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Em 1502, para comemorar o desejado nascimento do príncipe João, filho primogénito do rei D. Manuel e da sua segunda mulher D. Maria, Gil Vicente compôs o Monólogo do Vaqueiro ou Auto da visitação. Em 1521, ano do nascimento da Infanta, não se conhece texto algum comemorativo ou poema de felicitações, mas esta falta seria corrigida ao longo da vida da Infanta através das muitas obras que lhe seriam oferecidas.

Ao que sabemos, 1544 data a primeira obra que lhe foi dedicada. Trata-se de uma novela de cavalaria — a primeira escrita na Península moderna e cuja importância precursora foi reconhecida pelo próprio Cervantes440 —, a Chronica do famoso e muito esforçado cavalleiro Palmeyrim de Inglaterra Filho del Rey Dom Duardos escrita por Francisco de Morais441. Morais fôra moço fidalgo da casa do infante D. Duarte e depois secretário de D. Francisco de Noronha, enviado em 1541 para França como embaixador de D. João III. O novo diplomata na corte de Francisco I levou consigo Francisco de Morais, que aí viveu nos três anos seguintes.

A estada de Francisco de Morais na corte francesa não está ainda devidamente estudada, nomeadamente no que diz respeito às consequências do seu regresso que, a atestar pelas reacções que os relatos das suas cartas provocaram na corte portuguesa, não terá sido fácil. É certo que o convívio de Morais com os nobres e damas franceses era muito estreito, frequentando os seus salões, assistindo aos seus saraus e ouvindo os assuntos que discutiam. É célebre o episódio da bela Torcy, dama de alta estirpe e companhia da rainha D. Leonor por quem Morais se apaixonou, a ponto de abandonar o seu posto na corte francesa quando se viu recusado. Este episódio tem importância por nos asseverar o contacto, se não directo,

440 Só em 1876 se esclareceu definitivamente a dúvida em torno da autoria do Palmeirim de Inglaterra, que

os autores espanhóis queriam fosse castelhana, omitindo completamente a figura de Francisco de Morais. Para o mesmo assunto ver Diaz de Benjumea, Nicolas, 1876 — Discurso sobre el Palmeirim de Inglaterra y

su verdadero autor. Lisboa: Imprenta de la Real Academia de Ciencias; Morais, Francisco de, 1960 —

Palmeirim de Inglaterra. 2ª ed. Lisboa: Gráfica Santelmo (selecção, argumento, prefácio e notas de Rodrigues Lapa). Ver, ainda, Moreira, Rafael e Guillaume, Jean, 1988 — La première description du

Chambord. "Revue de l'Art". Paris, CNRS.

441 Morais explica que oferece a obra à Infanta porque: " V. A. muy esclarecida Princesa: assi entre os grandes como na gente do geral estado, [...] que de tal calidade sam vossas virtudes, que com igual afeição se pregoão. Isto não somente acontece aos naturais de este reyno: de que vos sois filha, [...] mas ainda nos reynos estranhos, & mais remotos de nossa conuersação & vso, tendes o mesmo nome & e a mesma fama." (ver Anexo Documental nº 32)

pelo menos regular com a rainha, que é confirmado, também, pelas palavras do próprio autor na dedicatória442.

É natural que as palavras queixosas de D. Leonor fossem muitas vezes escutadas por Morais, que conhecia a riqueza e erudição da Infanta443, bem como os acontecimentos em torno das suas duas propostas de casamento falhadas com membros da família real francesa. A modéstia com que Francisco de Morais trata a sua obra, chegando a afirmar que a sua oferta à Infanta poderia ser considerada:

cousa que alguns ouuerão por erro, affirmando que historias vaãs, não hão de ter seu assento tam alto

mostra as qualidades modernas e inovadoras da formação e juízo de D. Maria e o reconhecimento destas por parte dos escritores coevos.

