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II. VoiSS – Vocal Symptom Scale

1. Mecanismo de produção do VoiSS

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) a saúde é um conceito multidimensional que integra estados físicos, mentais e sociais, sendo a sua definição o estado completo de bem-estar nos três níveis mencionados, e não apenas considerando a ausência de patologia. A OMS alargou o conceito de saúde incluindo aspetos de qualidade de vida, sendo esta definida como a perceção do indivíduo no que concerne à sua posição na vida, incluindo o contexto cultural e sistemas de valor relativamente aos seus objetivos, expectativas, padrões e interesses (World Health Organization cit.

in Behlau et al., 2009).

A medida de avaliação de patologias vocais mais usada é o exame clínico, mas já existem muitos profissionais que colocam o enfoque da doença e do seu tratamento na perspetiva do paciente (Benninger et al., 1997, cit. in Rosen & Murry, 2000, p. 370), podemos considerar como mais usados os exames clínicos à laringe ou as medidas objetivas acústicas (Woodson et al., 1992, cit. in Rosen & Murry, 2000, p. 370).

O uso da medição da qualidade de vida como método de avaliação complementar ou até para compreender melhor os resultados obtidos nos tratamentos é cada vez mais frequente, considerando- se que a qualidade de vida é um parâmetro aceite ao nível mundial (Hsiung et al., 2002 cit. in Krischke et al., 2005, p. 132).

Também ao nível da avaliação e compreensão dos resultados de tratamento na disfonia esta medição é cada vez mais usada (Portone et al., 2007, cit. in Behlau et al., 2010), permitindo uma melhor diferenciação e agrupamento dos pacientes, ao promover melhores prognósticos, avaliação da

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efetividade da terapêutica utilizada, para além de facilitar a organização dos objetivos principais para o profissional (Berlim & Fleck, 2003; Higginson & Carr, 2001, cit. in Behlau et al., 2010).

Portanto, considera-se também a qualidade de vida como uma medida válida de avaliação de pacientes, que proporciona uma introspeção das suas experiências, reconhecendo o seu ponto de vista como central. Para cotar esta medida usam-se questionários com itens referentes às áreas de função vital, que normalmente se consideram mais importantes, variando estas de questionário para questionário (Benninger et al., 1998, p. 541).

Crê-se que a severidade das patologias vocais e o seu consequente impacto na vida do paciente ainda é pouco conhecida (Phyland et al., 1999 cit. in Deary et al., 2003, p. 483), pelo que foram desenvolvidos vários questionários de auto perceção vocal ao longo dos anos, que oferecem medidas de resultados valiosas, complementares às dos métodos tradicionais (Deary et al., 2003, p. 484).

O instrumento VoiSS (Vocal Symptom Scale), ou traduzido para Português de Portugal, Escala de Sintomas Vocais, foi criado em três grandes fases, a primeira, que consiste num conjunto de itens de resposta aberta para os pacientes, seguindo-se o estudo de um questionário piloto e, terminando, com o apuramento dos itens constituintes no VoiSS. (Deary et al., 2003, p. 484).

A fase 1 do desenvolvimento deste instrumento consistiu na listagem de problemas relacionados com a voz por pacientes com uma grande variedade de patologias vocais, baseados em perguntas de resposta aberta (Barcham & Stephens, 1980 cit. in Deary et al., 2003, p. 484). Neste exercício, 133 pacientes consecutivos reportaram prospectivamente um total de 467 dificuldades e problemas devidos a distúrbios vocais. (Deary et al., 2003, p. 484).

Na fase 2 do desenvolvimento da ferramenta VoiSS elaborou-se um novo questionário baseado em problemas reais explicitados pelos pacientes (Scott et al., 1997 cit. in Deary et al., 2003, p. 484). Considerando-se que os questionários nunca são ideais ou raramente satisfatórios após um único estudo, foi assumido que este fosse um estudo piloto e que seria necessário, pelo menos, mais um para refinar os questionários pretendidos (Deary et al., 2003, p. 484).

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Nesta fase do estudo piloto, os 467 problemas vocais relatados e identificados foram classificados por critérios em 24 incapacidades, 15 distúrbios e 15 desvantagens. Todos os itens dos 54 menos 1 (tonturas, reportado apenas por um paciente do grupo original de 133 pacientes) foram incluídos no questionário piloto. Os 53 itens foram acompanhados por duas escalas de respostas. Uma escala de Lickert com cinco parâmetros (“sempre, muitas vezes, com alguma frequência, ocasionalmente e nunca”), e um índice de severidade (“insuportável, severo, moderado, leve, sem efeito”). Isto é, para cada um dos 53 itens, os respondentes são requeridos a afirmar quantas vezes experienciaram os sintomas e quão severos foram. Este questionário piloto foi administrado a 168 sujeitos (118 mulheres, 43 homens e 7 não indicaram o sexo no questionário). Possuem uma variedade de tipos de disfonia, similar em distribuição à dos sujeitos do estudo da fase seguinte, ou seja, excluíram-se causas neoplásicas e cirúrgicas da doença; as causas comuns são laringites crónicas, nódulos, pólipos, edema de Reinke e disfonia funcional. A idade média foi de 48.4 [Desvio Padrão (D.P.) 13.9] anos para as mulheres e 49.8 (D.P. 16.0) anos para os homens (Deary et al., 2003, p. 484).

