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5.4 O tratamento

5.4.4 A medicação

Todos os cuidadores descrevem a forma como a medicação é administrada, relatando doses e horários de acordo com o prescrito pelo médico. A grande maioria cita os nomes dos remédios em uso. Em três casos, o nome foi substituído por “aquele remedinho” ou, no momento da entrevista, alguns mostraram o medicamento que traziam com eles.

Os cuidadores criam estratégias para não esquecer nem confundir horários e dosagens das medicações. Entre essas estratégias, citam: “o celular lembra”, “folhinha na porta da geladeira”, uso do despertador e telefonemas para quem estiver cuidando da criança naquele momento. Várias pessoas ressaltam que no horário da administração dos remédios estão sempre presentes em casa, na fala de um pai, “naquela hora eu estou presente” (E12).

Na literatura referente à adesão ao tratamento, há recomendações para que o profissional de saúde use como forma de controle do seguimento do tratamento mecanismos de lembrança a respeito do horário e dose da medicação prescrita, evitando o atraso ou a não-administração (OSTERBERG; BLASCHKE, 2005; WINNICK et al., 2005) O próprio profissional pode lembrá-los por meio de telefonemas, por exemplo, ou orientá-los para usar lembretes, bilhetes, sinais. Os relatos mostraram que as famílias deste estudo utilizam esse tipo de recurso, porém não é possível concluir se por iniciativa própria ou por indução da equipe.

Segundo os cuidadores, a criança exerce importante papel no controle da medicação. Metade dos entrevistados conta que o próprio filho chama sua atenção para o horário dos remédios, às vezes antes mesmo do cuidador ou quando ele se esquece. O exemplo do depoimento da mãe de uma criança de seis anosrevela que a participação da criança não depende da idade:

[...] Purinethol e Bactrim. Eu dou na hora em que ela levanta, cedinho. Aqui no Hospital ela fica assim: eu quero meu Bactrim! Eu quero meu Bactrim! Eu falo: é só seis horas. Porque lá em casa eu dou às 7:30-8:00 e depois 7:30-8:00 da noite, segunda, quarta e sexta. E o Purinethol, eu dou na janta, aí, duas horas depois, eu dou o Purinethol pra ela... Tem

dia que ela pede. Eu estou tão assim com a cabeça lesada que ela fica: cadê o meu Purinethol, cadê o meu Bactrim? Eu esqueço. E ela não esquece. Não esquece nenhum dia (E9).

Há referências sobre “tratamentos alternativos” ou da cultura popular em metade das entrevistas. Mesmo aqueles pais que chegam a administrá-los aos filhos não abandonam o tratamento convencional prescrito pelo médico. Citam chás, ervas, mel, beterraba com mel, “coisas vermelhas”, suco de couve com cenoura, acerola, fígado de boi, taioba, babosa com mel, geléia real, chá de graviola, cogumelo do sol, fel de urubu.

Eu conheço uma menina que tinha ficado curada. Ela tinha leucemia e foi tratada com umas coisas e ficou curada. Ervas. E foi beterraba com mel. J toma mel todos os dias, ele toma mel de manhã, meio-dia e à noite. Beterraba com mel, ela faz brotar as veias. E ela combate (E1). [...] muita gente fala pra mim: dá suco de uva, dá suco de acerola. Então tudo isso eu já dei pro S. Porque a minha sogra mesmo arruma tanta acerola pra dar pro S, porque é bom. Então o que eu dou mais pra ele é essas coisas. Tem gente que fala de fígado de boi, é couve, essas coisas. Aí, tudo que manda comprar eu dou. Essas coisas, diz que é muito bom pra defesa. Aí eu fico preocupada com isso. Aí as frutas que eu dou pra ele mais é assim: acerola, uva (E7).

A gravidade da doença e o medo da perda contribuem para que as famílias fiquem muito vulneráveis a sugestões sobre o que “é bom para a leucemia” e o que pode levar à cura, ficando expostas até mesmo a situações de charlatanismo.

Eles me falaram que tinha pessoas lá em Araxá, que se a gente quisesse, mandasse pra lá que eles davam o remédio que curava. A gente pagava 30 reais, mas que ele era caso grave... Por via Sedex era só mandar 30 reais. Cheguei a mandar 30 reais. Só que não dei o remédio. Por quê? Não usei. Primeiro, eu sou muito de confiar em Deus, sabe... Outro tipo de remédio é a babosa, com mel. O jeito de fazer tudo, eu cheguei a fazer. Dei ele pra ele tomar tudo. E não dei mais. Primeiro, eu pensei que não seria conveniente misturar a quimioterapia com remédio natural... Mas eu cheguei a fazer... Fazer do jeito que manda fazer, com a luz solar nela e um pouco de mel... É ruim de um tanto! Eu experimentei. Dei três dias. Depois disso eu coloquei na cabeça que não deveria dar porque um podia tirar o efeito do outro. Aí eu não dei mais, tá só na quimioterapia mesmo e remédio caseiro, lá de casa, a única coisa que eu dou é, por exemplo, se ele tá com uma dor de barriga ou coisa assim eu faço um chazinho de folha de goiaba, trançagem, picão, mas feitinho na hora, fresquinho (E12).

Esse depoimento é sugestivo para mostrar o conjunto de influências que recaem sobre as pessoas quando se deparam com promessas de resultados positivos para o combate à doença e a sensação mista de crença e desconfiança mediada pela clara distinção entre a medicina oficial e práticas alternativas.

Elias, Alves e Tubino (2006), em estudo abordando pais de crianças com câncer sobre o uso de tratamentos não convencionais, observaram que mais da metade das crianças utilizou tais recursos, sendo a fitoterapia o mais freqüente. A principal motivação para seu uso foi indicação de terceiros. No entanto, os resultados mostraram que nenhum paciente usou medicina alternativa em substituição ao tratamento médico padrão. Mais da metade dos que utilizaram essas formas de tratamento não informou este fato ao médico-assistente. Esses dados foram semelhantes aos encontrados na literatura internacional (HEATHER SANDERS et al., 2003; LIM et al., 2006).

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