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Os processos de aprendizagem e de desenvolvimento do sujeito têm apresentado novos desafios à prática educacional e pedagógica, numa sociedade em que as informações de todos os tipos trafegam rapidamente pela rede mundial de computadores e de maneira cada vez mais acelerada. Esse contexto oportuniza também a participação direta do sujeito como ser social e transformador do meio em que está inserido.

Analisando estes aspectos, percebemos a influência do meio no comportamento do sujeito, bem como no seu desenvolvimento intelectual e social. Vigotski (2010) nos respalda teoricamente sobre essa temática e, particularmente nesse trabalho, em que discutimos a mediação didática e a organização do ensino pelos professores que atuam na Licenciatura em Matemática na modalidade a distância.

Vigotski (2010) assume que as mudanças que ocorrem no homem ao longo do seu desenvolvimento estão vinculadas às interações que se dão entre sujeito e sociedade, no contexto da cultura e da história. As oportunidades e situações de aprendizagem promovidas por esse desenvolvimento seguem por toda a sua existência, sem desconsiderar a influência exercida pelas várias representações de signos, uso de diferentes instrumentos, e a influência da cultura histórica, que propicia o desenvolvimento das funções mentais superiores.

Para o desenvolvimento do sujeito, as interações com o outro social são fundamentais, pois delas surgem os signos e sistemas de símbolos que são portadores de

mensagens da própria cultura, os quais, do ponto de vista do desenvolvimento humano, têm primeiro uma função de comunicação e logo uma função individual, à medida que são utilizados como instrumentos de organização e controle da conduta do indivíduo. Este estudo nos remeteu à ideia da necessidade de detalhar mais o processo de mediação.

Mediação, segundo Vigotski (1998), é o processo pelo qual a ação do sujeito sobre o objeto ocorre por meio de um determinado elemento. Por exemplo, a ação de um músico- violonista, em seu trabalho como técnica, é tencionar as cordas de modo que, como resultado dessa ação mediada pelas cordas, seja alcançado como produto, o som. Assim, o elemento mediador, as cordas, possibilita a transformação do objeto, o som. Esta etapa intermediária

“cordassom” é denominada mediação. Então, mediação é o processo de intervenção de um

elemento intermediário numa relação – a relação deixa de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento.

No contexto trazido por Libâneo (2011a), percebe-se que a mediação pode ou não ser boa, como a mediação do músico pelas cordas, pois, o fato de tensionar as cordas e produzir som não é garantia de boa música.

A concepção de mediação, segundo Vigotski (1998), nos apresenta três categorias de elementos mediadores. São eles, instrumentos, signos e sistemas simbólicos. O instrumento, de acordo com Vigotski (1998), é o elemento mediador que age entre o sujeito e o objeto do seu trabalho, com a função de ampliar as possibilidades de transformação da natureza, ou seja, ele é criado ou usado para se alcançar um determinado objetivo. Ele é, então, um objeto social e mediador da relação do indivíduo com o mundo. Não podemos desprezar a ideia de que o instrumento carrega consigo, além da função para a qual foi criado, também a sua forma de uso que foi se configurando no decorrer da história de sua utilização. Nesse sentido, o instrumento é compreendido como um objeto técnico criado pelo homem para, através de diversas maneiras de utilização, transformar sua relação com o ambiente, a natureza e a história.

Trazendo esta leitura para o campo do ensino e da aprendizagem, Libâneo (2011a, p. 88) afirma que:

Numa formulação sintética, boa didática significa um tipo de trabalho na sala de aula em que o professor atua como mediador da relação cognitiva do aluno com a matéria. Há uma condução eficaz da aula quando o professor assegura, pelo seu trabalho, o encontro bem sucedido entre o aluno e a matéria de estudo. Em outras palavras, o ensino satisfatório é aquele em que o professor põe em prática e dirige as condições e os modos que asseguram um processo de conhecimento pelo aluno (...) uma boa didática é aquela que promove e amplia o desenvolvimento das capacidades intelectuais dos alunos por meio de conteúdos.

