• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 MODERNIDADE A TODO VAPOR

3.1. Os caminhos da modernidade educativa – a proveniência da carteira escolar

3.1.2. Mediadores Culturais da Modernidade Educativa

São chamados aqui de mediadores culturais os estrangeiros residentes em São Paulo que, tendo envolvimento com a instrução em seu país de origem e no Brasil,

507

BASTOS, Maria Helena Camara. Pro Patria Laboremus: Joaquim José de Menezes Vieira (1848- 1897). Bragança Paulista: EDUSF, 2002, 350p, p.78

508 Idem, p.79 509 Idem, p.84 510 Idem, ibidem. 511

serviram de intermediários entre fornecedores e o governo, ou, que também em viagem ao país de origem, fizeram a aquisição de material para a escola pública paulista. São dois exemplos de mediadores culturais - a diretora da Escola Modelo anexa à Escola Norma da Praça da República, miss. Marcia Browne e o diretor da Escola Americana, Horace Lane. Ambos, americanos, foram importantes peças na busca pela modernidade educativa.

Pelo menos desde 1890, pode ser constatada a atuação desses personagens em prol da instrução na cidade de São Paulo. Vimos anteriormente que Caetano de Campos explicita na sua correspondência diversas dificuldades para equipar a escola, sendo a distância dos fornecedores uma dessas dificuldades. Os mediadores culturais ajudavam a minimizar esse entrave tornando possível a chegada dos objetos até à escola. Esse é o papel desenvolvido pelos americanos, ligados à Escola Americana.

Em 30 de outubro de 1890, o vice-diretor da Escola Normal da Capital, Doutor José E.C. de Sá e Benevides, solicita ao Presidente do Estado de São Paulo o pagamento devido ao Diretor da Escola Americana, A. Waddul, no valor de 372$600. Ele forneceu caixões de material àquela Escola Normal. Nota-se que esse pedido foi feito em um primeiro momento pelo próprio Caetano de Campos.

A solicitação de material ao Diretor da Escola Americana é uma evidência das redes de sociabilidade que envolviam dirigentes do ensino público paulista e dirigentes da Escola Americana; mas também da crença no aparato pedagógico que esta última exibia.

O diretor da Escola Americana com relação mais estreita com os dirigentes do ensino público paulista foi, sem dúvida, Horace Lane. Ele encomendou material de ensino para a Escola Modelo, anexa à Escola Normal, em 27 de outubro de 1894512. Horace Manley Lane foi diretor do Mackenzie College. Era educador, médico, lavrador e negociante. No posicionamento sócio-político era abolicionista e republicano513.

De acordo com Barbanti, o Dr. Lane, diretor da Escola Americana, era uma figura que exercia múltiplas atividades como negociante, médico e professor. Sendo um liberal e republicano tinha o apoio das vanguardas paulistas da época. Porém, ―seu tirocínio de administrador consolidou a posição do colégio como um centro educacional

512

Anexo n.19. 513

GOLDMAN, Frank P. Os Pioneiros Americanos no Brasil: Educadores, Sacerdotes, Corvos e Reis. São Paulo: Pioneira, 1972.

dos mais avançados da Província de São Paulo‖514. Segundo a autora, ―a Escola Americana forneceu ao Estado Paulista [...] o material pedagógico adequado ao ensino intuitivo. Em várias ocasiões, o Dr. Lane foi intermediário na compra de aparelhos nos Estados Unidos‖515

.

Em 16 de dezembro de 1895, há uma solicitação de pagamento de Gabriel Prestes, em favor de Horace Lane, no total de 96 dólares, devido a uma encomenda de móveis para a Escola Complementar Modelo516. É possível que aquela soma em dinheiro fosse referente ao trabalho de Lane e não ao valor dos móveis.

Isso porque ele encomendou nos Estados Unidos uma quantidade tão expressiva de móveis e aparelhos de ensino que foram necessárias 128 caixas517. Supõe-se que Horace Lane precisou investir um tempo significativo para, em sua viagem, providenciar tantas encomendas. Talvez porque, como salientou anteriormente Caetano de Campos, ―A distância dos centros fornecedores, e a precisão de comprar para longo praso é que me aconselham a fazer de uma vez um abastecimento mais abundamente‖518

. Foi por intermédio de Horace Lane e da Casa Guarany que a Escola Normal obteve o material solicitado pelo diretor Caetano de Campos, em 24 de março de 1891519. Talvez esse fosse um, dentre os vários negócios do Dr. Lane. Ele não só era diretor da Escola Americana, mas também médico e tendo vasta experiência na área da higiene popular, poderia indicar o mobiliário que evitasse moléstias e deformidades ao corpo dos alunos.

