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Material publicitário do Núcleo de Intercâmbio

PARTE III: ROTEIRO E BASTIDORES: AS FAMÍLIAS

Foto 22: Material publicitário do Núcleo de Intercâmbio

No capítulo anterior, vimos a situação do inglês no atual “mercado de línguas” mundial e, no início deste, eu me referi à utilização freqüente de um vocabulário em inglês durante as entrevistas e no material publicitário referente aos intercâmbios culturais. Um dos entrevistados do Rotary explica:

A gente usa muito termo em inglês, porque hoje o inglês é o esperanto do mundo. E o programa de intercâmbio do Rotary adotou o inglês como língua comum pra qualquer país.

A aquisição de uma língua estrangeira é uma das vantagens apresentadas no material publicitário das agências, como podemos ver neste item do Guia do candidato do AFS:

Aprenda uma língua estrangeira - Através da imersão no dia-a-dia familiar e escolar, você aprenderá a falar a língua estrangeira como um nativo de

seu país hospedeiro. Quer seja inglês, alemão, japonês ou russo, você certamente desenvolverá fluência na língua local, além das noções de gramática e do crescimento do vocabulário. Desafios como o tailandês, o húngaro ou o norueguês podem criar excelentes oportunidades num mercado de trabalho em constante mutação.

Vemos aí a insistência na importância da aprendizagem de qualquer língua, e não apenas do inglês, o que é uma das “marcas” do programa, que oferece intercâmbios para vários países do mundo. Vemos também que a aquisição da língua vem estreitamente acoplada à idéia de um futuro promissor no mercado de trabalho. Esta ligação, como veremos, aparece em numerosos depoimentos.

Em todas as entrevistas, aparece a informação de que muitos pais e intercambistas pensam imediatamente no aprendizado das línguas estrangeiras como o objetivo principal do intercâmbio:

Quando nos procuram, muitos falam que querem aprender uma língua.

(Entrevista com “chairman” do Rotary)

O primeiro objetivo, quando os pais nos procuram, é o seguinte: que o menino volte fluente na língua. (Entrevista na World Study)

No entanto, não se trata de qualquer língua. Refletindo a situação atual do mercado de línguas, é sempre o inglês que aparece citado, são sempre os países de língua inglesa os mais procurados. Vale a pena lembrar a fala de uma das entrevistadas quando explica a pouca procura de intercambistas do exterior pelo Brasil:

Então, Brasil, quem é que quer aprender português? Quem é que quer?...

[...] Você imagina países como Brasil, Turquia, Filipinas... Ninguém quer ir

pra esses países.

Desta forma, evidenciando os diferentes valores atribuídos às línguas, as outras vão aparecer como uma segunda língua estrangeira, para os que já sabem inglês:

Os que escolhem outros países, não de língua inglesa, já sabem inglês.

(Entrevista na Central de Intercâmbio)

Podemos perceber também, na fala dos entrevistados, referências ao espanhol como sendo a língua que vem crescendo no mercado:

A gente trabalha com intercâmbio cultural pra outros idiomas. Só que hoje o estudante, ele próprio, já direciona o programa dele ou pro inglês ou pro espanhol. O espanhol tá ainda engatinhando, o mercado da Espanha tá agora abrindo as portas pra essa questão de turismo educacional. Ainda não temos intercâmbio cultural pra lá. (Entrevista no Greenwich)

Outras línguas aparecem também como uma possibilidade para futuros estudos:

Tem alguma coisa de França, mas a procura hoje é de língua inglesa. O que está acontecendo hoje é que o pessoal tá procurando um intercâmbio de língua inglesa e depois faz uma outra língua, uma outra opção. Aí eles partem pra espanhol, alemão, francês. Mas aí como cursos de línguas, onde nós temos uma atuação muito grande também. (Entrevista na segunda

representação da EF – Escolas de Idiomas)

Alguns vêem na importância do aprendizado de outra língua (principalmente o inglês) um dos fatores do crescimento dos intercâmbios. E nessa visão fica claro que, para eles, a fluência só se adquire estudando fora do país:

Eu acho que são vários fatores que explicam [o crescimento dos

intercâmbios]: primeiro, a necessidade básica de aprender uma outra

língua, né? Eu acho que com computador, internet, a pessoa sente necessidade do inglês. Hoje em dia, um profissional não consegue um bom emprego se ele não souber, pelo menos, o inglês. Ele é analfabeto se ele não souber inglês. E estudando aqui, você pode saber mas você não chega a ser fluente. Então, ele quer ir para aprender a língua. (Entrevista na World

Study)

Quantos, da geração que a gente pegar hoje, de 40 anos pra cima, quantos brasileiros falam fluentemente o inglês? O índice vai ser muito pequeno. Só que hoje pra você conseguir uma posição no mercado de trabalho, o inglês não é mais pré-requisito, é condição sine qua non. Ou você fala ou você não fala. Antigamente nos currículos vinha assim: inglês básico, inglês intermediário. Hoje não, é inglês fluente. O mercado de trabalho e a própria possibilidade da pessoa estar em contato com diferentes raças e nacionalidades exige que ela saiba um idioma. Então, um primeiro benefício pro estudante é o idioma. (Entrevista no Greenwich)

Há, no entanto, uma preocupação em mostrar que esse não é, do ponto de vista das operadoras, o objetivo principal do intercâmbio e que o jovem que assim pensa não é o “candidato ideal” para o programa. Evidentemente, essa preocupação é

mais forte nas agências do primeiro grupo, em que o candidato não escolhe o país para onde vai, apenas indica suas preferências, como podemos ver nos trechos abaixo, todos de entrevistados do Rotary:

Então a gente já fala de cara que não é esse o objetivo porque nós não fazemos intercâmbio com os Estados Unidos pra ninguém aprender inglês.