Os signos, do mesmo modo são mediadores, mas sua função se faz presente na atividade psicológica. Por essa razão, Vigotski (1998) os denomina instrumentos psicológicos. O signo é intrínseco ao indivíduo e tem por função regular e controlar as ações psicológicas, age como ativador da atividade psicológica, como a memória, por exemplo, pois representam ou expressam objetos e fatos. Com o passar do tempo, a pessoa deixa de ter a necessidade desse elemento auxiliar externo, e passa a utilizar signos internos. Esses nada mais são do que representações mentais que substituem os objetos do mundo real.

A utilização de signos torna possível o registro e a preservação da memória humana e sua historicidade como instrumento de fortalecimento cultural e sistemas de produção de tecnologias para a produção de artefatos que modifiquem a história positivamente.

Quanto ao símbolo, por sua vez, é um recurso utilizado pelo indivíduo para controlar ou orientar a sua conduta e desse modo, interagir com o mundo. Percebe-se que, à medida que o indivíduo internaliza os signos que controlam as atividades psicológicas, ele cria os sistemas simbólicos, que são estruturas de signos articuladas entre si. A linguagem, por exemplo, favoreceu o desenvolvimento social, cultural e intelectual dos grupos ao longo da história.

Sobre os signos afirma Vgotski (1998, p. 137):

Ferramentas psicológicas são formações artificiais. Por sua natureza elas são sociais, não orgânicas ou individuais. Elas são dirigidas para o domínio ou controle dos processos comportamentais – dos outros e de si próprio - como os meios técnicos são dirigidos para o controle dos processos da natureza. Podem servir como exemplo de ferramentas psicológicas e seus complexos sistemas: linguagem; vários sistemas de contagem; técnicas mnemônicas; sistemas de símbolos algébricos; obras de arte; escrita, esquemas, diagramas, mapas, e desenhos mecânicos; todo tipo de sinais convencionais; etc.

Em seus estudos, Vigotski (1998) enfatiza a importância da linguagem como instrumento que expressa o pensamento. Afirma que a fala produz mudanças qualitativas na formação cognitiva do indivíduo, reestruturando diversas funções psicológicas, como a memória, a atenção voluntária, a formação de conceitos, dentre outras.

Usando as palavras do próprio Vigotski (1998, p. 65),

A internalização de formas culturais de comportamento envolve a reconstrução da atividade psicológica tendo como base as operações com signos. (...) A internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana.

A Matemática tem uma linguagem própria, cujos signos e símbolos devem ser apropriados pelos alunos. Trata-se de uma construção histórica e social e a sua aquisição ocorre na relação entre os seres humanos.

Essa afirmação nos remete a outro conceito importante proposto por Vigotski (1998), que é o de Zona de Desenvolvimento Proximal, ou, simplesmente, ZDP, que se refere à “região” ou “distância” entre aquilo que o aluno já conhece, ou seja, aquilo que ele consegue desenvolver sem ajuda, com aquilo que o sujeito pode vir a aprender ou a fazer com a ajuda de outras pessoas, denominado desenvolvimento potencial.

Vigotski (1998) descreve a Zona de Desenvolvimento Proximal da criança, como a distância entre seu desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível de seu desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. Nessa zona é que a educação atua particularmente o ensino escolar.

De acordo com Vigotski (1998, p. 101), “O aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer”.

A teoria de Vigotski (1998) nos leva a outro conceito presente em diversos momentos em seus textos: o conceito de desenvolvimento, o qual está diretamente relacionado ao aprendizado do indivíduo e representa a evolução das funções mentais superiores, que são o pensamento, as estruturas cognitivas e o intelecto. Ele nos mostra, desta forma que há uma estreita relação entre aprendizado e desenvolvimento, ou seja, o aprendizado permite ao indivíduo a maturação das suas funções psicológicas propiciando o seu desenvolvimento. Assim, num movimento dialético, o desenvolvimento oportuniza novas aprendizagens.