Nos Estados Unidos,

Dr. Lane exerceu por alguns anos a profissão médica. Foi ainda presidente da Jasper Country Medical Society, Secretário da Southwest Missouri Medical Society, membro da Junta de Higiene de Jasper Country e da Commission of Collective Investigation on Disease of the Medical Association of the State of Missouri. Vice- presidente dessa instituição, também foi sócio permenante da American Medical Society, membro Honorário do Kansas State Medical Society e redator-chefe do periódico de higiene popular, Health at Home520

514

BARBANTI, Maria Lúcia. Escolas Americanas de Confissão Protestante na Província de São Paulo: Um Estudo de suas origens. São Paulo: Dissertação de Mestrado. FEUSP, 1977, p.167.

515 Idem, p.181. 516 Anexo n.20. 517 Anexo n.21. 518

Fonte: APESP - Série Manuscrito – Escola normal de São Paulo; 1849-1855; 1886-1989/ Ordem – 5131. Grupo – Gestão Financeira; Série – Propostas orçamentárias.

519

Anexo n.22 combinado com Anexo n.11 520

Ao localizar algumas correspondências citando o nome do diretor da Escola Americana, Horace Lane, percebe-se que a atuação desses mediadores culturais não foi esporádica. Importante atuação teve também a americana que, por indicação do Dr. Lane se tornou diretora da Escola Modelo anexa à Escola Normal de São Paulo – Miss. Márcia Browne. Após três anos de ―constante trabalho‖ na Escola Modelo, Miss Browne solicita ao Secretário dos Negócios do Interior, Cesário Motta, autorização para viagem a seu país de origem, onde visitaria a Exposição Universal de Chicago no ano de 1893521. A pretensão de Miss Browne era

estudar a exhibição das mobilias, apparelhos, livros e trabalhos das escolas da França, Belgica, Suissa e Alemanha e Estados Unidos. Si tiver tempo, em meu regresso, desejo visitar as escolas de Portugal e da Alemanha. Preciso passar dous meses no mar, portanto não posso voltar antes de janeiro de 1894. Sendo feriado os meses de dezembro de janeiro, estarei ausente da eschola apenas cinco meses. Esta visita a meu pais natal é motivada por saúde e interesse da eschola, e para ela peço-vos licença de ausência até 1º de fevereiro de 1894522.

Para justificar a ausência de cinco meses, a diretora da Escola Modelo associa a sua necessidade pessoal ao interesse da escola. Seria útil a ela e à escola o estudo das mobílias e objetos escolares de diversos países, sociedades de referências, cujos sistemas educacionais modernos ganharam aceitação global523.

A viagem da diretora, assim como as de Horace Lane, resultou em um investimento material na escola pública paulista, pois algumas remessas foram sendo feitas por Miss. Browne durante a sua estadia no exterior.

Em 9 de maio de 1894, foram embarcadas no vapor Corrientes, com destino a Santos, três caixas com peças anatômicas, além da mobília e do material escolar que foram encomendados e aguardavam despacho524. O material contido nas três caixas era proveniente da casa Emile Deyrolle de Paris. Sabemos, entretanto, pelas informações do ofício n.38 de 9 de maio de 1894 que, além de peças de anatomia humana, as caixas continham modelos de frutas e flores.

Essas compras não constituem ―meras relações de troca internacional de mercadorias e de interdependência econômica‖525. Elas são e sinalizam o esforço dos Estados para se constituírem pela centralidade de uma modernidade educativa526.

521

Anexo n.23. 522

Fonte: APESP. Série Manuscritos. Secretaria do Interior. Escola Normal. Ano 1892. Ordem 7135 523 SCHRIEWER, 2000. 524 Anexo n.24 e n.25 525 SCHRIEWER, 2000, p.107.

O trabalho dos mediadores culturais era árduo. Pela correspondência de Miss. Browne a Cesário Motta depreende-se que o percurso total de ida e volta do Brasil a Europa ou aos Estados Unidos seria de dois meses no mar. Logo, um mês para ir e outro para retornar. Além do esforço financeiro, havia um esforço físico que impedia a constância de tais viagens. Sendo assim, as casas importadoras, os agentes e representantes comerciais funcionaram como uma outra opção para equipar a escola.