A maioria vem procurando língua inglesa, isso é terrível, porque a gente não quer esse tipo de jovem. Nós queremos os melhores, mesmo.

A gente não quer ninguém que vá pra aprender inglês. Não, e se você for pra Finlândia? Apesar de que, se for, aprende inglês também e volta bilíngüe.

O pessoal fica querendo país de língua inglesa. A gente já torce o nariz. Nós não temos um programa de aprendizagem de línguas. Se ele quer aprender línguas, ele se matricula num curso aqui e estuda direito que ele aprende. Quer aperfeiçoar, faz um curso de um mês, dois meses lá. O nosso programa é muito mais abrangente, muito mais amplo.

E vêem uma diferença entre os que procuram esses programas e os das outras agências, como relata o diretor do AFS:

Antes de ir, 97% das pessoas têm como objetivo aprender uma língua. No caso do AFS, nem tanto, por causa da estrutura. Você não escolhe o país pra onde você vai. [...] Então, as pessoas procuram mais esse tipo de programa pela bagagem cultural, pela experiência cultural mesmo, que é a origem do negócio.[...] Por isso é que pessoas procuram mesmo outras opções como [cita agências.]. Porque aí ele pode escolher. Eu quero aprender inglês, então quero ir pros Estados Unidos, eu quero ir pra Austrália, eu quero ir pra Nova Zelândia. Uma pessoa que participa de um outro programa assim como o AFS, é uma pessoa que quer viajar Se ela puder ir pra um lugar onde ela vai aprender um inglês, um alemão, uma coisa assim, pra ela tá bom. Mas se não, ela vai mesmo assim.

Vale a pena lembrar aqui a argumentação de Groux e Porcher (2000), vista no primeiro capítulo, em que eles deploram o fato de as famílias considerarem o aprendizado de línguas como o maior objetivo dos intercâmbios:

É preciso, entretanto, repetir que, sem desculpar o indesculpável fracasso da escola em relação a isso, a estratégia dos intercâmbios não constitui a melhor das vias para este objeto ... (Groux e Porcher, 2000: 79 e 80)

A preocupação com os candidatos que colocam o aprendizado da língua como objetivo principal aparece também nas agências “comerciais”, que defendem que ele é apenas uma conseqüência da experiência, e que esse aprendizado pode ser feito aqui no Brasil:

A motivação da maioria é o aprendizado do idioma, infelizmente. Porque eu falo assim: tudo no intercâmbio é pago, a única coisa grátis é que você vai aprender um outro idioma. Então, não pode ser a desculpa. O estudante, se for por causa do inglês, você entra num [nome de curso na cidade], que é uma escola excelente, você vai falar inglês. Depois você faz um curso de dois, três meses fora e pronto. Porque o intercâmbio em si é muito mais profundo que aprender inglês. Aprender inglês vai vir naturalmente. [...] Eu falo assim pros meninos: Se você tá indo por causa do inglês, bobagem, fica aqui que vai ser muito mais fácil. (Entrevista na Intervip).

As pessoas acham muito interessante quando dizem pra mim assim: eu estou indo fazer “high school” porque eu quero aprender inglês. E eu falo: Inglês? Se você estudar aqui você aprende. Em vez de aprender em um ano, você leva dois ou três anos, mas aprende. (Entrevista na segunda

representação da EF – Escolas de Idiomas)

Entretanto, apesar da insistência no fato de que o aprendizado de línguas não é o mais importante do intercâmbio, no relato de alguns entrevistados ex- intercambistas, ele é realçado:

Eu aproveitei muito pra aprender o inglês e voltei com um inglês muito bom.

(Entrevista com “chaiman” do Rotary)

A relação, já abordada, entre a aquisição de línguas e o futuro profissional, é mostrada em um de seus aspectos: o aprendizado do inglês pode permitir o exercício de uma atividade profissional (dar aulas), após a volta:

Eu comecei a dar aulas de inglês logo que eu voltei. Já aqui. Dei aula uns 7, 8 anos. Agora eu mexo na parte de intercâmbio e coordeno os professores.

(Entrevista na Speed System)

Voltei do intercâmbio e comecei a dar aula de inglês. E dei aula 8 anos. Com 18 anos eu era coordenadora de um curso, de pessoas que tinham sido meus professores antes de eu ir para o intercâmbio. (Entrevista na Intervip)

E o pai [...] sabia que depois que ela voltasse de lá, ela teria condições de ter o primeiro emprego dela, que era dar aula de inglês, pelo menos.

(Entrevista no Greenwich).

Portanto, a vantagem “aprendizado de línguas” é apresentada de forma ambivalente. Ela é anunciada, realçada e, ao mesmo tempo, negada como objetivo importante do intercâmbio.

2.3.4.

Futuro profissional

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