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CAPÍTULO 3 MODERNIDADE A TODO VAPOR

3.1. Os caminhos da modernidade educativa – a proveniência da carteira escolar

3.1.1. Um viajante que traz a Modernidade Educativa

A dificuldade na importação era tamanha que era necessário aproveitar qualquer oportunidade para fazê-la. Em viagem de férias à Paris, o diretor da Escola Normal, Paulo Bourroul responsabiliza-se pela aquisição de materiais para a referida instituição.

Constata-se uma troca direta de ofícios entre os diretores da referida escola, o presidente da Província e o Thesouro Provincial491. Em 3 de abril de 1883, Paulo Bourroul, informa ao Tesouro Provincial que foi autorizado pelo Exmo. Sr. Conselheiro Francisco de Carvalho Soares Brandão a

fazer a compra de moveis necessários a escola sob minha direção, rogo a v.exa. que se digne dar as ordens necessárias para que, pelo Thesouro Provincial, seja posta a minha disposição a quantia de um conto e quinhentos mil reis (1:500$000), para ser aplicada a compra dos ditos moveis, e também a compra e encadernação de livros de português destinados a biblioteca da dita escola492.

489

Idem, p.81. 490

MOACYR, Primitivo. A instrução pública no estado de São Paulo (1890-1893). 1 vol. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942, p.264.

491

Anexos n. 12 e n. 13 492

Em 24 de abril de 1883, o Tesouro Provincial autoriza o diretor Paulo Bourroul a realizar o pagamento da despesa dos móveis (1.500$000) diretamente aos fornecedores e em vista de contas e recibos493. O próprio Presidente da Província solicita ao diretor da Escola Normal, Paulo Bourroul, que faça a compra de material escolar durante sua estada em Paris494.

De Paris, Paulo Bourroul, quase dois anos depois do pedido feito pelo antigo diretor, Caetano de Campos, envia uma correspondência495 ao Presidente da Província, o Conselheiro Francisco do Carvalho Soares Brandão, dando ciência da

lista do conteúdo de 9 caixas E.N. n. 1-9, e de 4 caixas ENP – n. 1-4. Ficão em meu poder para prestação de contas, as faturas originaes com os respectivos recibos. Os conhecimentos destas 13 caixas e das que ainda restam, serão enviadas diretamente a v. ex. pelos senrs. Pinto & Braga, comissários desta praça496.

De posse dessa informação, o Tesouro da Fazenda deveria enviar ordens à Alfandega de Santos para despachar e enviar as encomendas à Capital497.

Com isso, percebe-se que os caminhos da modernidade educativa, tanto dos materiais e utensílios, quanto do mobiliário passavam pela Alfândega de Santos e chegavam à vapor, como demonstrado anteriormente. Em 21 de fevereiro de 1883, a informação de ―três caixões com mercadorias destinadas á Escola Normal, embarcadas no vapor francez SULLY498com direção ao porto de Santos‖499, dá uma dimensão desse movimento. Isto é, em viagem para Paris, o diretor da Escola Normal de São Paulo, Paulo Bourroul faz a aquisição do material que ele mesmo solicitou ao Presidente da Província de São Paulo. Autorizada a aquisição, ele compra e envia por meio de vapores até a Alfândega de Santos, de onde serão as encomendas remetidas à São Paulo, depois de expedidas as ordens pelo Tesouro da Fazenda.

Segundo Carvalho, não pode ser subestimada a participação destes ―assíduos viajantes‖500 na renovação educacional. Os ―intelectuais ilustrados: homens públicos,

493 Anexo n.14. 494 Anexo n.15. 495 Anexo n.16 496

Fonte: Manuscritos. Escola Normal de São Paulo. Anos 1886-1889. Caixa 3; Ordem 5131. 497

Ver Anexo n.13 498

O vapor Sully também fazia parte da frota da Companhia Francesa de Navegação à Vapor. A única informação obtida acerca do mesmo é que ele partia do porto do Havre.

499

Fonte: APESP. Série Manuscritos. Escola Normal de São Paulo. Ano 1886-1889. Caixa 3 - Grupo Gestão – Série Propostas Orçamentárias. Ordem = C05131

500

CARVALHO, M. M. C. Por uma história cultural dos saberes pedagógicos. apud SOUZA, M. & CATANI, D. Práticas educativas, culturas escolares, profissão docente. In: II CONGRESSO LUSO- BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO. São Paulo: Escrituras, 1998, p.40

reformadores, juristas, proprietários de escolas, diretores e professores‖501 são ―personagens-chave na elucidação dos processos materiais de produção, circulação e apropriação dos saberes pedagógicos no Brasil‖502

.

