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4.4 R ADIOFÁRMACOS PARA T ERAPIA P ALIATIVA DE M ETÁSTASES Ó SSEAS

4.4.1 Mecanismos de Captação do Radiofármaco

O sucesso do tratamento depende da correta correspondência entre as características fisiológicas do tecido alvo e as propriedades físicas e químicas do radiofármaco. A captação óssea assenta na captação seletiva e na retenção prolongada do radiofármaco nos locais de elevada atividade osteoblástica. A remodelação da matriz óssea ocorre como consequência da presença de células neoplásticas, conforme

explicado anteriormente no capítulo 3. No osso saudável o equilíbrio entre o processo de ossificação e reabsorção óssea é mantido, ocorrendo sempre de forma geneticamente programada e modificada por um fator externo ou interno particular. Contudo, no tecido ósseo metastático, este equilíbrio não é mantido (ver detalhes no capítulo 3). Resultados experimentais sugerem três mecanismos para explicar a acumulação dos radiofármacos em locais de renovação ou crescimento ósseo: hipervascularização local, interação com a matriz orgânica e incorporação com a matriz mineral durante o processo de calcificação. As propriedades físicas e químicas do radiofármaco são determinantes na deposição e retenção da radioatividade na lesão óssea (Volkert & Hoffman, 1999).

Os radiofármacos para o tratamento de metástases ósseas são incorporados no tecido ósseo por um de dois mecanismos principais: incorporação direta na matriz óssea ou captação óssea com subsequente ligação ao fosfato orgânico do osso. Radionuclídeos pertencentes a família IIA da tabela periódica têm a mesma carga divalente do cálcio elementar e são por isso incorporados na matriz óssea de forma direta, devido a sua natural afinidade pela matriz óssea. Exemplos deste tipo de radiofármacos incluem o

89Sr e o 223Ra. Contudo, a maioria dos outros radionuclídeos não são efetivamente

captados pelo osso. Nestes casos, um composto químico com afinidade pelo tecido ósseo é radiomarcado com um radioisótopo com características adequadas à radioterapia de metástases ósseas. Uma vez administrado, esse composto radiomarcado vai formar uma ligação estável a um fosfato orgânico da matriz óssea, sendo deste modo incorporado no osso. Exemplos destes compostos químicos com afinidade para o tecido ósseo incluem o EDTMP e o DTPA.

O órgão crítico para este tipo de tratamentos de metástases ósseas com radiofármacos é a medula óssea, sendo que a maioria dos pacientes desenvolve mielossupressão temporária após o tratamento, com recuperação total ou parcial em cerca de 3 meses, dependendo do radioisótopo utilizado.

Uma área onde os radiofármacos têm vindo a ser aplicados desde há muito tempo é o tratamento paliativo, alívio da dor, das metástases ósseas. Existem dois grandes grupos de radiofármacos usados no tratamento de metástases ósseas: 1) radioisótopos puros como o Estrôncio-89 e o Fosfato-32 ou 2) radioisótopos ligados a outro agente

com afinidade ao tecido ósseo, como por exemplo Samário-153 e o Rênio-186, entre outros.

Abaixo descrevem-se as aplicações e características das principais terapias paliativas de metástases ósseas com recurso a radiofármacos.

• Orto [32P] Fosfato de Sódio (Sodium ortho [32P] phosphate): Este radiofármaco

é preparado pela adição do ácido orto fosfórico obtido através da destilação em vacou dos produtos irradiados a baixa pressão ao sódio. Uma única dose de 222-44 MBq (6-12mCi) é administrada ao doente, sendo que 85% da dose é incorporada no tecido ósseo e aproximadamente 5% a 10% da atividade administrada é excretada por via renal num período inferior a 24h. Estudos científicos demonstram que a captação óssea em zonas de elevada atividade osteoblástica tem um fator de 3:1 até 5:1 em relação ao osso normal, consultar tabela 16. A principal desvantagem deste composto relaciona-se com indução de mielossupressão significativa, motivo pelo qual, a sua utilização tem sido abandonada ao longo dos anos. Cerca de 50% - 87% dos pacientes com metástases de cancro da próstata tratados com 200 – 800 MBq de 32P de forma

fracionada diariamente em 20 – 80 MBq reportaram alívio de dor. Os benefícios da terapia surgem entre 5 a 14 dias após o início da administração e têm uma duração média de 2 a 4 meses;

Órgão mGy/MBq rad/mCi

Superfície óssea 10 37 Medula óssea 7.6 28 Parede do Intestino Grosso 0.001 0.003 Parede da Bexiga 0.001 0.003 Testículos e Ovários 0.001 0.003 Rins 0.001 0.003

Tabela 16: Biodistribuição e dosimetria do Fosforo-32 em diversos órgãos do corpo humano (adaptado Silberstein, 2003).