Em 1546, é a vez da latina Luísa Sigeia escrever um poema em honra da Infanta. Trata-se de uma feliz coincidência entre os louvores feitos à melancólica e exuberante paisagem de Sintra — tão do agrado da família real e seus criados — e a ocasião que se anunciava pelo casamento de D. Maria com Filipe de Castela. Syntra é uma descrição hiperbólica em latim — que recorre aos esquemas tradicionais de imitação da poesia greco- latina, nomeadamente através das citações diversas de Ovídio e Virgílio — dos encantos da vila, que serve de cenário à trama de cariz clássico, à qual não falta o aparecimento de uma ninfa, portadora de uma auspiciosa mensagem de futuro para a Infanta que lhe fôra comunicada pelos deuses444.

Luísa revela ter entendido bem a mensagem humanista, valorizando o seu papel de erudita ao colocar-se como intérprete dos desígnios divinos no futuro da Infanta — porque é com ela que a mensageira dos céus fala — potencializando, simbolicamente, a sua importância e a do trabalho intelectual, que era afinal o seu. Com efeito, Luísa estava

442 "mas a obrigação em que estou a V. A. por filha da Raynha christianissima de França vossa mãy, de que ja recebi merces" Moraes, 1592.

443 Não podemos esquecer a carta latina escrita na década de 30 à mãe. Esta seria apenas uma entre muitas

cartas — não necessariamente em latim — demonstrativas do domínio correcto da língua portuguesa e/ou castelhana, pois o próprio Morais confessa que: “traduzia em portugues, assi por me parecer que sastifaria

vossa inclinação”.

444 A ninfa ouvira que D. Maria, apoiada por Minerva, Apolo e Calíope junto de Júpiter, casaria quando o sol

passasse entre Câncer e Capricórnio e governaria o mundo. Alves, 1990, p. 61. (ver Anexo Documental nº 37).

descontente com o seu lugar na casa da Rainha445 e terá aproveitado a ocasião para mostrar a admiração que sentia pela jovem irmã do Rei446.

O poema foi muito apreciado, suscitando epigramas elogiosos de Gaspar Barreiros e Jorge Coelho; André de Resende447 também não o esquece na hora da morte de Luísa, e a própria decide divulgá-lo além fronteiras, enviando-o a Paulo III — a quem já mandara uma carta em latim —acompanhado da famosa carta448 escrita em cinco línguas: latim, grego, siríaco, árabe e hebraico449. Foi publicado pela primeira vez em Paris vinte anos depois450, pela mão de Jean Nicot, embaixador francês na corte portuguesa (1559-1561) e grande amigo de Diogo Sigeu, pai de Luísa, que lhe entregara o manuscrito acompanhado de uma carta cujo texto se encontra no artigo de Odette Sauvage451.

Luísa Sigeia é uma das mais interessantes e misteriosas personagens da centúria de Quinhentos. Filha de Diogo Sigeu, francês, e de D. Francisca de Velasco452, castelhana,

445 Discordamos de Odette Sauvage, 1972, p. 534 que coloca Luísa Sigeia como “dama latina” na casa da

Infanta desde 1542; na consulta documental que fizemos o nome de Luísa não aparece mencionado e a própria Luísa localiza a carta que escreve ao papa a acompanhar o poema na "cour du roi invincible du

Portugal, en l'année du Seigneur 1546" cit. in Bourdon e Sauvage, 1970, p. 82.

446 No Colloquium refere que fôra requisitada pela Infanta para os seus estudos Sauvage, 1970, p. 23.

447 "Aqui jaz Sigea. Isto basta. Quem ignora o resto, necessitando explicações, é bárbaro, avesso às boas artes" cit. in Alves, 1990, p. 62; Sauvage, 1972, p. 563.

