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Retomemos, mais uma vez, o sonho de Berthold Brecht (2005) para a radiodifusão, expresso na sua Teoria da Rádio:

“A rádio seria o mais fabuloso meio de comunicação imaginável na vida pública, um fantástico sistema de canalização. Isto é, seria se não somente fosse capaz de emitir, como também de receber: portanto, se conseguisse não apenas se fazer escutar pelo ouvinte, mas também pôr-se em comunicação com ele. A radiodifusão deveria, consequentemente, afastar-se dos que a abastecem e constituir os

radiouvintes como abastecedores. Portanto, todos os esforços da radiodifusão em realmente conferir, aos assuntos públicos, o carácter de coisa pública são

totalmente positivos.”

Ao percebermos que, com a interactividade, a rádio na internet adquire uma capacidade inédita de comunicação bidireccional, podemos sentir que, em potencial, a teoria de Brecht ganha, mais do que nunca, contornos de profecia prestes a concretizar-se.

Mesmo sem as novas ferramentas de comunicação, as rádios livres já se tinham aproximado daquele sonho libertário, fazendo da rádio

“um instrumento de experimentação de novas modalidades de democracia, uma democracia que seja capaz não apenas de tolerar a expressão das singularidades sociais e individuais, mas também de encorajar sua expressão, de lhes dar a devida importância no campo social global.” (Guattari, 2005)

Mas nunca como agora, através do espaço virtual, se afigurou tecnicamente tão concretizável assistirmos a uma produção radiofónica de todos para todos, distante do modelo de emissão centralizada para uma recepção dispersa. Uma produção que se aproxime do ideal participatório que habilita em cada indivíduo a capacidade de intervir na esfera social e que, assim, transforme as comunidades em espaços plenamente democráticos e a rádio numa “força descentralizadora e pluralística” (McLuhan, 1964). Hoje, as facilidades abertas pela técnica estimulam os ouvintes a conceber, realizar e emitir os seus programas e os núcleos sociais a

fundarem uma rádio online (López, 2006). As rádios comunitárias encontram na rede, assim, um veículo privilegiado para a prossecução dos seus objectivos.

Esta percepção de uma concretização próxima da rádio-democracia provém do facto de começarem a fazer parte dos modelos radiofónicos ferramentas electrónicas interactivas e comunitárias, que tiveram o seu berço na internet e aí encontraram já um firme ancoradouro. A proliferação de Wikis44 e Blogs45 evidenciam uma tendência para iniciativas de índole participativa

dos utilizadores de internet, que assim intervêm activamente na sua esfera social. Por outro lado, o fenómeno dos flashmobs46 já demonstrou a capacidade que a rede apresenta de servir

intuitos mobilizadores com pleno êxito (Conceição, 2004). Importa, de igual modo, olhar com atenção a enorme popularidade dos sites de socialização online, como o MySpace47, o

Friendster48 ou o Hi549, em que se nota uma vontade de “fazer parte de algo” (Leonhard, 2006),

ainda que por vezes essa determinação sofra de alguma errância. Finalmente, é de notar que

web-sites como o Youtube50 denotam uma predisposição para uma intervenção individual no

campo dos audiovisuais, na medida em que agrega clips de vídeo enviados pelos seus utilizadores registados, que assim partilham a sua arte, a sua vida ou eventualmente a sua intimidade.

Evidentemente que este potencial existe na rádio na internet, mas a simples integração de ferramentas interactivas de alcance global no cardápio de numa emissora não significa que lhes seja dado um uso efectivo. Aliás, a tecnologia enquanto tal não possui esse magnânimo poder

44 Um Wiki é uma base digital de conhecimento que é o produto dos saberes comunitários partilhados. A cada utilizador é atribuído também o

papel de editor dos documentos presentes nessa base de informação, pois é-lhe dada a faculdade de os modificar, acrescentando ou corrigindo os artigos apresentados,naquilo que julgue poder realizar com o seu conhecimento. Um dos Wikis mais importantes é a enciclopédia comunitária Wikipedia (www.wikipedia.com)

45 Um blog é um «livro de apontamentos ou de reflexões» tornado público na internet. Às intervenções de cada bloguista, que são organizadas

cronologicamente, chama-se um post e podem ficar abertos a comentários dos respectivos leitores. Há blogs temáticos ou sem assunto definido bem como pessoais ou colectivos.

46 Um flashmob é um evento que, normalmente, dura apenas alguns segundos mas cuja forma de mobilização e de definição de actividade a

realizar assenta em mensagens SMS, e-mail e posts em Fóruns na internet. Todos os participantes se reúnem na hora e local marcados e em simultâneo, por exemplo, proferem as mesmas palavras (pacifistas, de protesto ou mesmo sem significado aparente) e executam os mesmos gestos, dispersando logo de seguida.

47 http://www.myspace.com/ 48 http://www.friendster.com/ 49 http://www.hi5.com/ 50 http://www.youtube.com

de produzir mudanças sociais. Ela é meramente instrumental, pelo que, apenas quando o seu modo de uso tem consequências na dinâmica social, política e económica das sociedades é que se pode considerar um agente interventivo nas alterações verificadas. Tal como avisa Eduardo Meditsch (1999), “a ilusão de que a era electrónica traga necessariamente consigo a

democratização do acesso, da produção e da distribuição do conhecimento é um engano corrente”.

