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A prosperidade insere-se como parte do interesse manifestado pelos indivíduos que, na sua experiência de busca pelo sagrado, retratam uma expectativa por concretizar auxílio e êxito na jornada da vida.8 As religiões que

preconizam a salvação, invariavelmente, exercitam um discurso que afirma a libertação do sofrimento, seja numa perspectiva futura, seja aqui neste mundo. De acordo com Weber (1982, p. 317; 314) nas camadas sociais menos favorecidas isso tem a ver como “um sucedâneo, ou um suplemento racional, da mágica”. Já nas camadas mais afortunadas tem mais a ver com a necessidade de “saber quem tem o direito à sua boa sorte” no mundo.

As referências ao aspecto teológico da prosperidade incorporam uma forma sistemática de pensar sobre Deus e geram um acento significativo no progresso e desenvolvimento da vida material. É um substrato importante e que prevalece na condução dos negócios humanos.

Trata-se de uma teologia que representa a acomodação do protestantismo à modernidade, sua adaptação ao mundo e não seu repúdio. Ela propicia aos crentes que ascenderam socialmente, ou aos que alimentam o desejo de ascensão social, a possibilidade de usufruir das boas coisas do mundo, da prosperidade material, saúde e boas condições de vida, em

8 Neste aspecto, convém salientar aquilo que foi explicitado por Durkheim. Para ele, a religião é

produto da vida social, mas não pode ser definida apenas como crença em uma divindade suprema. O pensamento religioso se definiria pela divisão do mundo na perspectiva dos domínios entre o sagrado e o profano. As crenças religiosas objetivariam atribuir significados a esta e à outra vida. Seriam constitutivas para elevar os indivíduos a superar os percalços da realidade vivida (ABUMANSSUR, 2014, p. 55-73).

48 suma, da felicidade terrena, sem drama de consciência (ORO, 1996, p. 85).

A Teologia da Prosperidade, também conhecida a partir de uma terminologia que a retrata como confissão positiva, palavra da fé, movimento da fé, ou ainda, evangelho da saúde e prosperidade.9 Surgiu no início do

século XX nos Estados Unidos.10 Sua base teórica e doutrinal encontra-se

alicerçada na interpretação de determinados textos bíblicos como, por exemplo, Gênesis 17.7 11, Marcos 11.23-2412 e Lucas 11.9-10.13

Com promessas de que o mundo seria o locus da felicidade, prosperidade e abundância de vida para os cristãos, herdeiros das promessas divinas, a Teologia da Prosperidade veio coroar e impulsionar a incipiente tendência de acomodação ao mundo de várias igrejas [...] aos valores e interesses do ‘mundo’, isto é, à sociedade de consumo. (MARIANO, 2010, p. 149).

Diferente da premissa cristã do sofrimento vicário de Cristo na cruz em favor de todas as pessoas, a perspectiva aqui descortinada entende o sofrimento como um claro sinal de desgraça e do abandono da divindade em relação ao indivíduo. Assim, a Teologia da Prosperidade projeta metas para a vida do crente neste mundo. Ainda, advoga que o cristão se encontra liberto do pecado original e que teria o direito a uma vida com saúde, prosperidade

9O sociólogo Paul Freston reitera que se trata de uma valorização da fé em Deus como meio

para obter a saúde, felicidade, riqueza, sucesso e poder. Ao invés de acentuar os sofrimentos, algo muito conhecido nos percursos da tradição cristã, enaltece o bem estar e a superação dos percalços cotidianos (FRESTON, 1993). Uma definição similar é delineada pelo pesquisador Leonildo Silveira Campos: Tem-se dado o nome de ‘Teologia da Prosperidade’ a um conjunto

de crenças e afirmações, surgidas nos Estados Unidos, que afirma ser legítimo ao crente buscar resultados, ter fortuna favorável, enriquecer, obter favorecimento divino para a sua vida material ou simplesmente progredir (CAMPOS, 1999, p. 363).

10 O acontecimento que contribuiu bastante para impulsioná-la foi a grande depressão vivida

pela sociedade norte-americana na década de 1930 (FRIEDEN, 2008). Um dos precursores da doutrina, Kenneth Erwin Hagin (1917-2003), cita exemplos de pessoas que teriam amealhado grandes somas monetárias, neste período, como decorrência e atribuição de sua fé. “Se

tivermos as janelas do céu abertas em nossas vidas, não nos importará o que acontece nesse mundo. Não importa como estejam a inflação ou as taxas de juros, ou os índices de desemprego – as janelas do céu continuarão abertas em sua vida” (HAGIN, 2000, p. 149). 11 A aliança que estou fazendo para sempre com você e com seus descendentes é a seguinte: eu serei para sempre o Deus de você e o Deus dos seus descendentes (BÍBLIA, Gênesis,

2000, p. 17).