448 Na qual afirma da Infanta: "cum Musis rationem studiorum habet conjunctissimam" e "In humanitatis et eruditionis nec non virtutum antistitem" cit. in Vasconcelos, 1983, pp. 83 e 86, nn. 102 e 113, respectivamente. O papa respondeu-lhe com um breve, de Janeiro de 1547, dizendo-se: “Delectati valde

sumus in Domino ex tuis litteris quas ad nos latine, graece, hebraico, syriace, at que arabice scriptas dedisti.” e no qual a apelida, pela primeira vez de “Aloysia”. Vasconcelos, 1983, pp. 88 e 89, nn. 153 e 167. Juan Vergara havia já , cerca de 1542, felicitado os reis portugueses por terem entre si "essa pérola não das

Índias mas bem mais preciosa que todas as pérolas das Índias" cit. in Alves, 1990, p. 61.

449 A carta, na sua versão latina e na tradução francesa, está publicada in Bourdon e Sauvage, 1970, pp. 80-

82. Na BPE [Cod. CIII, 2-20] existe uma carta de um Frei Miguel à filha de Diogo Sigeu (Luísa) sobre um pedido dela, para que o rei autorizasse que um mouro lhe ensinasse a língua árabe (ver Anexo Documental nº 17).

450 Impresso in Sabugosa, 1903, pp. 255-257 com o original e a tradução portuguesa, em colunas paralelas; e

Sauvage, 1972, pp. 564-568 com anotação das diferenças que existem entre a 1ª edição e o manuscrito da Biblioteca de Toledo. Traduzido em francês nas pp. 568-570. As várias impressões são: Allut, P., 1862 —

Aloysia Sigea et Nicholas Chorier. Lyon: Scheuring; Ribeiro, José Silvestre, 1880 — Luiza Sigéa: breves

apontamentos historico-litterarios. Lisboa: Typographia da Academia; Serrano y Sanz, Manuel 1903-1905 — Apuntes para una biblioteca de escritoras españolas desde el año 1401 al 1883. Madrid: Estabelecimentos Tipolitográficos «Sucesores de Rivadeneyra».

451 Sauvage, 1972, pp. 563-564 e tradução em francês na p. 564.

Luísa nasceu, provavelmente, em Toledo453 em 1522454, vindo para Portugal com 20 anos quando o pai foi chamado para preceptor do jovem D. Teodósio, duque de Bragança.455 Assim é ela própria a dizer-se:

quum patria essem Toledana, nutrita tamen apud Lusitanos, ac e Gallis oriunda456,

aspecto que parece tê-la beneficiado, pois foi ensinada desde criança pelo culto pai — que frequentara a Universidade de Alcalá — e pôde depois partilhar os livros, pensamentos e dúvidas com alguns dos mais eruditos portugueses. Contudo, a condição de alumna (súbdita) foi muito dolorosa para Luísa; omite-o sempre enquanto dependente dos seus mecenas — nomeadamente da Infanta, dizendo-se:

Cuius auctor pedissequa tua est457

na dedicatória do Colloquium — mas deixa facilmente escapar a amargura nas cartas em que lembra os seus serviços. O descontentamento458 de Luísa Sigeia agrava-se com o

453 Alguns autores ainda colocam em dúvida esta informação; contudo, há várias referências de estudiosos da

cidade a esse facto: João Vaseo na crónica desta cidade fez-lhe referência; um poeta toledano dedicou-lhe o seguinte poema: “Vereis sobre vn peñasco a la Sigea,/ Del rubio Apolo amada y dulce prenda,/ Christiana

Cinthia, y Casta Citerea,/ Delas Musas Aonias Templo digno:/ Esta es la que no solo a España ilustra,/ Pues su buen nombre en todo el mundo suena;/ En quien se halla mas que humano Ingenio,/ Y a quien el cielo dio con larga mano/ Lo mas que pudo dar, y el Sol no ha visto/ Tal espiritu, y saber en carne, y huessos”; João Merulo, nobre jurisconsultor toledano, escreveu-lhe o seguinte epitáfio: "Loisiæ Sigææ Toledanæ sui seculo

Minervæ/ Toletum nascentem excepit, Lusitania honores, / & divitas dedit, Burgi maritum unicumque/ filium, & pro dolor/ ante sepulchrum/ Anno salutis MDLX. Octob. die XIII".