Outro caso exemplar é o de José Eduardo de Macedo Soares. Ele remete ao Diretor da Instrução Pública do Estado de São Paulo, em 7 de janeiro de 1895, um orçamento dos aparelhos e objetos necessários ao ensino de física e química503.

Professor de química e física na Escola Normal Caetano de Campos, Macedo Soares também realizou diversas viagens ao exterior, o que o tornava um homem de ―boas relações‖ para, seja nas viagens, seja por meio dos catálogos, fazer encomendas de material às casas comerciais na Europa. Mais que isso, em 1894, ele fez um ―valioso donativo‖ de objetos para o gabinete de física e laboratório de química da Escola Normal Caetano de Campos504. Estes elementos tornavam Macedo Soares apto para indicação do material necessário para as aulas de física e química da Escola Complementar de Itapetininga, conforme solicitação do Diretor da Instrução Pública.

As novidades trazidas pelos viajantes505 poderiam vir em forma de objetos ou relatórios. Em 1883, por exemplo, ―o Inspetor Geral da Instrução Pública, Souza Bandeira Junior, publicou relatório sobre viagem que havia realizado para obter informações sobre o jardim-de-infância e outras instituições de educação infantil na França, Suiça, Áustria e Alemanha‖506

.

De igual modo, Menezes Vieira, diretor do Pedagogium e o criador do primeiro jardim de infância no Brasil,

Para imprimir ao seu colégio o que mais moderno havia na época, Menezes Vieira buscou subsídios em literatura bastante atual e especializada [...] Realizou várias viagens à Europa para conhecer e

501

SCHELBAUER, Analete Regina. O método intuitivo e lições de coisas no Brasil do século XIX. In: STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena C. (orgs). Histórias e memórias da educação no Brasil, Vol II: século XIX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005, p.136.

502 CARVALHO, op cit, p.40 503 Anexo n.17. 504 Anexo n.18. 505

Importante trabalho sobre as viagens pedagógicas é desenvolvido por PINTO, Inára de Almeida Garcia. Um professor em dois mundos: a viagem do professor Luiz. Augusto dos Reis à Europa (1891). São Paulo: Faculdade de Educação da USP. Tese, 2011. A autora também analisa ―documentação referente ao comércio estabelecido entre a Inspetoria de Instrução e a iniciativa privada, intermediada pela ação de inspetores de ensino e professores primários da Capital Federal‖ (p.131), ponto discutido ainda neste capítulo.

506

KUHLMANN JR., Moysés. O jardim-de-infância e a educação das crianças pobres. Final do século XIX, iníci do século XX. In: MONARCHA, Carlos (org). Educação da infância brasileira (1875-1983). Campinas: Autores Associados, 2001, p.3

visitar os principais centros educacionais, de onde trouxe as inovações pedagógicas implantadas na sua escola507.

Dentre as inovações que poderiam acentuar o aspecto daquele colégio como moderno estava o mobiliário.

Segundo o vice-diretor J. Pereira Pinto, tudo o que o colégio possuía tinha sido importado da Europa e dos Estados Unidos. Por exemplo, o mobiliário do curso secundário é do tipo Victoria, o que em si caracteriza o estabelecimento como um dos mais modernos da Corte508.

Na sala de português ―constavam 18 bancos-carteiras (tipo Victoria) [...] Nas aulas de ciências físicas e naturais havia uma sala especial com seis bancos-carteiras para dois alunos cada um (tipo Victoria)‖509. No grande salão, ―carteiras dispostas em séries de três no sentido longitudinal‖510. O parecer da comissão na Exposição Pedagógica, em 16 de outubro de 1883 expõe, acerca do Colégio Menezes Vieira, que ―a mobília adotada é a do modelo das escolas maternais francesas, porém fabricada no país [Brasil]‖511.

A citação do caso deste viajante, educador e homem de negócios carioca confirma a ideia da modernização da escola via adoção de carteiras europeias ou norte- americanas. Também sinaliza a adaptação dos modelos de mobiliários estrangeiros pelos educadores e negociantes brasileiros, bem como a circulação de tais modelos em diversas partes do país. Entretanto, a circulação não é somente de objetos. A circulação internacional de pessoas corrobora para que, educadores, médicos e higienistas estrangeiros participem decisivamente nos processos de modernização da escola paulista.