• [153Sm] Samário-EDTMP ([153Sm]Samarium Ethylene diamine tetra phosphonic

acid): este radiofármaco tem elevada afinidade para lesões osteoblásticas. O mecanismo de ação deste radiofármaco no esqueleto é atribuído a adsorção

química do ácido fosfónico na hidroxipatita na superfície do osso, consultar tabela 17. O óxido metálico irradiado no reator nuclear é diluído em ácido clorídrico para formar 153Sm clorídrico sob condições ótimas. Posteriormente o

153Sm clorídrico reage com o EDTMP para formar o complexo 153Sm-EDTMP. O

radiofármaco é administrado por via endovenosa ao doente como infusão. Sendo dada uma dose de 1 mCi por Kg de peso do paciente. Cerca de 50 a 75% do radiofármaco é retido no osso e o restante é totalmente excretado pelos rins em cerca de 8 horas. O radiofármaco é captado pela matriz mineral de locais de grande atividade osteoblástica com um rácio de tumor para tecido normal entre 4:1 e 7:1. Entre 65% até 80% dos pacientes tratados reportam alívio significativo da dor, normalmente 48 horas após administração, com uma duração típica de 8 semanas (variando de 4-25 semanas). A toxicidade é limitada e a mielossupressão induzida é de carácter temporária (Saichi & Saada 1999).

Órgão mGy/MBq rad/mCi

Superfície óssea 6.8 25.0 Medula óssea 1.5 5.6 Parede do Intestino Grosso 0.01 0.037 Parede da Bexiga 1.0 3.7 Testículos e Ovários 0.005 e 0.009 0.019 e 0.033 Rins 0.02 0.0074

Tabela 17: Biodistribuição e dosimetria do 153Sm-EDTMP em diversos órgãos do corpo humano (Bode et al. 2008).

• Cloreto de Estrôncio [89Sr] ([89Sr] Stroncium Chloride): É um composto análogo

do cálcio e substitui este na matriz de hidroxipatita do osso. Uma dose de 148MBq (4 mCi) de Cloreto de 89Sr é administrada por via intravenosa ao

doente. Uma elevada captação ocorre no tecido ósseo, ver tabela 18. O composto tem uma semi-vida biológica de aproximadamente 14 dias no osso normal e mais de 50 dias nas metástases osteoblásticas, sendo excretado tanto pela via renal como fecal. A captação do radiofármaco ocorre essencialmente em áreas de metástases osteoblásticas, com aproximadamente um fator 5

vezes maior captação quando comparado com o osso normal. O Cloreto de 89Sr

é efetivo no tratamento paliativo de metástases ósseas, particularmente para metástases de cancros da próstata e mama, com valores reportados de alívio de dor na ordem dos 60% a 92% dos pacientes. O alívio tipicamente inicia-se na segunda ou terceira semana após tratamento, e dura em média aproximadamente seis meses. A toxicidade do tratamento é limitada e a mielossupressão inducida tem carácter temporário, com recuperação total em 6 semanas. A terapia com este radiofármaco reduz a secreção de moléculas de adesão celular (E-selectins), garantindo assim potencial para além do tratamento paliativo. Contudo, o estrôncio não é um candidato ideal para o tratamento de metástases ósseas devido a elevada energia das suas partículas β- (Emax= 1.49 MeV) e é difícil de produzir em elevadas quantidades.

Órgão mGy/MBq rad/mCi

Superfície óssea 17.0 63.0 Medula óssea 11.0 41.0 Parede do Intestino Grosso 4.7 17.0 Parede da Bexiga 1.3 4.8 Testículos ou Ovários 0.8 3.0 Rins 0.8 3.0

Tabela 18: Biodistribuição e dosimetria do cloreto de estrôncio em diversos órgãos humanos (Bode et al. 2008).