454 É a data que Odette Sauvage defende, apesar de haver poucas certezas e de André de Resende afirmar que

ela nascera em 1530 no seu texto das Orationes. Ribeiro, 1880, p. 10 e Vasconcelos, 1983, p. 88, n. 157 dizem que nasceu em 1530; Alves, 1990, p. 57 considera a data de 1520.

455 "Para Mestre de D. Theodosio Duque de Bragança passou da Cidade de Toledo para a de Lisboa o Francez Diogo Sigé, homem sapientissimo nas linguas, e letras humanas, pelo Reynado de D. João III. [...] Este foy o illustre progenitor e Mestre de Luiza Sigé, ou Sigéa, tão conhecida naquella idade pelo nome, como agora pelas suas letras em differentes obras, que nos deixou em prosa, e verso. Conheceo lhe seu pay o engenho logo na primeira idade, e depois de a doutrinar em as linguas Hebrea, Gréga, Syriaca, e Latina, lhe ensinou as Filosofias com outras letras humanas, em que foy muito douta. A fama do seu juizo, engenho e discrição a introduzio na presença, e serviço da Infanta D. Maria, filha del Rey D. Manoel, que viveo em celibato, e era dada ao estudo das bellas letras, e se acompanhava de muitas donzellas prendadas, e doutas em sciencias, e artes liberaes, sendo o quarto de seu Palacio huma continuada palestra, especiosa, e alegre Academia. [...] Ordenou Hum Dialogo de Differentia vitae rusticae, & urbanae; e se lhe attribuem diversas obras com Cartas, e Versos." Perym, 1736, pp. 16-17. O pai e irmãos de Luísa, incluindo a sua irmã Ângela que era, também, dama da Infanta D. Maria, trabalharam sempre para a família real ou para a Igreja; segundo Ana Maria Alves Diogo Sigeo teria vindo para Portugal integrado na comitiva de D. Maria Pacheco mulher de Juan Padilla, chefe da insurreição dos "comuneros" e por isso executado. Ver Alves, 1990, pp. 59-60.

456 “toledana de nação, portuguesa de criação e oriunda de França” Vasconcelos, 1983, p. 88, n. 155. 457 “Son auteur est votre servante” na tradução de Savauge, 1970, p. 10.

458 Ana Maria Alves dá-nos uma visão mais dura da obra e personalidade de Luísa Sigeia, nas suas palavras

"uma mulher banal que saboreou a vida por ter aprendido latim e sofreu na vida por ter estudado demais." Alves, 1990, p. 59 Vaidosa e alardeando constantemente a sua superioridade cultural, Luísa era afinal uma

afastamento da corte em 1555 depois do casamento com o fidalgo arruinado Francisco de Cuevas. O casamento realizou-se em 1552, data de um outro livro dedicado à Infanta. Trata- se do Duarum Virginum Colloquium de Vita Aulica et Privata459, um diálogo460 — forma superior de escrita humanista — travado entre duas jovens, Flaminia e Blesilla, numa casa de campo onde a autora opera a síntese entre as temáticas do seu quotidiano — profano, pois adivinhava-se o seu casamento, e religioso, pois defende-se o ideal de vida que tem em Deus o verdadeiro bem — e os conhecimentos clássicos e cristãos. O debate opõe a vita rustica (Blesilla) e a vita aulica (Flaminia) e desenrola-se durante três dias, no fim dos quais “La conclusion de cette journée, où Flaminia s’avoue soudain convaincre de la necessité de s’eloigner de la cour sans que Blésilla ait opposé à ses arguments autre chose qu’une véhémente exhortation à fuir le monde, laisse le lecteur plutôt surpris d’une capitulation que rien ne semble justifier.”461 Blesilla e Flaminia são as duas tonalidades de uma só Luísa que se coloca, de novo, como personagem principal dos seus escritos, usando o texto — com o propósito de celebrar o consórcio de D. Maria com Filipe, para o qual continuavam as negociações e Moro pintava o retrato das Descalzas Reales — para exprimir as suas ideias sobre o retrato teórico do príncipe ideal (no qual a política se submete à moral) criticando implicitamente a Infanta ao condenar os excessos ostentatórios e a injustiça que os príncipes praticavam nas suas cortes e valorizando a sua opção, que se confirmaria três anos mais tarde com o abandono da corte.