O uso de ambas as escalas de resposta de severidade e frequência para cada item não foi útil, pois devido à sua grande extensão ocorreram problemas com questionários que não se encontravam totalmente preenchidos, sendo que a escala de frequência foi completa consistentemente, mas a de severidade não. A análise da estrutura do questionário por redução de dados foi, portanto, feita apenas nas respostas de frequência para cada um dos 53 itens, sendo o pressuposto que não eram independentes. Preferencialmente, foi assumido que os itens eram indicadores de grupos mais amplos de problemas vocais, utilizando-se o método de análise de componentes principais para expor os grupos de parâmetros latentes, e o método de inspeção da inclinação dos eixos para decidir o número de componentes a extrair da matriz de correlação dos itens, sugerindo uma solução quer de três ou cinco fatores. O modelo de cinco fatores incluiu, contudo, dois com uma importância moderada a partir de apenas alguns itens de cada, sendo o conteúdo dos três componentes mais importantes em causa: dificuldades de comunicação, sintomas faríngeos e stress psicológico. (Deary et al., 2003, p. 484).

Na fase 3, a fase de refinamento do questionário VoiSS foram incluídos 180 casos novos (63 homens, 117 mulheres) com disfonia. Cada um completou um questionário VoiSS que foi aperfeiçoado com a informação do estudo piloto. A média de idades foi de 53.4 (D.P. 16.0) anos para as mulheres e 55.4 (D.P. 14.0) anos para os homens. Os seus problemas vocais representam uma diversidade de tipos de disfonia. Cada paciente possui um diagnóstico laríngeo, sendo este de,

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disfonia funcional, paralisia da corda vocal, laringites, edema de Reinke, asma, malignidade, papiloma, globus, nódulos, leucoplasia, pólipo, granuloma, lesão exofítica, artrite cricoaritenoideia, puberfonia, entre outras. (Deary et al., 2003, p. 485).

Do questionário piloto, 31 itens foram identificados como tendo as características psicométricas desejadas. Estes fatores, juntos, representam os domínios dos sintomas dos três componentes principais: dificuldades de comunicação, sintomas faríngeos e stress psicossocial. (Deary et al., 2003, p. 485).

Como parte do processo habitual para assegurar a validade de conteúdo, foi considerado se haveria partes do Voice Handicap Index (VHI) que poderiam ser adicionadas utilmente ao questionário VoiSS. Assim, foram retirados 13 itens do VHI. O questionário VoiSS de 44 itens resultantes foi estabelecido num formato conciso de 2 páginas e completado pelos 180 sujeitos. Cada item é acompanhado por uma escala de Lickert de 5 parâmetros, baseada em frequência: “nunca, ocasionalmente, com alguma frequência, muitas vezes, sempre”. Estas respostas obtiveram, respetivamente, intervalos iguais de 1 a 5 (Deary et al., 2003, p. 485).

As frequências de respostas dos 44 itens do VoiSS foram examinadas para assegurar que não eram inaceitavelmente concentradas em categorias de respostas individuais. Neste ponto, o item 6, relacionado com o trabalho, foi omisso porque a maioria das pessoas não se encontrava a trabalhar. A análise dos componentes principais foi efetuada nas respostas dos 180 sujeitos nos restantes 43 itens relacionados com a voz. A consistência interna das escalas sugerida pela análise da principal componente foi avaliada usando a estatística do α de Cronbach. (Deary et al., 2003, p. 485).

Em relação à estatística descritiva dos itens, 32 de 43 (74.4%) atingiram taxas de aprovação de mais de 50%, assim, muitos dos problemas podem ser considerados comuns. As classificações elevadas mais significativas dos 43 itens são diretamente relacionadas com a comunicação, outros sintomas físicos da faringe são distribuídos por toda a classificação aprovada. Os itens relacionados com a voz associada a stress psicossocial não tiveram tanta frequência, mas também são sintomas comuns (Deary et al., 2003, p. 487).

Há necessidade reconhecida de medidas de resultado que reflitam a natureza multidimensional dos problemas de voz (Murry & Rosen, 2000, cit. in Deary et al., 2003, p. 488). Avaliar objetivamente a

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gravidade do distúrbio de voz pode não refletir o impacto que a doença tem sobre o indivíduo (Phyland et al., 1999, cit. in Deary et al., 2003, p. 487). O VoiSS inclui um componente significativo procedente diretamente de relatos compreensivos dos pacientes. A estrutura do VoiSS, contudo, também incorpora itens de aspetos bem reconhecidos da disfonia, e reconhece que enquanto a perspetiva do paciente é central, não é completa (Deary et al., 2003, p. 487).

A validade de conteúdo do VoiSS é assegurada pela extensão da consulta com os pacientes anteriores, pela análise dos itens em relação aos critérios da OMS e com comparações detalhadas com o VHI (Deary et al., 2003, p. 488). A pontuação total do VoiSS tem maior confiabilidade (consistência interna) como um indicador geral de problemas vocais e as suas subescalas podem ser usadas para avaliar três domínios diferentes, embora em parte relacionados, com patologias vocais. Uma exploração empírica adicional do VoiSS continua a ser justificada tal como pode, no futuro, ser possível reduzir o número total de itens e, portanto, esclarecer ainda mais o número de domínios dos sintomas de voz genuínos (Deary et al., 2003, p. 488).

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