• [186Re] Rénio-HEDP ([186Re] Rhenium Hydroxyethyliden diphosphonate): A curta

semi-vida e baixo poder de penetração do 186Re podem ser potencialmente

úteis em pacientes com reduzidas reservas de medula óssea. O pico da captação óssea do radiofármaco ocorre 3 horas após a administração e a semi- vida biológica nas metástases é de aproximadamente 45 horas, consultar tabela 19. A remoção é predominantemente renal, com aproximadamente 69% do radiofármaco excretado num período de 24 horas após administração. Estudos científicos demostram tratamento paliativo eficiente em mais de 70% dos pacientes tratados com 186Re-HEDP para cancros metastáticos derivados de tumores primários na próstata e mama. A dose máxima tolerada do radiofármaco situa-se à volta dos 2405MBq (65 mCi). A resposta à terapia é tipicamente rápida, ocorrendo num período de 24 horas até 48 horas após a

administração. A toxicidade é limitada e a mielossupressão induzida tem carácter temporário, com recuperação completa em 8 semanas. Devido a sua emissão de radiação γ possibilita a produção de imagem médica.

Órgão mGy/MBq rad/mCi

Superfície óssea 1.4 5.19 Medula óssea 1.3 4.95 Parede do Intestino Grosso 0.57 2.12 Parede da Bexiga 0.54 1.98 Testículos ou Ovários 0.008 e 0.019 0.03 e 0.07 Rins 1.5 5.6

Tabela 19: Biodsitribuição e dosimetria do 186He-HEDP em diversos órgãos humanos (Bode et al. 2008).

• [188Re] Rénio-HEDP ([188Re] Rhenium Hydroxyethyliden diphosphonate): Doses

relativamente elevadas (75 mCi) têm sido administradas a doentes com cancros metastáticos derivados de tumores primários da próstata, com boa eficiência no alívio da dor (64% dos doentes reportaram alívio da dor em ensaios clínicos). Após injeção intravenosa, o radiofármaco é removido da corrente sanguínea de forma rápida, com 41% da excreção por via renal num período de 8 horas depois da administração. A semi-vida biológica média deste radiofármaco é de 11.6 dias no osso saudável e de 15.9 dias no osso metastático. Em estudos anteriores, verificou-se toxicidade hematológica após administração do radiofármaco, podendo ocorrer trombocitopenia.

• [117mSn] Estanho-DTPA ([117mSn] Estanho diethylenetriamine pantaacetic): O

117mSn ligado ao DTPA está em investigação como possível radiofármaco para o

tratamento de metástases ósseas. Este radioisótopo é naturalmente captado pelo osso, mas a sua alta especificidade ocorre quando o elemento se encontra no estado quadrivalente (+4). O DTPA estabiliza o radioisótopo neste estado preferencial +4, protegendo-o das reações redox in vivo. Estudos clínicos realizados em doentes com cancro da próstata metastático demonstraram que este radiofármaco induzia o alívio da dor em cerca de 75% casos e apresentava baixo risco de mielossupressão.

• Cloreto de [223Ra] Rádio ([223Ra] Radium Chloride salt solution): há mais de um

século que se sabe que o rádio é avidamente captado pelo tecido ósseo. As características físicas deste radioisótopo garantem a produção de danos letais nas células tumorais, com uma exposição mínima das células saudáveis envolventes, nomeadamente, da medula óssea. A remoção da corrente sanguínea é rápida após injeção intravenosa. O pico de captação óssea ocorre uma hora após a administração, sem subsequente redistribuição e uma razão tumor: medula óssea de 30:1 foi determinada em estudos anteriores.

• [177Lu] Lutécio-EDTMP ([177Lu]Samarium Ethylene diamine tetra phosphonic

acid): É um emissor β- usado para radioimunoterapia e terapia com péptidos

radiomarcados. O 177Lu tem vindo a ser considerado como um agente

promissor para o tratamento de diversos tumores para além dos cancros ósseos e metástases ósseas. Estudos pré-clínicos do 117-Lutécio-EDTMP mostram acumulação específica do composto em ossos de ratos. • [170Tm] Túlio-EDTMP ([170Tm] Thulium Ethylene diamine tetra phosphonic acid):

Recentemente proposto como radionuclídeo com potencial terapêutico, o

170Tm-EDTMP, demostrou acumulação e retenção específica no osso durante

um período mínimo de 60 dias após administração endovenosa em ratos. O Túlio 170 é produzido por bombardeamento de neutrões ao Tm2O3 (100% 169Tm) num reator nuclear. Depois é obtido o composto 170TmCl

