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DISCUSSÃO GERAL

6.1 Mecanismos de lesão glaucomatosa

Evidência acumulada nos últimos anos sugere que poderá haver 2 mecanismos de lesão glaucomatosa: uma forma difusa caracterizada por uma depressão generalizada do campo visual e uma forma localizada caracte- rizada pelo aparecimento de escotomas peri-centrais. Foi proposto que, no primeiro tipo, a lesão glaucomatosa é dependente da pressão enquanto que no segundo tipo outros factores, sugestivos de doenças vasculares, poderiam estar envolvidos 77.

Para além das diferenças nos campos visuais foram descritos diferentes tipos de lesão ao nível da cabeça do nervo óptico 49, e diferentes níveis de

incidência de hemorragias papilares 86. Evidência adicional de dois subgrupos

de doentes, independentemente da classificação tradicional de glaucoma de alta ou baixa tensão, provém de estudos em que se correlacionaram vários parâmetros bioquímicos, hematológicos e hemorreológicos com os índices da campimetria e medição do fluxo sanguíneo capilar 202.

O conceito de duas formas de glaucoma tem, não só importância do ponto de vista patofisiológico como também pode ter importantes implicações terapêu- ticas. Foi sugerido, por exemplo, que no tipo difuso de lesão glaucomatosa a perda visual é dependente da tensão ocular, enquanto que no tipo localizado de lesão a perda é independente da tensão ocular 77.

Os nossos resultados com a medição da sensibilidade central cromática, mos- trando a existência de dois grupos, com e sem discromatopsia, suportam a hi- pótese de dois tipos de glaucoma.

Mas, mais relevante, é o facto dos testes na retina periférica identificarem todos os doentes com glaucoma, independentemente do valor tensional ou da qualidade de visão cromática na retina central. No que concerne à dicotomia difuso/local o teste da S.C.C, na periferia é também, compreensivelmente, superior à perimetria: nesta a identificação de pequenos escotomas é condicio- nada pelo espaço entre os estímulos (geralmente 6 graus) 122 e a identificação

da perda difusa de campo é limitada pelas várias condições, para além do glaucoma, que a podem causar; na S.C.C, periférico, a estratégia è a da procura dum defeito difuso numa área particular da retina — um compromisso entre as duas posições que, como se demonstrou, conduz a níveis de especi- ficidade e de sensibilidade superiores aos conseguidos pela perimetria.

6 . 2 O atingitnento p r e c o c e d o «canal azul-amarelo»

O facto da discromatopsia no glaucoma afectar predominantemente a per- cepção das cores no eixo azul-amarelo, embora desde há muito reconhecido por diversos autores e confirmado no nosso trabalho, não tem tido explicação satisfa- tória. Se aceitarmos, conforme defende Quingley 184 com base em estudos mor-

fométricos, que o canal visual cromático (entendendo-se por canal visual o conjunto célula ganglionar, unidades retinianas que constituem o seu «input», axónio, e neurónio genicular com a sua projecção cortical) constituído por fibras tipo X, estão na segunda linha de lesão glaucomatosa. logo a seguir às fibras de maior diâmetro que são as mais afectadas, teríamos encontrado explicação para o achado precoce da discromatopsia mas continuaríamos sem explicação para o atingimento mais marcado do «canal azul-amarelo». Contudo, o sistema «azul-amarelo» apresenta uma característica anatómica peculiar: o número de «cones azuis» e suas cone- xões não ultrapassa 10% do total de células ao nível da célula ganglionar 87.

Esta particularidade anatómica, ajuda a responder à questão do atingimento precoce e selectivo do eixo-azul-amarelo: à maior vulnerabilidade das fibras tipo X junta-se a escassez das fibras que subservem o canal azul-amarelo. Porém, outra questão subsiste. Qual a razão pela qual alguns doentes nunca desenvolvem perda de visão cromática? No nosso trabalho demonstrámos que tal só acontece na visão central. Na periferia, conforme se mostrou explicitamente, todos os olhos com glaucoma revelaram ter uma perda acentuada de visão cromática. Uma possível explicação leva-nos a invocar outra característica peculiar do canal azul- -amarelo: os «ccnes azuis» são relativamente pouco sensíveis comparados com os «cones vermelhos» ou os «cones verdes», o que obriga o sistema a empregar uma maior somação temporal e espacial: para que t?l seja conseguido os campos receptores aumentam de área. Deste modo, a sensibilidade aumenta mas o poder resolutivo diminui 150. Admitindo que a sensibilidade é, por este mecanis-

mo compensatório, elevada para níveis normais, o poder resolutivo será grande- mente reduzido. Ora, os métodos de medição de visão cromática clássicos bem como o método por nós utilizado na medição da visão central apreciam apenas diferenças na sensibilidade (s. cromática no nosso teste e s. acromática nos outros testes) e por conseguinte, nada detectam. Pelo contrário, a determinação do limiar no método da sensibilidade ao contraste cromático periférico exige a identi- ficação duma abertura num anel colocado a 12.5 graus da fovea. Testa-se, pois, também o poder resolutivo. A problemática da existência de dois limiares na retina periférica — sensibilidade a incrementos de luz e poder resolutivo — tem sido discutida e é geralmente apontada como uma desvantagem da perimetria, por estar associada à confusão nas respostas e a um aumento da variabilidade dos resultados 155. Poder-se-ía pensar que existe aqui uma contradição ao invocar

a resolução como uma vantagem da SCC. Note-se, no entanto, que a desvan- tagem na perimetria explica-se com base na natureza do estímulo — um «spot» luminoso — inadequado para excitar convenientemente os campos receptores das células ganglionares. Esta limitação deixa de existir, quando se utilizam estímulos do tipo do que nós utilizamos, conforme se pode inferir dos trabalhos de Frisén centrados no desenvolvimento.de novos estímulos para perimetria 81.

Recorde-se que na SCC as cores são isoluminantes pelo que o estímulo é efectivo para o canal cromático.

Julgamos, em consequência, ser possível que as alterações mais precoces do glaucoma afectem o mecanismo ou os mecanismos que permitem a variação do poder resolutivo espacial e temporal das células que subservem o canal «azul-amarelo».