiros Socorros utilizados nas escolas Rurais

Fonte: UBERLÂNDIA (1971-1972).

Em síntese, podemos afirmar que eram precárias as condições de trabalho docente nas escolas rurais. O mobiliário era insuficiente e improvisado, faltavam livros didáticos, cartilhas, jogos pedagógicos e outros materiais que comporiam de forma mais eficiente e diversificada o ambiente escolar, tais como: pincéis, diferentes tipos de papéis para decoração e exposição de cartazes, etc. O ambiente da sala de aula era mantido com o mínimo necessário. Mas qual era o lugar de atuação dessa professora? Onde e como estavam instaladas as escolas rurais? Como era organizado o ensino nessas instituições? Como as professoras rurais organizavam suas práticas cotidianas em espaços marcados pela precariedade? Como a Lei 5.692/71 influenciou nas ações diárias da professora rural? Indagações que buscamos aprofundar nesse segundo capítulo no qual se analisará: o lugar de atuação das professoras rurais antes e depois da lei 5692/71 e as práticas pedagógicas.

Assim, neste segundo capítulo, ao analisarmos como eram as escolas rurais, a sua estruturação física, os lugares de instalações, as formas de organizações do tempo e espaços, buscamos entender, tal como posto por Viñao Frago (2000), a cultura escolar existente entre o instituído e a instituição, considerando os sujeitos, suas representações e apropriações. 37 39 36 37 37 481 Pacote de Algodão Pacote de gaze Tubo de Esparadrapo Vidro de Mertiolate Vidro de água oxigenada Envelope de Cibalena

3 A ESCOLA RURAL E AS PRÁTICAS DOCENTES

Naquilo que se refere ao lugar de atuação das professoras, nota-se que as instalações físicas das escolas rurais pouco condiziam com espaços destinados a instituições de ensino. Mesmo exercendo um papel fundamental na alfabetização das populações do campo, muitas dessas instituições funcionaram em condições precárias: em instalações inadequadas, em casas ou cômodos adaptados, carentes de iluminação, ventilação, espaço físico, água, banheiros. Outras eram instaladas em depósitos, ranchos, currais e casas de pau-a-pique. Além disso, eram desprovidas de matérias didáticos, materiais de limpeza, alimentação e mobiliários. (ARAUJO; LIMA, 2011a / ARAUJO; LIMA, 2011b / GONÇALVES, 2015; LEITE, 1996; LIMA, 2004/ LIMA, 2009 / LIMA, 2012 / LIMA; ASSIS, 2013 /MACHADO, 2016; MANKE, 2006, RIBEIRO, 2009). Segundo Arroyo (1982), o descaso para com a educação primária rural foi denunciado desde 1901 nos jornais mineiros, uma vez que muitas das escolas rurais abandonadas pelos poderes públicos eram mantidas pelos esforços dos próprios professores, os quais, muitas das vezes, arcavam inclusive com o pagamento do aluguel da escola.

A partir disso, podemos dizer que o espaço ocupado pela escola rural foi de abandono e desprestígio tanto por parte das políticas públicas quanto pelas representações culturalmente construídas acerca do urbano e do rural. Nessa vertente, Arroyo (1982) afirma que a elite brasileira nunca defendeu uma educação para o homem do campo, mas sim, uma educação que fixasse o homem no campo. Todavia a ação educativa não restringiu o intenso êxodo rural na década de 1950, nem mesmo freou as transformações advindas com o processo de urbanização.

Entre os anos de 1950 a 1970, o crescimento no índice de urbanização, a política desenvolvimentista, o êxodo rural e a industrialização conduziram o país para a consolidação da nova conjuntura econômica, política, cultural e social a qual deslocava uma sociedade com modos de vida agrário-rural para modos de vida de uma sociedade agroindustrial. (MELLO; NOVAIS, 2002, SILVEIRA, 2008; SKIDMORE, 1998; VEIGA, 2007). De acordo com Mello; Novais (2002) havia, nesse período, uma crença na possibilidade de transformar o país em uma nação desenvolvida. Otimismo nacional que se tornou fervoroso com a inserção dos eletrodomésticos, produtos de beleza, produtos farmacêuticos, enlatados e outros. Além disso, houve também o desenvolvimento da indústria automobilística, indústria naval, utilitários, estradas de rodagem, eletricidade, bem como a instalação das multinacionais, a inclusão da mulher

no mercado de trabalho e outras transformações que gradativamente mudavam não só os modos de vida da organização social, mas os próprios sujeitos na sociedade.

Logo a escolarização da população brasileira tornou imprescritível para as elites urbanas consolidarem seu projeto de sociedade. Para tanto, além das campanhas contra o analfabetismo intensamente divulgadas na década de 1940 (RIBEIRO, 2009), resultando concomitantemente em ações isoladas dos estados e municípios, foram firmados acordos internacionais entre Brasil e Estados Unidos da América (EUA), dentre eles: o “Plano de Desenvolvimento para o Ensino Primário” concluído em 1946. Nesses acordos ficaram registradas as impressões do professor da Universidade da Columbia-EUA, Robert King Hall, em relação à precariedade das escolas rurais brasileiras e a necessidade de universalizar o acesso à educação primária para as crianças e rurícolas menos favorecidos. Na década de 1950, a impressa de Uberlândia questionava o caráter econômico do país: se deveria voltar-se à economia urbana ou se manter vinculado às vocações agrícolas. (PAÍS, 1950). A política de expansão das escolas rurais no país, a tentativa de modernizar os espaços urbanos e rurais, associado ao processo de urbanização e industrialização dividiam as opiniões públicas e os pareceres dos intelectuais do período. Esses também eram influenciados pelas relações de clientelismo e favoritismo, as quais condicionavam também as ações dos dirigentes municipais e estaduais, inclusive na abertura de vagas e espaços escolares. Preocupados com o total de alunos frequentes às aulas, os inspetores secundarizavam as questões do ensino-aprendizagem. (LEITE, 1996; LIMA, 2004; LIMA, 2016).

Em Uberlândia, nota-se que embora as ações políticas estivessem impulsionadas pelo desenvolvimentismo e investimentos urbanos, as temáticas envolvendo o ensino rural eram abertas como discussões na Câmara dos vereadores. Ora discutiam sobre a abertura ou fechamento de escolas rurais, ora sobre aquelas que se mantinham em funcionamento precário, caracterizadas pela falta de materiais, instalações físicas, profissionais habilitados, suporte e orientações pedagógicas-didáticas, bem como pela omissão das políticas públicas em relação ao ensino rural. (UBERLÂNDIA, 1950-1980). Assim, para entendermos as histórias e memórias das professoras rurais, buscamos identificar nesse capítulo: a) caracterizar os espaços destinados ao funcionamento das escolas rurais; b) apreender as condições físicas dessas instituições e as condições de trabalho das professoras; c) entender as táticas e as práticas pedagógicas dessas docentes frente às normativas instituídas pelo Governo e aquelas estabelecidas pela cultura local.