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SUMÁRIO

2 Considerações gerais e revisão bibliográfica

2.3 Materiais ferroelétricos: classificação

Os materiais ferroelétricos podem ser classificados como normais ou relaxores. Os materiais ferroelétricos normais ou clássicos apresentam uma transição de fase que ocorre em uma temperatura bem definida denominada de temperatura de Curie, TC (27, 29, 34). Nos materiais ferroelétricos normais, em temperaturas abaixo de TC, o material apresenta uma polarização espontânea, enquanto que acima de TC, a polarização espontânea deixa de existir devido à transição para uma fase não polar onde o material é denominado de paraelétrico. A transição de fase ferroelétrica para paraelétrica está sempre associada a uma mudança de estrutura cristalina de menor para uma maior simetria cristalina.

Em uma temperatura próxima a transição de fase, o material ferroelétrico normal apresenta um ponto de máximo da permissividade dielétrica relativa ou constante dielétrica uma vez que passa de um estado polarizado em temperaturas abaixo de TC para um estado não polarizado em temperaturas acima de TC. Na fase paraelétrica (acima de TC), a constante dielétrica diminui com o aumento da temperatura e pode ser descrita pela lei de Curie-Weiss (29).

0 T T C − = ε (2.1)

onde ε é a constante dielétrica, C é a constante de Curie, T é a temperatura e T0 é a temperatura de Curie-Weiss. É importante salientar que a temperatura de Curie- Weiss (T0) é diferente da temperatura de Curie (34).

O parâmetro de ordem em materiais ferroelétricos é a polarização espontânea e o seu comportamento com a temperatura é uma característica muito importante para classificar os processos de transição de fase. Quando a polarização espontânea cai à zero abruptamente a partir da temperatura de transição, a transição é considerada de primeira ordem e, neste caso, T0 é menor que TC (34). Já para a transição de segunda ordem, quando TC é igual a T0, a polarização diminui lentamente à medida que se aproxima de TC (35).

Um exemplo típico de uma curva de permissividade de um material ferroelétrico normal é apresentado na Figura 4 (36). Observa-se que a permissividade dielétrica apresenta um máximo bem definido em TC, característico de um processo de transição de fase ferroelétrica para paraelétrico. A figura inserida na Figura 4 mostra que em temperaturas acima de TC a lei de Curie-Weiss é realmente satisfeita por apresentar um comportamento linear com a temperatura.

Figura 4 – Parte real da permissividade dielétrica de uma amostra cerâmica de BaTiO3 dopada com 20

mol % de Zrem função da temperatura em diferentes freqüências. O gráfico inserido na Figura mostra o inverso da curva de permissividade para a frequência de 1 KHz (36).

Outra classe importante de materiais ferroelétricos são os materiais ferroelétricos relaxores. Os materiais ferroelétricos relaxores apresentam um comportamento difuso da permissividade dielétrica relativa que tem sido denominada na literatura de transição de fase difusa (TFD), ainda que não necessariamente ocorra uma transição de fase estrutural na passagem pelo máximo da curva de permissividade (8). Como mostra a Figura 5, a principal característica dos materiais ferroelétricos relaxores é a dependência da curva de constante dielétrica com a freqüência (28). O comportamento da parte real (ε’m) e imaginária (ε”) da curva de permissividade ocorre de maneira distinta. Com o aumento da frequência, dentro da região de dispersão dielétrica, o valor de ε’m diminui enquanto o valor de ε” e Tm (temperatura de máximo da permissividade) aumentam.

Higor R. Favarim Considerações Gerais e Revisão Bibliográfica

Figura 5 – Parte real da permissividade dielétrica em função da temperatura para diversas freqüências. O gráfico em anexo mostra o inverso da curva de permissividade em função da temperatura para a frequência de 1 KHz destacando a temperatura de máximo Tm e a temperatura de Burns (TB)

(36).