Nesse sentido, Libâneo (2011a, p. 95), apoiando-se nessa relação entre desenvolvimento e aprendizagem, descreve o papel da escola como espaço que propicia a apropriação de conceitos advindos das ciências que são ensinadas, os quais se transformam em elementos mediadores que ajudam o aluno a pensar:

O papel da escola é ajudar os alunos a desenvolver suas capacidades mentais, ao mesmo tempo em que se apropriam dos conteúdos. Nesse sentido, a metodologia de ensino, mais do que o conjunto dos procedimentos e técnicas de ensino, consiste em instrumentos de mediação para ajudar o aluno a pensar com os instrumentos conceituais e os processos de investigação da ciência que se ensina. (...) Trata-se, assim, de fazer a junção entre o conteúdo e o desenvolvimento das capacidades de pensar. A ideia central contida nessa teoria é simples: ensinar e colocar o aluno numa atividade de aprendizagem.

Essa concepção de Libâneo (2011a) sobre o papel da escola, a nosso ver, pode ser estendida a qualquer nível e modalidade de ensino. Nesse sentido, os conteúdos matemáticos não têm apenas valor utilitário, ligado às suas aplicações imediatas no cotidiano das pessoas,

mas tem valor como instrumentos mediadores, importantes para o desenvolvimento de capacidades mentais superiores. Em síntese, o ensino deve gerar desenvolvimento. Com esta compreensão de Libâneo (2011a) a respeito dos conteúdos e das metodologias, percebemos que, para alcançar nosso objetivo de análise da mediação no ensino de Matemática na modalidade a distância, seria necessário averiguar como a questão do conteúdo está sendo tratada. Quais ações diretas de organização das atividades de ensino pelos professores abarcam esse conceito de mediação trazido por Vigotski e reforçado por Libâneo?

Segundo Sforni (2004), o termo mediação tem sido utilizado e compreendido restritamente como sinônimo da relação professor e aluno, deixando de lado a perspectiva dos conteúdos escolares como mediadores culturais. Vigotski (1998) afirma que, somente na relação entre sujeito-conhecimento-sujeito, a mediação torna-se verdadeiramente processo de desenvolvimento humano.

Assim, a atividade mediada torna-se fundamental para o desenvolvimento humano, tendo o conhecimento como mediador da relação do homem com o mundo. Dessa forma, e apoiado na teoria da ZDP, o conhecimento internalizado torna-se instrumento interno de mediação. Nesse sentido, a mediação organizada pelo professor implica na transferência ao estudante de mediadores culturais que professor já possui, surgindo assim a ideia de dupla mediação.

Segundo Sforni (2004, p. 7), podemos falar que:

[...] no contexto escolar há uma dupla mediação, uma que se refere à relação entre professor e estudantes, outra vinculada à relação entre os estudantes e o conteúdo escolar. Do ponto de vista do desenvolvimento psíquico, a primeira somente se realiza quando a ação docente envolve a disponibilização dos conteúdos escolares como elementos mediadores da ação dos estudantes, isto é, de modo que eles sejam capazes de realizar conscientemente as ações mentais objetivas nos conhecimentos historicamente produzidos. (...) o conhecimento como mediador da atividade psíquica compartilhado na comunicação prática e verbal entre as pessoas.

A primeira forma de mediação é uma mediação didática, pois supõe as ações empreendidas pelo professor na organização das atividades de ensino e as ações dos alunos desenvolvidas a partir dessa organização. Trata-se de uma mediação externa mais relacionada às atividades de ensino. A segunda ocorre no ambiente interno, é realizada pelo sujeito, é a mediação cognitiva – diz respeito à aprendizagem. Ainda que reconheçamos que entre ambas existe uma relação dialética, cabe-nos reconhecer que cada uma tem as suas especificidades.

Essa concepção remeteu-nos a investigar sobre trabalho do professor que atua na modalidade a distância e na mediação possível de ser realizada por ele, pois nessa perspectiva, a mediação começa já na seleção e preparação do conteúdo que será disponibilizado ao aluno,

pois nesse momento o professor inicia, faz escolhas e recortes que podem promover uma mediação que leva a desenvolvimento do aluno ou não. Segue na forma de sua apresentação e disponibilização, independentemente da modalidade de ensino, tendo o diálogo entre os atores desse processo como consequência.

Essa preocupação com a disponibilização dos conteúdos, mediadores da ação dos estudantes, levou-nos ao estudo de um conceito/teoria – a transposição didática do conteúdo, segundo Chevallard (2010).

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