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3 Material e Métodos: Organização dos dados e planejamento dos experimentos

Como discutido por Amorim (2002), e habilmente revisitado por Diniz Filho (2002), o método comparativo vem sendo, desde os tempos de Darwin, uma das principais maneiras de se estudar os padrões e processos da evolução biológica (Diniz Filho, 2002) no nível populacional e de espécie (Amorim, 2002).

De maneira específica às investigações centradas na Biologia Evolutiva, a abordagem comparativa tem como principal objetivo a detecção do processo de adaptação12, através da inferência da relação entre variação ambiental e diversidade fenotípica das espécies (Miles & Dunham, 1993; Pagel, 1999). Para tanto, as técnicas analíticas empregadas pelo método lançam mão da comparação entre conjuntos de dados, de diferentes naturezas, que exprimam as características particulares das espécies, populações e ambientes em análise (Simpson et al., 2003).

Embora implicitamente central ao pensamento evolutivo, as raízes metodológicas, formalmente delineadas, dessa abordagem coalescem nos estudos filogenéticos comparativos baseados no modelo autorregressivo de restrições evolutivas (Cheverud et al., 1985) e no de padrões de evolução correlacionada (Felsenstein, 1985). Tais modelos demonstraram matematicamente o efeito da estruturação dos dados ao longo de uma filogenia, ou, em outras palavras, como ocorre a distribuição de variação intra e interespecífica de determinado caráter. Em decorrência de tal fenômeno, estudos que objetivam a investigação de padrões de evolução e co-evolução de caracteres quantitativos devem, necessariamente, basear-se em métodos comparativos filogenéticos (Miles & Dunham, 1993; Martins & Hansen, 1997; Diniz Filho, 2002; Oliveira, 2009).

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Cabe ressaltar que para fins analíticos, a não ocorrência (ou ausência) de adaptação pode também ser considerada como hipótese nula a ser testada sem que haja prejuízo à lógica intrínseca ao raciocínio biológico-evolutivo.

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A discussão sobre a adequação metodológica da interpretação do significado biológico e o estabelecimento de relações evolutivas a partir da inferência da variação morfológico- quantitativa de caracteres remonta aos principais debates envolvendo as diferentes correntes de pensamento de sistematas modernos (Heywood & McNeill, 1964; Mayr, 1974, 2001).

Mais do que opor cladistas13 (filogeneticistas) e gradistas de um lado e feneticistas14 de outro quanto aos conceitos interpretativos básicos de cada escola (Sokal & Camin, 1965), o descompasso causado pela oposição irreconciliável15 sobre os princípios a serem utilizados nas classificações biológicas (Amorim, 2002) por cada um desses expoentes colocou em xeque o desenvolvimento de uma agenda de pesquisa que estabelecesse uma relação sinérgica que explorasse tanto as reconstituições históricas, da biologia evolutiva, quanto às modelagens estatísticas, da genética quantitativa, ou, em outras palavras, uma metodologia que combinasse componentes da cladística e da fenética, resultando numa sistemática evolutiva (Mayr, 1974).

No entanto, apesar desse contexto, pode-se observar, à parte das discussões envolvendo as particularidades e as propriedades das diferentes abordagens taxonômicas, o crescimento da literatura cientifica baseada em métodos de análise filogenética apoiados em análises exploratórias de grandes conjuntos de dados quantitativos nas últimas três décadas (Schneider, 2003). O uso desses métodos, aplicados para investigar diferentes relações

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Cladistas, ou filogeneticistas, é a denominação designada aos sistemátas adeptos dos princípios fundamentais propostos por W. Hennig (1966) para a classificação taxonômica de acordo com as relações de parentesco dos grupos representados (Amorim, 2002). De acordo com os dados e as técnicas utilizadas para reconstruir e interpretar essas relações, os filogeneticistas priorizam a organização da informação sobre a diversidade biológica referenciada ou a relação entre os estágios adaptativos entre os taxa envolvidos. Dessa forma, argumentam, ambas abordagens cladístas representam, inequivocadamente, as relações de ancestralidade e descendência observáveis entre os taxa (Futuyma, 1998; Amorim, 2002).

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De acordo com Mayr (1969, 1974), fenética é o nome da escola taxonômica que referencia a classificação dos taxa a partir do levantamento do maior número possível de caracteres, mensurados e tratados de maneira quantitativa e analisados a partir de procedimentos estatísticos e modelos matemáticos. Os críticos desta corrente argumentam que seus resultados indicam, apenas, relações de similaridade morfológica (matematicamente representadas) entre os grupos, ou seja, abordam elementos puramente operacionais em detrimento de aspectos evolutivos (Mayr, 1969, 1974; Johnson, 1970; Hull, 1970; de Queiroz & Good, 1997; Amorim, 2002). Por outro lado, feneticistas argumentam que, apesar da fundamentação de suas classificações se basearem em distâncias desprovidas de bases biológicas (Meyer, 1994) a metodologia por eles adotada apresenta repetibilidadade e imparcialidade analítica, duas qualidades assumidamente desejáveis em ciência, ao contrário da abordagem filogeneticista, assumidamente suscetível às interpretações impostas pelo pesquisador (Heywood & McNeill, 1964).

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49 filogenéticas, como eventos vicariantes, relações de ramificação de endemismo e interações evolutivas e coevolutivas entre espécies e populações, baseados na execução de técnicas analíticas refinadas e na exploração de bancos de dados robustos sedimenta, de maneira cada vez mais sólida, a aplicação dos modelos quantitativos à interpretação filogenética das categorias taxonômicas (Simpson, et. al, 2003; Schneider, 2003).

A partir dessa lógica, a pesquisa proposta nesta tese será executada a partir da investigação analítica comparativa, conciliando as inferências evolutivas e quantitativas, de um conjunto numericamente expressivo de informações composto por um banco de dados morfológico, constituído por medidas lineares representativas da variação mundial da morfologia craniana humana. Adicionalmente, seguindo a mesma lógica anteriormente apresentada, algumas técnicas empregadas na investigação proposta nesta pesquisa serão aplicadas de maneira exploratória a um banco de dados moleculares, consolidado a partir da compilação de dados relativos à variação de fragmentos de microssatélites de DNA e de frequências haplotípicas de mtDNA.

3.1 - Bancos de dados

Dada a estratégia adotada de utilizar frações específicas de cada um dos bancos de dados montados de acordo com as necessidades analíticas dos testes propostos, e a consequente complexidade de sua construção, a montagem de cada um dos conjuntos foi realizada em momentos diferentes, adotando procedimentos específicos. Dessa forma, os tópicos a seguir apresentam a descrição geral de cada um desses bancos de dados.