Por outro lado, os ferroelétricos relaxores não seguem a lei de Curie-Weiss, exceto em altas temperaturas, onde é observado um desvio nesse comportamento de algumas dezenas de graus acima da temperatura de permissividade máxima (Tm), como ilustrado na figura inserida na Figura 5. No entanto, a permissividade dielétrica para temperaturas acima de Tm nos ferroelétricos relaxores pode ser descrita pela lei de Curie-Weiss modificada (21):

1 max max

)

(

1

1

C

T

T

γ

ε

ε

=

(2.2)

onde εmax é o máximo do valor da permissividade dielétrica, C1 é a constante de Curie para os ferroelétricos relaxores, T é a temperatura, Tmax é a temperatura em εmax e γ é dado como o grau de difusividade da transição. Para γ igual a 1 a equação 2.2 aplica-se a um material ferroelétrico normal, já no outro extremo, para γ igual a 2 tem-se uma transição completamente difusa. Para sistemas apresentando γ entre 1 e 2 tem-se um grau intermediário de difusividade correspondente à maioria dos relaxores.

O comportamento difuso apresentado pelos materiais ferroelétricos relaxores em materiais com estrutura perovskita foi atribuído à flutuação composicional no material, que levaria a descontinuidades nas interações de longo alcance que são responsáveis pelo estado ferroelétrico (11, 37). A presença de dopantes com diferentes raios iônicos, valências e polarizabilidades podem levar o material a apresentar diferentes regiões com diferentes temperaturas de transição o que explicaria o comportamento difuso das curvas. Este fato também propicia a formação de nanoregiões polares (nanodomínios) uma vez que estes dopantes podem induzir dipolos em celas unitárias vizinhas. No entanto, esta condição da flutuação composicional é necessária, mas não suficiente para que o composto apresente a transição de fase difusa (11, 12).

Estudos de difração de raios X em amostras relaxoras mostraram que o máximo da permissividade não corresponde a uma transição de fase estrutural uma vez que a estrutura cristalina não se modifica com a temperatura (8, 10). Por outro lado, boa parte dos materiais ferroelétricos relaxores tem sido caracterizados por apresentar estruturas cristalinas com grupos pontuais centrossimétricos, incompatível com a observação da polarização macroscópica observada em medidas dielétricas (21). Contudo, diferentes trabalhos mostraram que existe uma região de tamanho limitado nos relaxores onde o vetor de polarização não é nulo. Estes momentos dipolares locais, evidenciados por Burns e Dacol (21), apresentam de certa forma um grau de correlação abrangendo algumas celas unitárias abaixo de certa temperatura definida como TB, a temperatura de Burns (anexo da Figura 5). Para temperaturas abaixo de TB, um material ferroelétrico, antes em um estado paraelétrico, começa a apresentar nanoregiões polares responsáveis pelo comportamento relaxor (38).

Pelo fato destas regiões nanopolares presentes nos materiais relaxores serem extremamente pequenas (alguns nanômetros) e apresentarem polarização orientada aleatoriamente, medidas de difração de raios X indicam a presença de uma estrutura de longa distancia centrossimétrica. A análise dos picos de Bragg em um experimento de difração de raios X é baseada em uma estrutura periódica infinita, assim, em um material relaxor, os deslocamentos locais dentro das regiões nanopolares que dão origem a regiões com uma estrutura não centro simétrica, não

Higor R. Favarim Considerações Gerais e Revisão Bibliográfica são detectados uma vez que não possuem uma correlação suficientemente de longa distancia (8, 10).

A Figura 6 apresenta o ciclo de histerese de composto ferroelétrico relaxor em comparação com um ferroelétrico normal. Como pode ser visto na Figura 6b, a curva de permissividade de um material relaxor apresenta de forma bastante estreita e para campos suficientemente elevados, os nanodomínios polares do material relaxor podem ser orientados de modo a produzir uma grande polarização, no entanto, quando o campo é removido, a maioria desses nanodomínios readquire seu estado de orientação aleatório, resultando em um pequeno valor da polarização remanescente (PR)(10).

Figura 6 – Ciclo de histerese ferroelétrica em (a) materiais ferroelétricos normais e (b) ferroelétricos relaxores (b) (27, 28).