12 Eu afirmo a vocês que isto é verdade: vocês poderão dizer a este monte: “Levante-se e jogue-se no mar.” Se não duvidarem no seu coração, mas crerem que vai acontecer o que disserem, então isso será feito. Por isso eu afirmo a vocês: quando vocês orarem e pedirem alguma coisa, creiam que já receberam, e assim tudo lhes será dado (BÍBLIA, Marcos, 2000, p.

41).

13 Por isso eu digo: peçam e vocês receberão; procurem e vocês acharão; batam, e a porta será aberta para vocês. Porque todos aqueles que pedem recebem; aqueles que procuram acham; e a porta será aberta para quem bate (BÍBLIA, Lucas, 2000, p. 60).

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material, sem sofrimentos e livre das artimanhas do diabo (MARIANO, 2003, p. 242).

O discurso empreendedor aproxima-se de uma ideia de fortuna em que o fiel pode mudar suas condições econômicas em um “momento de sorte” como uma espécie de milagre. A vida financeira é o lado de maior preocupação e, normalmente, segundo esta hermenêutica, a ruína e o fracasso se encontram ligados à ação demoníaca. O demônio14 está presente e ativo,

provoca distrações, insinua a dúvida na fé e causa o desânimo nas pessoas.

Por intermédio de uma modalidade de ‘poupança compulsória’, isto é, por meio da adoção de ‘novos’ valores inerentes à conversão, torna-se possível para os convertidos redirecionar e racionalizar recursos financeiros, mesmo quando escasso o que se torna também um demonstrativo (testemunho) grandiloquente da conversão [...] (BITTENCOURT, 2003, p. 199).

De acordo com imaginário que ilustra esta premissa, são redimidas as dívidas contraídas com o diabo mediante ofertas feitas a Deus e em favor também do crescimento da “obra do Senhor” – a Igreja. O fiel está entre Deus e a Igreja e quer ser redimido por meio da oferta. Logo, para que a vida possa ser melhorada, ofertar é condição fundamental.15 Por sua vez, as dívidas

contraídas junto a forças demoníacas são redimidas mediante ofertas feitas a Deus. Reforça-se a perspectiva de que “o plano de Deus para o homem é fazê- lo feliz, abençoado, saudável e próspero em tudo” (SOARES, 1985, p. 141).

Ele desfez as barreiras que havia entre você e Deus e agora diz – volte para casa, para o jardim da Abundância para o qual você foi criado e viva a vida Abundante que Deus amorosamente deseja para você [...]. Deus deseja ser nosso sócio [...]. AS bases da nossa sociedade com Deus são as seguintes: o que nos pertence (nossa vida, nossa força, nosso dinheiro) passa a pertencer a Deus; e o que é d’Ele (as bênçãos, a paz, a felicidade, a alegria, e tudo de bom) passa a nos pertencer (MACEDO, 1990, p. 85-86).

14 O “demônio” é entendido aqui como categoria que representa as dificuldades encontradas e

vividas “no mundo”. O Espirito Santo, por sua vez, constitui-se como a principal força em oposição ao mesmo (DELUMEAU, 1989, p. 205-259).

15 Um exemplo emblemático desta premissa é retratado pelo bispo, físico, ex-deputado federal

e fundador da Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, Robson Rodovalho. “Deus não

precisa de nosso dinheiro, por que dele é a prata e o ouro. Mas Ele precisa que nós obedeçamos, para que possa nos abençoar. Há uma íntima relação entre dar e receber. Quanto mais damos, mais recebemos” (RODOVALHO, 2012, p. 59).

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Se a pessoa quer receber ou alcançar algo, ela tem que provar a Deus. Se a pessoa não prova a Deus, não tem como Deus fazer nada. Então, se a pessoa quer receber, ela tem que dar, tem que plantar para colher.16 Trata-se

de uma dádiva provocante, no sentido de que Deus é “lançado contra a parede”. A necessidade faz parte do desespero terrestre desse Deus que os fiéis se ligam de forma estreita, pois, a cada dia ele responde aos desafios ofertados, liberando a vida de situações improdutivas rumo à vida de bênçãos.

O ditado popular de que ‘promessa é dívida’ se aplica também para Deus. Tudo aquilo que Ele promete na Sua Palavra é uma dívida que tem para com você [...]. Quando pagamos [...] a Deus, Ele fica na obrigação (por que prometeu) de cumprir a Sua Palavra [...]. Quem é que tem o direito de provar a Deus, de cobrar d’Ele aquilo que prometeu? O dizimista! [...] muitos homens famosos que provaram a Deus no respeito ao dízimo se transformaram em grandes milionários, como o Sr. Colgate, o Sr. Ford e o Sr. Caterpilar (MACEDO, 1990, p. 78 e 82).

É importante ressaltar que as mediações da prosperidade inserem-se numa lógica que é reforçada pela mobilidade social, pelas promessas e demandas da sociedade de consumo,17 pelos meandros do materialismo

exacerbado. O mundo é o locus da felicidade e da vida abundante. Os fiéis, herdeiros das promessas divinas, são detentores de bênçãos para uma vida plena e de realizações.