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1.1 PEPTÍDEOS ANTIMICROBIANOS

1.1.2 Modelos Miméticos de Membrana

Modelos miméticos de membrana são sistemas com uma organização que melhor descrevem o arranjo lipídico das membranas plasmáticas naturais. Três sistemas biomiméticos são geralmente utilizados no estudo da interação entre peptídeos e membranas (Knobloch et al., 2015). São eles as monocamadas lipídicas, bicamadas lipídicas suportadas e os lipossomas ou vesículas fosfolipídicas (Figura 1.3, p. 33).

As monocamadas lipídicas são modelos simples que mimetizam apenas uma das duas metades da bicamada da membrana (Figura 1.3A, p. 33). Uma monocamada lipídica é obtida, geralmente, em uma cuba de Langmuir, pelo espalhamento homogêneo de fosfolipídios da membrana de interesse na interface entre o ar e uma subfase aquosa tamponada. Esses fosfolipídios assumem uma orientação típica em que as cabeças polares estão em contato com a subfase aquosa e as cadeias acila estão em contato com a fase gasosa (ar). A solução do peptídeo é levemente injetada na subfase e suas moléculas são gradativamente transferidas para a monocamada insolúvel na interface ar-água. À medida em que as moléculas são inseridas, ocorre um aumento da área superficial da monocamada e, consequentemente, mudanças na pressão superficial lateral, que é geralmente detectada por um sensor. Essa variação da pressão é o parâmetro chave revelado para o desmembramento dos estudos. Portanto, além de outras aplicações, as monocamadas lipídicas têm sido muito úteis em estudos que avaliam a habilidade dos peptídeos de interagirem com as membranas fosfolipídicas, o que, juntamente com outras informações, permite obter resultados que ajudarão a caracterizar a interação em questão (Junghans et al., 2010).

Figura 1.3: Representação esquemática dos modelos de membranas mais utilizados nos estudos de interações. (A) monocamada lipídica, (B) bicamada lipídica suportada e (C) lipossoma. À direita, alguns dos fosfolipídios utilizados nesses modelos. Figura extraída de (Deleu et al., 2014), com autorização da Elsevier (Anexo A2, p 178).

As bicamadas lipídicas suportadas são modelos biomiméticos de membrana constituídos de uma bicamada lipídica plana suportada por uma superfície sólida, que pode ser mica, vidro ou pastilha de óxido de silício; por isso, somente uma face da bicamada está exposta à solução - Figura 1.3B (Richter et al., 2006). Uma das grandes vantagens das bicamadas suportadas é sua estabilidade, o que permite que os experimentos durem por semanas ou até mesmo meses (Purrucker et al., 2001). Esses sistemas tipicamente não só permitem a investigação de interações de peptídeos com os fosfolipídios como também predizer o comportamento da fase e a organização paralela das moléculas, que compõem as membranas. Eles podem ser preparados pela técnica de Langmuir-Blodgett, pela fusão de vesículas lipídicas, ou pela depleção de surfactante a partir de soluções de micelas compostas por uma mistura de surfactantes e fosfolipídios. Quando comparadas às vesículas fosfolipídicas, que estão livres em solução, as bicamadas lipídicas suportadas são modelos muito mais fáceis de serem caracterizadas pelo fato de estarem fixas na superfície de um suporte sólido. Por isso, uma grande variedade de técnicas que são sensíveis às superfícies pode ser utilizada para essa caracterização. São elas a microscopia de força atômica (AFM), espectrometria de massas de íon secundário (SIMS), microscopia de fluorescência, elipsometria ótica, micro balança de cristal de quartzo, refletividade de raio-X, refletividade de nêutrons e a ressonância plasmônica de superfície (SPR) e ressonância magnética nuclear (RMN) do estado sólido (Castellana e Cremer, 2006). POPC (1-palmitoil-2-oleoil-sn-glicero-3-fosfatidilcolina) POPG (1-palmitoil-2-oleoil-sn-glicero-3-fosfatidilglicerol) POPE (1-palmitoil-2-oleoil-sn-glicero-3-fosfoetanilamine)