Significa isto que, mais do que reconhecer potencial inclusivo e democrático nessas novas ferramentas aplicadas à rádio, importa dar-lhes um uso efectivo tendente a fortalecer os processos construtores de igualdade, pluralidade e inclusão.

Neste ponto é importante discutirmos a participação social e uso da internet, como modo de lançarmos as bases para uma análise do uso das ferramentas interactivas na rádio online. Como vimos, existe alguma tendência para que a rádio na internet individualize os processos de comunicação, o que pode dar força a uma percepção de que, como alguns autores51 teorizam, o

seu uso reduza a participação social. Já Dutta-Bergman, num estudo publicado em 2005, advoga uma teoria que vai exactamente no sentido oposto, ou seja, que os indivíduos que vivem

em zonas onde existe acesso à internet tendem a demonstrar um maior envolvimento com as

organizações de base local, realizando acções verdadeiramente participativas (Dutta-Bergman, 2005). Esta constatação é reforçada por Dhavan Shah (2002), ao afirmar que “a utilização da

internet pode promover a interacção social e o compromisso cívico porque permite aos utilizadores o reforço das ligações sociais, a aquisição de conhecimentos e a coordenação de acções para atender a preocupações comuns”. Não obstante, se atentarmos num outro estudo que procurou detalhar o uso funcional da internet e a sua relação com o capital social,

constatamos que os indivíduos que usam a internet como ferramenta informativa são mais tendentes à participação do que aqueles que procuram a rede apenas para entretenimento, dado que o fazem de um modo muito mais desvinculado (Shah et al, 2001).

Estes dados parecem querer pôr em evidência que diferentes usos da internet podem ditar diferentes formas de participação social, ou a sua total ausência. Significa isto que para que a rádio na internet possa ser um factor de auxílio à concretização da democracia deverá adoptar as ferramentas interactivas de um modo tal que reforcem um movimento pela democratização da comunicação, em que os blogs, por exemplo, estão hoje plenamente integrados (Conceição, 2004).

Este conjunto de ferramentas origina um novo conceito de feedback radiofónico, de

potencialidades aumentadas, e vêem complementar o uso do telefone na tarefa de interacção entre a estação e o ouvinte. Correio electrónico, fóruns, chats, blogs, listas de distribuição ou sistemas de comentários permitem que o ouvinte intervenha activamente, emitindo opiniões – tornadas assim do domínio público – acerca de temas lançados a debate, tomando parte no rumo dos programas emitidos em directo ou mesmo influenciando, com suas escolhas e atitudes, o desenho das grelhas de programação ou dos produtos radiofónicos da estação (López, 2006).

O correio electrónico abre uma porta de comunicação entre cada ouvinte e a estação, podendo substituir o telefone em várias situações. Se as estações incentivarem a sua utilização obtêm uma via aberta para com o seu público, podendo acolher as suas iniciativas ou reparos. Pode, de igual modo, ser uma fonte de notícias, com as devidas precauções de credibilidade da fonte, se o endereço da redacção ou dos seus jornalistas for tornado público.

Os fóruns, tal como os blogs, podem permitir o lançamento de debates em torno de temas de interesse social alargado ou específico, em que cada opinião veículada – se respeitadora das regras auto-reguladoras que muitos fóruns estabelecem – tem a mesma importância que todas as outras e contribui para uma discussão cujo histórico é reconstituível. Já no caso dos blogs há uma marcação de agenda mais centralizada no seu promotor, cuja opinão é, por inerência, motivo de maior destaque.

A prática da participação via fóruns pode originar entre os seus interventores a construção de comunidades de interesses cuja circunscrição baralha as fronteiras impostas pela geografia. No mesmo sentido apontam as listas de discussão, ainda que, uma vez que as mensagem circulam

apenas entre os seus subscritores, possamos não estar perante um debate público de ideias e a agregação de novos membros se faça, logo à partida, por via de um sentido de pertença àquele grupo específico a quem interessam as temáticas versadas e, como tal, de menor abrangência. Já os chats apresentam como característica a transitoriedade da mensagem, dado que a comunicação se faz de um modo simultâneo entre (pelo menos) dois interventores. Indica isto que não são talhados para debates muito aprofundados em contextos radiofónicos, porque a sua natureza presta-se à circulação de mensagens curtas, em tempo real. São por isso

potencialmente usados nos programas em directo, como veículo sondagem-na-hora dos

eventuais temas em debate.

Se disponibilizadas e efectivamente usadas com intuitos participativos, todas estas ferramentas contribuem para que o ouvinte ganhe um protagonismo relevante no processo de comunicação e encontre uma plataforma igualitária de debate, em que a sua opinião tende a ter a mesma importância que a de qualquer outro ouvinte ou de um convidado da estação (Cordeiro, 2005a). Complementarmente, a disponibilização de arquivos dos programas emitidos em directo baralha a noção de prime-time radiofónico e dá provimento a uma democratização intra-estações, na medida em que dota todos os programas das ”mesmas oportunidades para serem escutados” (López, 2006) e confunde as estratégias concorrenciais tendentes a ganhar audiências.

Em resumo, importa analisar a adopção das novas tecnologias interactivas, em que o indivíduo é colocado numa posição mais central nos processos comunicativos, e tentar perceber de que modo a rádio na internet já tem sido capaz de as utilizar em benefício de uma maior participação cívica e da promoção de igualdade social.