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2.4 Condições de Trabalho Docente

2.4.2. Salário

Em relação ao salário mensal, as professoras entrevistadas afirmam que havia diferença entre o salário da normalista e o da leiga no município de Uberlândia: o primeiro era proporcionalmente superior ao da segunda. “O professor que não era formado, ganhava menos. Se eu não me engano era 60% do salário do que fosse formado.” (E.P.S., 2016, p.18).

Nos Registros de Salários, arquivados sem data de referência no Arquivo Público de Uberlândia, também constatamos essa diferença. Dessa forma, ao analisarmos os nomes dos professores, bem como a anotação a lápis feita no documento, notamos a indicação do decreto 66.259, e a referência dos parágrafos I e II na página 104, remetendo

a normativa publicada na década de 1970 sobre a diferença salarial da normalista. (UBERLÂNDIA, [entre 1960-1979], p. 2).

Assim, podemos afirmar legalmente que as professoras leigas ganhavam 60% a menos do salário das professoras normalistas. Tal realidade não ocorria somente em Uberlândia, uma vez que a normativa estabelecia essas orientações em nível nacional. Logo, o Decreto nº 66.259 de 25 de Fevereiro de 1970, dispondo sobre a utilização da parcela correspondente à Educação, nas quotas de fundo de Participação dos Estados, Distrito Federal e Território e do Fundo de Participação dos Municípios, definia no seu Art.2, parágrafo I e II:

I - Limite mínimo de um salário-mínimo regional mensal, para o regime de 22,5 (vinte duas e meia) horas de trabalho semanais, quando se tratar de professor primário com curso de formação regular;

II - Limite mínimo de 60% (sessenta por cento) do salário-mínimo regional mensal, para o regime de 22,5 (vinte duas e meia) horas de trabalho semanal, quando se tratar de professor primário sem curso de formação regular; (BRASIL, 1970).

Brandão (1983), ao analisar a condição da vida da professora leiga ribeirinha, percebe que a desvalorização docente era tão evidente que o trabalho rural nas plantações de guaraná era mais lucrativo do que à docência. De acordo com Manke (2006), apesar de não mencionar os valores recebidos pelas professoras rurais, na cidade de Pelotas-RS, o salário das professoras primárias também era baixo na década de 1960, principalmente os salários vinculados ao município, os quais eram relativamente menores do que os do estado. No Piauí, Gonçalves (2015) afirma que os professores além de ganharem baixos salários, ainda gastavam com a compra de materiais didáticos. A compra era iniciativa do próprio professor rural que, sem recursos, comprava o mínimo necessário para desempenhar o seu trabalho com qualidade. Realidade que se aproximava do município de Uberlândia. A professora E.P.S. (2016) afirmava que:

Então eu lutei muito, mas muito mesmo, gastei até dinheiro meu com escola, gastei muito dinheiro. Teve época que não mandavam material nenhum para as escolas, nenhum... eu tinha uma amiga que tinha uma livraria aqui na Floriano, Livraria Amorim, nessa amiga eu comprava fiado dela, todo mês eu tinha continha pra pagar...coisas de escola que eu comprava. Pra levar pra escola. Coisa que mais tarde teve prefeito que passou a mandar o material. [...] Assim, por exemplo, você queria fazer um cartaz que vai comemorar tal data ou um assunto que esteja estudando ali e precisa de um cartaz, você vai fazer um desenho, você vai estudar ciência, tem que desenhar um coração, fazer qualquer coisa,

tem que ter o papel ali, tem que ter o durex, tem que ter o pincel atômico, muitas vezes eu comprava esses todos objetos com meu dinheiro, pagava a conta na livraria todo mês.[...] Então eu comprava com meu dinheiro. Tinha prefeito que não queria nem dar o lápis pro menino, falava que era emprestar. No final da aula era para recolher o lápis, guardar, pro menino usar no outro dia de novo na escola, não queria deixar levar pra casa. Aí como que o menino ia fazer o dever? (E.P.S., 2016, p. 28).

Assim, mesmo com os baixos salários, muitas professoras rurais frente à escassez dos materiais didáticos optavam por usar os recursos obtidos com o próprio salário para a compra de materiais didáticos. Contudo, T.F.B. (2016) afirma que havia períodos mais graves para as professoras rurais, como, por exemplo, quando trabalhou na prefeitura de Araguari no período de 1958-1963. Na ocasião, não faltaram somente os matérias didáticos, mas também o próprio salário mensal:

T.F.B.: Eu assinei pela prefeitura. Aí a verba faltou e eu fui dar aula particular nas fazendas, para os alunos dos proprietários, os filhos dos proprietários e os alunos da redondeza.

Entrevistadora: Quando a senhora ficou na prefeitura a senhora ficou muito tempo sem salário?

T.F.B.: Essa vez que eu lecionei (pausa) [...] Acho que foi uns dois anos...aí depois eu não quis ficar sem receber mais não...

Entrevistadora: É difícil né, Dona T.F.B!

T.F.B.: Difícil ficar sem né... (T.F.B., 2016, p. 3).