Em 1555 Luísa esperava que a sua nova condição lhe permitisse viver dignamente, sem ter que servir na corte. Mas desilude-se rapidamente, recorrendo aos mais altos

profissional dentro da corte e não poderia ambicionar as deferências e reconhecimento que tinham outras damas que, infalivelmente menos cultas, tinham sangue e condição nobre; este conflituoso sentimento está muito bem expresso nas inúmeras cartas que escreveu publicadas em Bourdon e Sauvage, 1970.

459 De que se conhecia a existência mas que só em 1905 foi publicado, no 2º vol. da obra de Serrano, vol. II,

pp. 419-471 (ver Anexo Documental nº 36). Para estudos mais desenvolvidos sobre o texto ver Sauvage, 1970 e Alves, 1990, pp. 66-79.

460 Para compreender a importância do diálogo na cultura renascentista ver Alves, 1990, pp. 64-66.

461 Sauvage, 1970, p. 37. Ana Maria Alves desenvolve esta ideia afirmando: "Estamos na presença de um ideal de aurea mediocritas, perfilhado pelas duas interlocutoras. É ele que Blesilla defende com uma

intensidade que corresponde ao perfilhamento de uma filosofia evangélica e não de uma dogmática religiosa. A única diferença entre a exposição de Blesilla e a defesa de que Flamínia fizera inicialmente da vida de corte é no fundo, a de que Flamínia o faz alegremente, ao passo que Blesilla apenas se conforma com essa opção. Fica assim salvaguardada a superioridade da via contemplativa sobre a activa." Alves, 1990, p. 72.

patrocínios462 e evocando o trabalho que fizera junto de D. Maria; acaba por morrer a 13 de Outubro de 1560463, pobre e amargurada, deixando uma filha com apenas dois anos, Joana. Seis anos mais tarde, era impresso o poema Syntra acompanhado de outros escritos dirigidos a amigos, cujo sucesso em França levou Nicot a escrever a Diogo Sigeu:

Veille de ton côtè a ce que l’Infante Maria comprenne combien on a apprécié en France sa protégée464. A importância de Luísa Sigeia no panorama da escrita latina no Portugal de Quinhentos é considerável — principalmente enquanto autora do tratado de cariz filosófico que é afinal o Colloquium — mas não há "um único olhar de simpatia ou sequer de atenção para o que se passa do lado de fora"465 das janelas da casa onde vive o seu quotidiano, fortemente dominado pela incansável procura do conhecimento nos textos clássicos, cristãos e Escrituras. Luísa não produziu crónicas dos hábitos da sua protectora, não descreveu os saraus ou objectos de apreço da sua senhora, não mencionou as páginas que folheou na biblioteca da casa onde vivia, enfim, não foi uma cortesã, se não por gosto e vivência — que recusa, como atrás vimos —, pelo menos por curiosidade e imitação de outros humanistas.