Sistema modelo de biomembranas mais popular, as vesículas lipídicas ou lipossomas são bastante versáteis e muito utilizados no estudo in vitro de diversas propriedades das membranas em geral (Chan e Boxer, 2007). Apresentam aplicações na bioquímica e biologia molecular – estudo de propriedades biofísicas das membranas, do reconhecimento molecular e de adesão celular e modo de ação de peptídeos – e em tecnologia farmacêutica, principalmente na incorporação de compostos para transporte. Enquanto as monocamadas lipídicas são constituídas somente por um folheto de lipídeos e, portanto, não refletem a complexidade da estrutura da membrana biológica, vesículas lipídicas são compostas por dois folhetos, que estão arranjados de forma similar às membranas biológicas. Esse conjunto de lipídeos encerra uma superfície interna hidrofílica (pequeno compartimento aquoso) e é originado pela associação espontânea entre as “caudas” hidrofóbicas dos fosfolipídios em uma dispersão aquosa. Esse tipo de agregado tende a se reorganizar rapidamente formando vesículas multilamelares (MLVs), que são estruturas com uma maior estabilidade termodinâmica. A partir de uma suspensão de MLVs é possível se preparar vesículas unilamelares com dimensões mais controláveis e essas são classificadas como vesículas unilamelares pequenas (SUVs, do inglês,

small unilamellar vesicles – com diâmetro entre 25 e 50 nm), vesículas unilamelares grandes

(LUVs, do inglês, large unilamellar vesicles – com diâmetro entre 50 e 500 nm), ou vesículas unilamelares gigantes – GUVs, do inglês, giant unilamellar vesicles, com diâmetros que chegam a 1 µm (Olson et al., 1979).

As LUVs são muito utilizadas em estudo de interação com os PAMs. A atividade de permeabilização da membrana causada pelos PAMs pode ser estimada utilizando-se lipossomas que contém fosfolipídios de membranas de bactérias Gram-negativas e positivas, carregando em seu interior alguma molécula fluorescente, como a calceína, a carboxifluoreceína ou a dextrana. Para esse propósito, as composições lipídicas mais utilizadas são fosfatidiletanolamina/fosfatidilglicerol (PE/PG 7:3, m/m) para reproduzir a membrana de

Gram-negativa (E. Coli, por exemplo) e fosfatidilglicerol/cardiolipina (PG/CL 6:4, m/m) para

mimetizar a membrana de Gram-positiva – S. aureus, por exemplo (Lohner, 2017).

Outros modelos biomiméticos também são bastante utilizados, porém com aplicações mais restritas. Embora não tenha uma estrutura de bicamada lipídica, as micelas detergentes são outro modelo que é comumente utilizado em estudos biofísicos, principalmente em abordagens mais estruturais (Seddon et al., 2004; Bechinger et al., 2011). Em solução aquosa esses sistemas são estruturas esféricas formadas por um agregado de moléculas anfipáticas com ação

detergente, os surfactantes. Acima de uma determinada concentração crítica (CMC), essas moléculas se organizam de tal forma, que as cabeças hidrofílicas ficam expostas ao solvente aquoso e suas “caldas” hidrofóbicas ficam voltadas para o centro, evitando o contato com as moléculas de água (Figura 1.4A). Outro sistema biomimético que pode ser usado são as bicelas. Esse modelo combina, tipicamente, a estrutura lisa da bicamada lipídica com a curvatura do tipo micelar, graças à utilização de dois fosfolipídios com tamanhos de cadeias hidrofóbicas diferentes (uma longa e outra mais curta). Assim, é formado um rearranjo molecular que blinda o centro da bicamada contra as moléculas circundantes do solvente (Figura 1.4B). As micelas e as bicelas pequenas são muito menores que os lipossomas, sendo muito utilizadas em experimentos de ressonância magnética nuclear em solução, onde vesículas maiores, normalmente, não são uma boa opção (Cavagnero et al., 1999; Bechinger et al., 2011).

Figura 1.4: (A) Representação esquemática de uma micela e (B) uma bicela. Abaixo, os surfactantes mais utilizados para as micelas, o dodecilssulfato de sódio (SDS) e a dodecil fosfocolina (DPC), e para a bicela, o 1,2- dimiristoil-glicero-3-fosfocolina (DMPC, cadeia longa) e o 1,2-diexanoil-glicero-3-fosfocolina (DHPC, cadeia curta). Desenhos da micela e da bicela foram retiradas e adaptadas de (Bechinger et al., 2011) com autorização da Elsevier (Anexo A3, p 179).

Dessa forma, esses modelos biomiméticos permitem uma aproximação relativamente adequada ao tipo de membrana biológica existente, sendo, portanto, representativos e apropriados para aplicações nas diferentes técnicas utilizadas em estudos biofísicos, os quais visam a elucidação tanto das estruturas adquiridas na interação, quanto dos mecanismos de ação que os PAMs podem exercer.

Dodecil sulfato de sódio (SDS) Dodecil fosfocolina (DPC)

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