Machado (2016), ao estudar a escolarização no município de Montes Claros- MG, constatou que além de defasado, o salário da professora primária rural era inferior ao da professora primária urbana. Além disso, ainda constata que no ano de 1967 os docentes rurais de Monte Claros, em decorrência da não renovação do convênio entre estado e município, ficaram um ano sem salário. Além da falta de salário, a pesquisa de Lima; Assis (2013) demonstra que os salários dos professores de Minas Gerais além de baixos, eram inferiores ao salário mínimo estipulado no estado. Tal como podemos verificar no quadro abaixo:

QUADRO 8- Salário dos Professores em Minas Gerais Ano Moeda Vigente Mínimo Salário

em MG Salários dos Professores Rurais Percentual em relação ao salário mínimo 1952 Cruzeiro (Cr$) 900,00 700,00 a 800,00 78% a 89% 1960 Cruzeiro (Cr$) 8.480,00 5.550,00 a 6.300,00 65% a 74% 1970 Cruzeiro Novo (NCr$) 177,60 125,00 a 150,00 70% a 84%

Constatamos que as questões em torno da problemática salarial também estavam presente no cotidiano das professoras urbanas. De acordo com Nunes (2000), no ano de 1959, um dos elementos que impulsionou a greve das professoras do estado de Minas Gerais foram os baixos salários pagos às docentes das escolas primárias, o que culminou, anos depois, na greve de 1979. Movimentos e lutas que também estiveram presentes no município de Uberlândia36. Em 1954, a imprensa denunciava a desvalorização do salário docente e sugeria as professoras primárias mineiras que se organizassem e entrassem em greve. (PROMESSAS, 1954). Em 1968, as professoras entraram em greve e pediram por meio da imprensa que os pais não enviassem os alunos para as escolas, uma vez que além de receber baixos salários, esses não estavam sendo pagos. Depois, no ano de 1970, o jornal informava que as professoras mineiras ameaçavam abandonar as salas de aulas se o salário atrasado há nove meses não fosse pago. Em 1971, a professora Maria Telma Lopes Cançado de Belo Horizonte, a frente no movimento do professorado, alegava que o salário não havia sido pago e nem mesmo foram revistas as condições de cargos e salários dos professores. Em 1972, mais de três mil professoras mineiras filiaram-se à “Associação das Professoras Primárias de Minas Gerais” para mover ação judicial contra o Estado, ano, em que, finalmente, o pagamento foi realizado. (PROMESSAS, 1954; PROFESSORES, 1968b; PROFESSORES, 1971; PROFESSORAS, 1972). Todavia, ao levantar-se contra a estrutura que as marginalizava, no ano de 1980, essas professoras primárias foram coagidas e friamente atacadas por se organizarem, manifestarem e requerem seus direitos:

Esta afirmação foi feita pelo secretário-adjunto da Educação, Hebert Mechessi Duarte. Ele acrescentou:‘Já foram dispensados 69 professoras de Belo Horizonte que estavam colaborando na paralisação das aulas’. ‘É preciso esclarecer aos professores- disse ainda- que de acordo com o decreto do governo do Estado, da semana passada, de número 20.500, quem faltar um dia perde seu emprego. Não haverá a necessidade de observância de prazos, porque o decreto é para uma situação de emergência, soberano, para evitar que uma das principais atividades de governo, como é a educação fique prejudicada. [...]. (COMEÇAM, 1980, não paginado)

36 Pelos jornais é notório que o movimento grevista iniciado em 1979, tenha ocorrido pela iniciativa das professoras mineiras estaduais, no entanto nota-se também que a prefeitura estava envolvida na busca de uma solução do problema do magistério de Uberlândia. Tanto que no ano de 1980, a situação das condições do magistério mineiro não havia sido resolvida, nisso o secretário da educação municipal, Hermantino Dias, fez apresentação da “Comissão de Pais” de Uberlândia ao Ministro Eduardo Portella pedindo soluções ao problema das professoras uberlandense. (PAIS, 1980, p.1).

Destarte, proibidas de paralisar suas atividades, muitas docentes presentes nas salas de aulas, não faltando um dia sequer, criaram táticas para resistirem: não deixaram de ministrar suas aulas, mas colocaram-se inertes na sala de aula. De acordo com o jornal, elas faziam a chamada e cruzavam os braços esperando o tempo passar, dispensando o aluno que quisesse ir embora. Resistência também silenciada pela Secretaria de Ensino ao negar que esse movimento estivesse acontecendo nas salas de aula em Uberlândia. (PAIS, 1980, p.1).

Todavia, a desvalorização da carreira docente era presente em muitas realidades brasileiras e o salário tornava-se um dos elementos significativos desse desprestígio. Brandão (1983), ao visitar as escolas ribeirinhas no Amazonas, na década de 1980, relata que as professoras rurais recebiam duas vezes ao ano e o valor recebido semestralmente era inferior ao valor pago nas plantações de guaraná. Carvalho (2016), ao estudar as escolas rurais praianas entre os anos de 1940-2000, relata que em muitas comunidades no estado do Ceará faltava inclusive o salário do professor, o qual, muitas das vezes, recebia seus rendimentos em produtos como feijão preto. Situação também presente em Mato Grosso, segundo Furtado; Moreira (2015) quando faltava o pagamento, o professor recebia com mercadorias ou produtos.