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1.1 PEPTÍDEOS ANTIMICROBIANOS

1.1.1 Mecanismo de Ação

Com o descobrimento dos PAMs ao longo dos anos, muitos esforços foram empreendidos para elucidar o mecanismo de ação dessas biomoléculas (Bechinger e Gorr, 2016). Sabe-se que a maioria deles exerce suas atividades pela interação com as membranas biológicas, de modo a alterar, principalmente, a sua permeabilidade. Com base no efeito final da interação dos PAMs com as membranas alvo, os mecanismos atualmente propostos podem ocorrer baseando-se em dois grandes grupos gerais. O primeiro e mais abundante é representado pelos peptídeos que agem permeabilizando a membrana com consequente ruptura e extravasamento de material celular (Sani e Separovic, 2016). Nesse caso, pode ocorrer formação de poro transmembrana – via mecanismo do tipo toroidal ou barril de aduela – com solubilização dos fosfolipídios e destruição da membrana – via mecanismo do tipo carpete. Já o segundo envolve os peptídeos não membranolíticos, que afetam os alvos intracelulares para exercer sua atividade microbicida. Nos dois casos, ocorrem interações eletrostáticas com os grupos fosfatos negativamente carregados dos lipopolissacarídeos (em bactérias Gram- negativas) ou com o ácido lipoteicóico (em bactérias Gram-positivas). Esse processo é adicionalmente suportado pelas interações hidrofóbicas e pelo processo de estruturação do peptídeo quando em contato com a membrana (Figura 1.2, p. 30).

Os peptídeos que atuam dentro da célula, penetram a membrana estão aptos a atravessá- las, sem romper suas integridades, cobrindo a superfície celular e agregando-se como um complexo tipo micelar de lipídio-peptídeo, mas sem adotar alguma estrutura em particular (Figura 1.2A, p. 30), acumulando-se dentro da célula alvo e inibindo processos celulares essenciais (Benincasa et al., 2017). Foi encontrado ainda que, alguns dos peptídeos membranolíticos também estão aptos a interagir com alvos intracelulares, quando usados em concentrações sub inibitórias mínimas (Li et al., 2012; Kosikowska e Lesner, 2016).

O modelo de barril de aduelas (do inglês, barrel-stave model) foi o primeiro mecanismo de indução de poro por peptídeo a ser de fato proposto - Figura 1.2C (Yang et al., 2001). Esse modelo de formação de poro ocorre em três etapas. Na primeira, os peptídeos interagem com a superfície da membrana, provavelmente na forma de monômeros. Na segunda, os peptídeos entram numa fase de transição conformacional, o que força para os lados as cabeças polares dos fosfolipídios, promovendo um afinamento naquela região da membrana. Nesse ponto, com o posicionamento dos resíduos de aminoácidos carregados positivamente próximos às cabeças

fosfolipídicas, a porção hidrofóbica do peptídeo se insere no interior da membrana. Durante a terceira etapa, os monômeros agregam-se e se inserem profundamente, formando uma espécie de núcleo na membrana (oligomerização). Para que ocorra a oligomerização, é necessário um limiar de concentração do monômero e um mínimo de exposição dos resíduos hidrofílicos no interior da membrana hidrofóbica, uma vez que o peptídeo adota a configuração transmembrana. Dessa forma, com o acúmulo contínuo dos monômeros no núcleo transmembrana formado, o tamanho do poro tende a aumentar continuamente.

Figura 1.2: Mecanismos prováveis de ação dos peptídeos antimicrobianos. A membrana celular do microrganismo é representada pela bicamada amarela e os peptídeos em cilindros, onde a região hidrofílica está em vermelho e a hidrofóbica em roxo. As moléculas de peptidoglicanos associados à parede celular estão representados em azul claro. Os modelos para explicar os mecanismos de permeabilização da membrana estão indicados de (A) a (D) e o modelo para explicar o mecanismo de PAMs que agem no interior da célula estão indicados de (E) a (I). Figura extraída de (Jenssen, Håvard et al., 2006) com autorização da American Society for

O modelo de poro toroidal (do inglês, toroidal pore model) é um dos mecanismos de interação mais bem caracterizados, deduzido principalmente por experimentos usando peptídeos α helicoidais, incluindo a magainina e a PGLa - Figura 1.2B, p. 30 (Yang et al., 2001;

Sengupta et al., 2008). A formação do poro toroidal também ocorre em três fases. Inicialmente, moléculas peptídicas no meio extracelular interagem com a membrana carregada e hidrofóbica do microrganismo, adotando, neste caso, uma estrutura α-helicoidal, que se orienta de forma

paralela à superfície da membrana. Esse evento abala a integridade da superfície da bicamada lipídica, tornando-a mais vulnerável. A partir daí, em um limiar de razão peptídeo-lipídeo que varia para cada PAM, as cadeias peptídicas se orientam perpendicularmente à membrana e as hélices formadas começam a se associar de tal maneira que seus resíduos polares ficam expostos não muito longe da parte hidrofóbica da membrana, formando assim uma espécie de compósito multimérico e transitório, que culmina num complexo dinâmico supramolecular de peptídeo- lipídeo ou, simplesmente, no poro toroidal. Devido à desintegração do poro, alguns peptídeos podem se mover para a parte interna, em contato com o folheto citoplasmático da membrana, sugerindo que uma desmontagem do poro toroidal pode ser o mecanismo chave para que os peptídeos adentrem no citoplasma microbiano para acessar alvos intracelulares em potencial. Diferentemente do poro formado pelo modelo barril de aduela, os poros toroidais são compostos por peptídeos intercalados com lipídeos; portanto, esta estrutura tem sido referência para representar um poro formado pela própria membrana, que é revestido com a superfície polar dos peptídeos em interação com os grupos de cabeças fosfolipídicas.

O modelo tipo carpete (do inglês, Carpet-like model) tem como principal característica a ação detergente dos peptídeos, permeabilizando a membrana de forma não especifica e relativamente difusa - Figura 1.2D, p. 30 (Bechinger e Lohner, 2006). A interação peptídeo- membrana ocorre com alta densidade de agregados peptídicos na superfície da membrana alvo. Os peptídeos inicialmente se orientam paralelamente à superfície da membrana e não se inserem na parte hidrofóbica. Essa orientação desestabiliza o empacotamento da bicamada e causa a ruptura da membrana, devido à concentrada camada de monômeros peptídicos na superfície. De fato, o deslocamento do fosfolipídio modifica a fluidez da membrana e/ou diminui a eficácia da barreira, o que leva à sua ruptura. De forma alternativa, os peptídeos também podem inicialmente se ligar à membrana, principalmente via interações eletrostáticas, cobrindo a bicamada fosfolipídica. Quando a densidade peptídica alcança um certo limiar, a membrana passa a ser desfavorecida energeticamente, o que culmina na perda da sua integridade, levando à formação de estruturas micelares. A partir dessa perspectiva, a dissolução da membrana

ocorre de forma tipo dispersão, que não envolve a formação de um canal, e os peptídeos não se inserem necessariamente no interior hidrofóbico da membrana. A cecropina e a indolicidina são exemplos de PAMs que agem via esse mecanismo (Carnicelli et al., 2013).

Devido à grande complexidade das membranas biológicas, vários sistemas artificiais simplificados têm sido desenvolvidos para mimetizarem a bicamada lipídica da membrana celular, de modo a viabilizar uma série de investigações biofísicas, que ajudam a elucidar o mecanismo de ação dos peptídeos antimicrobianos.

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