• Nenhum resultado encontrado

3. O perfil estético-musical do Tamba na formação Eça, Milito e Bebeto no período de

3.3 As matrizes musicais na obra do Tamba Trio no período de 1962-1964

3.3.5 A matriz “MÚSICA ERUDITA”

Conforme constatamos a partir da análise de obras do Tamba Trio gravadas nos primeiros LPs, alguns procedimentos que despontam nos arranjos do grupo estão mais associados à tradição da linguagem de escrita na música erudita que na música popular (contraponto; sonoridade propiciada pela inclusão da flauta; variações: re-exposições temáticas e desenvolvimentos; abordagem camerística presente em alguns arranjos). Essas escolhas, evidentemente, estão muito associadas à (in)formação musical de Luiz Eça, que tinha uma formação tradicional da ‘escola de piano erudito’. Roberto Sion, comentando

113 “BREAK: Breque, rápida interrupção da execução musical, seguida de uma pequena improvisação de um

instrumento ou cantor.” (BERENDT, 1987, p. 356). Na música brasileira os breques já existiam, por exemplo, no samba-de-breque, porém sem uma delimitação muito específica em relação à métrica ou número de compassos. Podemos notar que no jazz, em especial no bebop, é bastante frequente a ocorrência de breaks de 2 compassos. Por esse motivo associamos esse procedimento à matriz jazzística.

sobre o referencial da música erudita em Eça e sua influência sobre o pessoal da bossa nova, afirma:

“(...)Então, eu acho que o Luiz Eça, não o Tamba Trio, mas o Luiz Eça foi uma grande influência. Porque ele trouxe conhecimentos harmônicos que ele tinha estudado (...) para o pessoal da bossa nova, que iam além dos standards jazzísticos, não é? Coisas de inversões de acordes, harmonias de Rachmaninov, de Ravel e tudo, que o pessoal não conhecia.”114

Além disso, devemos lembrar que a bossa nova reforçou a busca – que já vinha ocorrendo mesmo nas décadas anteriores - pela ‘erudição’ na música popular por alguns setores mais intelectualizados. Conforme aponta José R.Zan:

“Com a Bossa Nova aprofundou-se a cisão entre a produção fonográfica destinada ao grande público, normalmente caracterizada por algumas formulas até certo ponto seguras de sucesso, como boleros e samba-canções, gêneros caracterizados por um certo “romantismo de massa”, e uma produção voltada por (sic) um consumidor mais “intelectualizado” e , em geral, de formação universitária. Ao mesmo tempo, com esse movimento, a música popular aproximou-se a tal ponto da erudita, que os limites entre esses níveis da produção artística tornaram-se altamente fluidos. Pode-se dizer que a bossa nova representou o ápice do processo de refinamento estilístico da música popular, iniciado principalmente com a indústria do disco.” (ZAN, 1996, p.99-100)

Luiz Eça, tendo formação em piano erudito, dispunha de ferramentas necessárias à elaboração de arranjos que dispusessem de procedimentos comuns àquela linguagem e o uso de tais procedimentos acaba sendo um diferencial nos arranjos instrumentais do Tamba Trio.

Em alguns momentos exploram o vocal com recursos que também remetem à linguagem erudita, não na forma de cantar, mas sim nos procedimentos adotados no arranjo das vozes. Em geral, esses arranjos não eram escritos e, apesar disso, continham elementos

característicos da escrita para coro ou para pequeno grupo vocal em um contexto de música erudita. Alguns exemplos nos quais podemos encontrar procedimentos que demonstram esse aspecto no trabalho vocal do Tamba Trio nos primeiros LPs são: o trecho a cappella, no coda de “Morte de um deus de sal” (os ornamentos no arranjo vocal remetem à idiomática do órgão de tubos no período barroco); cânone115 no final de “O samba da minha terra”.

O contraponto melódico no arranjo instrumental é um recurso que aparece em alguns arranjos gravados no período que é o foco desta pesquisa. Entre os exemplos dessa ocorrência podemos citar: “Danielle”, “Borandá”, “Berimbau”. Em outros arranjos, ocorre contraponto entre linha melódica executada por algum instrumento e contracanto vocal. À exemplo desse procedimento, podemos citar os arranjos de: “Garota de Ipanema”, “Negro”.

Alguns dos recursos mencionados anteriormente e que dizem respeito a procedimentos mais comumente associados à música erudita, podem ser verificados em arranjos de outros grupos instrumentais no início da década de 60. Independente disso, no Tamba Trio esse traço assume um caráter de singularidade, na medida em que aparece combinado a outros traços característicos do grupo (instrumentação, matrizes musicais e

fricção de musicalidades). Merece ser lembrado ainda que, em alguns arranjos, a fricção erudito-popular

manifesta-se de forma bastante acentuada, como constatamos, por exemplo, em “A morte de um deus de sal” ou “Nuvens”. A impressão que se tem, nesses dois arranjos, é que, intencionalmente ou não, parece ocorrer a criação de compartimentos dentro da mesma peça: o ‘momento popular’ contrastando com o ‘momento erudito’. Já em outros arranjos o caráter fricativo manifesta-se de forma um pouco mais diluída no amálgama de procedimentos adotados.

Outro aspecto perceptível a partir da análise de arranjos gravados pelo grupo é a escolha e uso de recursos que se aproximam da linguagem e sonoridade da música impressionista. Entendemos que a música impressionista é uma importante referência –

115 “Cânone: A forma mais rigorosa de imitação contrapontística, em que a polifonia é derivada de uma única

linha melódica, através de imitação escrita em intervalos fixos ou (menos frequentemente) variáveis de altura e de tempo; o termo vem sendo usado desde o séc. XVI para designar obras compostas no gênero. (...)” (SADIE, 1994, p.163)

especialmente via Luiz Eça – no trabalho do Tamba Trio. Segundo Sheila Zagury, “Eça, em depoimentos informais a alunos e outros músicos, declarava que Debussy havia tido grande influência na sua obra artística e didática.” (Zagury, 1996, p. 94).

A música impressionista, mesmo que possa ser considerado um gênero dentro da grande matriz “Música erudita”, faz parte do leque de referências que se manifesta no trabalho do Tamba Trio. Por englobar aspectos específicos da linguagem da música impressionista de maneira muito evidente na obra do grupo, optamos por abordar essa matriz separadamente.

Documentos relacionados