3, que

posteriormente reage com uma solução de EDTMP para formar o Túlio-EDTMP. Foram realizados estudos sobre a biodistribuição deste radiofármaco em ratos, estes foram sacrificados 3 horas, 1 dia e 3 dias após a injeção do radiofármaco. Os resultados obtidos neste estudo estão apresentados na tabela 20. Nesses estudos verificou-se uma captação significativa no osso (51.65%) após 3 horas, sendo que a atividade presente no sangue às 3 horas pós injeção do radiofármaco era pouco significativa, não se detetando acumulações significantes do radiofármaco em nenhum órgão à exceção do trato gastrointestinal (2.41%) e, evidentemente, do osso. Calcula-se então que nesta

experiência as doses totais absorvidas foram de: 40mGy/MBq pelos rins, 11mGy/MBq pelo fígado, 76mGy/MBq pelo estomago, 158mGy/MBq pelo trato gastrointestinal, 4.3Gy/MBq e 0.5µGy/MBq pela medula óssea, logo a dose no esqueleto é máxima com doses mínimas na medula óssea (Tapas Das, et al., 2009).

Tabela 20: Biodistribuição do Túlio-170-EDTMP em ratos (Tapas Das, et al., 2009)

Órgão/Tecido % Atividade injetada

3 Horas 1 Dia 3 Dias Sangue 0.15±0.05 0.00±0.00 0.00±0.00 Fígado 0.14±0.01 0.14±0.01 0.16±0.01 Trato Gastrointestinal 2.41±0.02 1.83±0.44 1.05±0.64 Rins 0.30±0.02 0.28±0.04 0.36±0.13 Estomago 0.86±0.16 0.47±0.22 0.06±0.06 Esqueleto 51.65±3.78 55.76±7.25 54.56±7.47 Músculos 2.82±0.32 0.22±0.06 0.00±0.00 Excreção 36.91±2.77 41.30±7.43 43.81±8.03 Esqueleto/Sangue 344.33 Muito Elevado Muito Elevado Esqueleto/Músculo 18.32 253.45 Muito Elevado

• [90Y] Ítrio-EDTMP ([90Y] Yttrium Ethylene diamine tetra methylene

phosphonate): Este radioisótopo tem propriedades limitadas para a captação óssea. Porém as suas características e poder de penetração de 4mm no tecido ósseo, fazem dele ideal para aplicações terapêuticas. A deposição específica do ítrio no osso requer a ligação do isótopo com um composto químico com afinidade a matriz mineral do osso, que neste caso é o EDTMP, um análogo dos fosfonatos. O EDTMP realiza uma ligação estável ao ítrio e é facilmente captado pelo tecido ósseo quando se encontra numa proporção de 1.2 moléculas de EDTMP para 1 isótopo [90Y], consultar Figura 21. Este radiofármaco apresenta

uma semi-vida biológica superior a 72 horas no osso (Keeling, Vaughan, & Beaney, 1989).

Ilustração 21: Biodistribuição em ratos do Ítrio-90 complexado com duas concentrações de EDTMP (Keeling, 1989)

• [166Ho] Hólmio-DOTMP ([166Ho] Holmium tetraazacyclododecane

tetramethylenephosphonic acid): Este radiofármaco é captado pelo osso, é rapidamente excretado pelos rins e tem um valor de semi-vida de 26.8 dias, devido a sua carga negativa. Tem vindo a ser estudado como um radiofármaco promissor para o tratamento de metástases ósseas, porém tem um potencial limitado devido ao seu grande poder de penetração de 8.6 mm no tecido e por ter uma elevada energia de decaimento β- (máxima de 1.85 MeV). Em

consequência das características físicas do radioisótopo, uma elevada supressão da medula óssea tem sido observada. A escolha da radiomarcação da molécula DOTMP invés do tradicional EDTMP, baseia-se na necessidade de manter os níveis de massa do radiofármaco administrado tão baixo quanto possível, e tal não seria exequível se se utilizasse o EDTMP, pois seria necessário usar uma elevada massa de EDTMP para estabilizar o hólmio. Estudos futuros são necessários para determinar a eficiência deste radiofármaco, bem como quantidades e métodos de administração.

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