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4 SE EXISTEM DUAS PALAVRAS, EXISTEM DUAS COISAS

4.2 As particularidades dos conceitos

4.2.1 Media Literacy

Resultado do processo de educação midiática, a media literacy “trata do desenvolvimento de competências não para usar os dispositivos midiáticos, mas para compreender o fluxo de sentidos dentro de um ambiente midiático” (MARTINO e MENEZES, 2012, p. 14). Portanto, ela não visa somente a aquisição de habilidades referentes ao uso instrumental dos meios, mas objetiva, também, o desenvolvimento da capacidade de análise crítica dos seus conteúdos.

Isso significa buscar a formação de um repertório que permita a decodificação, apreensão, reconstrução e uso não apenas de mensagens direcionadas, oriundas desta ou daquela mídia, mas de todo um modus operandi do espaço social no qual as mediações simbólicas acontecem na e a partir da comunicação, pensada como processo articulado ao conjunto das práticas relacionais. [...] Não se trata, portanto, de um estudo crítico dos meios de comunicação, mas de pensar criticamente os meios em sua relação com a cultura e, ao mesmo tempo, levar em conta o uso que se faz dessas mídias nas múltiplas dimensões de experiência. (MARTINO e MENEZES, 2012, p. 14)

Elizabeth Thoman e Tessa Jolls (2003, p. 21) afirmam que media literacy é “the ability to access, analyze, evaluate and create media in a variety of forms”186. Em uma aproximação mais detalhada do conceito, as autoras, fundadora e CEO do Center for Media Literacy com sede nos Estados Unidos, ressaltam que o termo é um approach do século XXI à educação: 184 Ambiente digital refere-se, aqui, ao entendimento da Ecologia da Mídia.

185 A presente tese entende o termo Media Literacy como equivalente a Alfabetização Midiática e Informacional. 186 A capacidade de acessar, analisar, avaliar e criar mídia em uma variedade de formas. (tradução nossa)

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Media literacy builds an understanding of the role of media in society as well as essential skills of inquiry and self-expression necessary for citizens of a democracy. […] Media literacy, therefore, is about helping students become competent, critical and literate in all media forms so that they control the interpretation of what they see or hear rather than letting the interpretation control them. To become media literate is not to memorize facts or statistics about the media, but rather to learn to raise the right questions about what you are watching, reading or listening to. Len Masterman, the acclaimed author of Teaching the Media, calls it “critical autonomy” or the ability to think for oneself. Without this fundamental ability, an individual cannot have full dignity as a human.187 (THOMAN e JOLLS, 2003, p. 21)

Ainda no âmbito do conceito de media literacy, se faz necessário um debate acerca da tradução do termo para a Língua Portuguesa, uma vez que essa é uma daquelas expressões difíceis de serem compreendidas fora do idioma em que foram criadas. Para Martino e Menezes (2012, p. 9), o conceito encontra, na tradução para o português, “uma considerável gama de possibilidades decorrentes da imprecisão conceitual de suas propriedades”. A primeira parte – media – não é tão problemática, já que pode facilmente ser traduzida como “meios de comunicação”. Mas o segundo termo da expressão – literacy – é, desde sempre, alvo de incontáveis debates e discussões acerca de qual é a melhor adaptação para a Língua Portuguesa. Há duas possibilidades de tradução: alfabetização e letramento. A primeira palavra foi utilizada por Décio Pignatari na recriação do clássico Understanding Media, de McLuhan e, segundo Martino e Menezes (2012, p. 12), embasa a tradução de media literacy como “alfabetização para os meios”. Há, nesta noção, de acordo com os autores, uma particularidade:

[...] essa noção parece implicar, necessariamente, que o indivíduo seja “alfabetizado” pra receber uma mensagem que virá dos meios de comunicação para um receptor; mais do que isso, sugere uma postura redutora no sentido de preparar o indivíduo para lidar com os meios de comunicação em um sentido instrumental, vendo-os como uma ferramenta a ser utilizada – quando não, como uma ameaça potencial. O mesmo se aplicaria à “educação para os meios” ou “educação para a mídia”. Em todos esses casos, desenha-se no horizonte uma postura que privilegia o uso instrumental dos meios de comunicação. (MARTINO e MENEZES, 2012, p. 12)

O “problema” do entendimento de literacy como alfabetização é a referência ao alfabeto e ao ambiente escolar, notadamente ao período em que se inicia o domínio da escrita. Segunda

187 Media literacy constrói uma compreensão do papel da mídia na sociedade, bem como habilidades essenciais de investigação e autoexpressão necessárias para os cidadãos de uma democracia. […] Media literacy, portanto, trata de ajudar os alunos a se tornarem competentes, críticos e alfabetizados em todas as formas de mídia, para que controlem a interpretação do que veem ou ouvem, em vez de permitir que a interpretação os controle. Tornar-se alfabetizado em mídia não é memorizar fatos ou estatísticas sobre a mídia, mas sim aprender a levantar as perguntas certas sobre o que você está assistindo, lendo ou ouvindo. Len Masterman, o aclamado autor de Teaching the Media, chama isso de “autonomia crítica” ou a capacidade de pensar por si mesmo. Sem essa habilidade fundamental, um indivíduo não pode ter plena dignidade como ser humano. (tradução nossa)

150 opção de adaptação da expressão, “letramento”, também apresenta essa referência. No entanto, abrange um sentido mais amplo, mais propositivo e “não deixa de estar correta quando pensa na escrita como uma tecnologia de comunicação” (MARTINO e MENEZES, 2012, p. 11).

O uso da palavra “letramento” ainda abre a possibilidade de se entender literacy a partir da noção de “competência midiática” desenvolvida por Ferrés e Piscitelli (2015, p. 3). Segundo eles, competência é “uma combinação de conhecimentos, habilidades e atitudes consideradas necessárias para um contexto determinado”. No contexto da mídia, o conceito está relacionado ao domínio de seis dimensões básicas: 1) linguagem; 2) tecnologia; 3) processos de interação; 4) processos de produção e difusão; 5) ideologias e valores; e 6) estética. Além disso, no âmbito midiático, conforme Ferrés e Piscitelli (2015, p. 4), o domínio dessas dimensões deve ter uma finalidade clara: “A competência midiática deverá contribuir para o desenvolvimento da autonomia pessoal de cidadãos e cidadãs, bem como o seu compromisso social e cultural”.

Dessa perspectiva, a tradução do termo media literacy ganha contornos mais críticos:

A noção de “competência” é tomada aqui em um sentido mais próximo do desenvolvimento de articulações entre indivíduo e meios de comunicação para – seria o caso de falar de uma “educação dos sentidos”, com significado o mais amplo possível – uma meta-compreensão dessas articulações. Entende- se, dessa maneira, o processo como reflexivo e autorreflexivo, pensando a mídia como parte do contexto do indivíduo, apto a encontrar trilhas para a compreensão do ambiente no qual está inserido, com o qual se relaciona dialética, complexa e contraditoriamente. Nesse caso, seria possível até mesmo entender media literacy como a competência para ação e reflexão no ambiente midiático – no caso, midiatizado – a partir da construção de relações com seu modo de ser específico. (MARTINO e MENEZES, 2012, p. 12)

Amplamente utilizado nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa, o conceito de media literacy não encontrou muita ressonância na América Latina, mais afeita à educomunicação.