Ainda durante os anos 40, João de Barros escreveu o Panegirico à mui alta e Esclarecida princesa infanta Dona Maria no qual, enquanto natural de Viseu, celebrava: a boa sorte daquella cidade, quando elRey Dom Ioão a deu à Senhora Infanta com titulo de Duquesa della.466

462 Em 1557 escreve a Maria da Hungria oferecendo os seus serviços e os do marido. A rainha responde

afirmativamente, concedendo-lhe o lugar de “dama latina” e de secretário a Francisco. Contudo a rainha morre pouco depois, em Outubro de 1558, desfazendo-se o contrato. Este episódio levanta algumas questões: sabemos que Maria da Hungria se encontrou com a Infanta antes de morrer, na breve estada de Badajoz em que acompanhou D. Leonor. Assim, não é de crer que a tia não informasse a sobrinha que uma das suas mais prestigiadas damas se encontrava em tão humilhante situação. Por qualquer razão, que não nos foi possível apurar, não há reacção por parte da Infanta que só vinte anos mais tarde — ressalvamos a hipótese de existir documentação não consultada que esclareça este aspecto — colmata a sua falta ao deixar a Joana Sigeia, filha de Luísa e Francisco, uma tença (ver Anexo Documental nº 63 e 64). Luísa recorre, depois, a Filipe II — lembrando-lhe que fôra alumna de D. Maria: "j'ai exercé avec un certain bonheur la fonction de préceptrice

auprès de l'infante sérénissime D. Maria" (p. 117) — que nem lhe dá resposta, e depois à nova rainha de Castela, Isabel de Valois, e a Carlos, que fôra proclamado herdeiro da coroa espanhola havia pouco. As cartas de Luísa Sigeia estão publicadas, em latim e na tradução francesa, em Bourdon e Sauvage, 1970.

463 Fei Miguel Pacheco di-la viva em 1596 em Burgos com o marido (1675, pág. 96 vº). O marido ornou a

sepultura com a seguinte inscrição: "D.O.M./ Loisiæ Sigææ fæminæ incomparabili,/ Cujus pudicitia cum

eruditione linguarum,/ Quæ in ea ad miraculum usque fuit/ Ex æquo certabat!/ Franciscus Cuevas mærentiss./ Conjugi B.M.P./ Vale beata animula conjugi dum vivent/ Perpetuæ lachrymæ."

464 Sauvage, 1972, p. 563. 465 Alves, 1990, p. 58.

466 Justificação fornecida por Manuel Severim de Faria na introdução da edição de 1655 das Noticias de Portugal. No capítulo 3 do Panegírico, Barros escreve: " ...com o prazer, que ao presente tenho, ou temos

O elogio é composto por 80 capítulos467 escritos com referências e citações constantes aos mestres antigos, religiosos e pagãos, demonstrando um exímio domínio das fontes que não esconde o orgulho e prazer de quem sabe que o seu esforço será reconhecido.

A década de 50 é a que mais textos dedicados ou em honra da Infanta produziu, e o projecto de casamento com Filipe é um dos temas que mais empenho suscitou juntos dos escritores nacionais. Tratava-se, de facto, de um acontecimento ímpar; depois do desaire da morte da princesa homónima e face à débil saúde do princípe herdeiro, reeditava-se a hipótese de uma princesa portuguesa vir a ocupar o trono de Castela e de todo o império Habsburgo. Luísa percebeu-o, bem como outros estudiosos que com ela conviveram e que fazem referências expressas ao casamento nos trabalhos que lhe dedicam. É o caso de Martim de Azpicuelta Navarro e de Manuel da Costa.

Em Novembro de 1550 D. Maria fez uma importante visita à cidade universitária de Coimbra acompanhando o Rei, a Rainha e o Príncipe D. João. Na altura, foi pedido a Inácio de Morais468 que fizesse a oração solene, dedicada a D. João III, e impressa469 logo de seguida fazendo menção à presença da Infanta. Três anos mais tarde (1553) voltaria a contemplar a Infanta nos seus escritos; desta vez, um curioso diálogo in Olympo colloquuntur entre D. Maria e D. João III, impresso numa obra dedicada a D. António, prior do Crato470.

467 "Na esteira de Erasmo e de Vives, interessou-se pela promoção social da mulher através das letras e das virtudes. Vemo-lo no Dialogo sobre preceptos moraes (1540) e com maior acuidade, no Panegírico da Infanta

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