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MEDIDAS CAUTELARES COMO MECANISMOS ALTERNATIVOS À

No ano de 2011, com o advento da Lei n. 12.403, o Código de Processo Penal sofreu relevantes modificações no tocante às medidas cautelares pessoais, “rompendo com o binômio prisão-liberdade até então vigente” (LOPES JR., 2013, p 145). Na ideia de Polastri (2014, p. 254), era urgente a necessidade de adoção de medidas substitutivas à prisão, a fim de evitar que o magistrado utilizasse de seu poder de cautela, devendo esse estar intimamente adstrito a real necessidade, adequação e proporcionalidade da medida cautelar a ser decretada.

Renato Brasileiro de Lima, ao discorrer sobre assunto (2012, p. 382), diz que

[...] durante anos e anos, nosso sistema processual penal ofereceu ao magistrado apenas duas opções de medidas cautelares de natureza pessoal: prisão cautelar ou liberdade provisória, lembrando que essa medida de contracautela só pode ser concedida àquele que foi anteriormente preso em flagrante. Tem-se aí o que a doutrina denominava de bipolaridade cautelar do sistema brasileiro. Significa dizer que, no sistema originalmente previsto no CPP, ou o acusado respondia ao processo com total privação de liberdade, permanecendo preso cautelarmente, ou então lhe era deferido o direito à liberdade provisória.

O intuito da nova lei foi que, no caso concreto, o juiz pudesse interpretá-la aplicando a providência mais adequada, observados os critérios de legalidade e de proporcionalidade.

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Art. 93, IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (BRASIL, 1988).

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus n. 219101, do Rio de Janeiro, sob relatoria do Ministro Jorge Mussi, comentou a mudança legislativa. Extrai-se:

[...] Com a inovação legislativa introduzida pela Lei n. 12.403/2011, o Código de Processo Penal passou a capitular diversas providências substitutivas à prisão, sendo essa aplicada apenas quando aquelas não se mostrarem suficientes a repressão e a reprovabilidade do delito. [...] (Habeas Corpus n. 219.101/RJ, rel. Min. Jorge Mussi, Quinta turma, j. 10-04-2012).

Assim, Nucci conclui (2013, p. 118):

O novo art. 319 traz o rol das medidas cautelares, alternativas à prisão, podendo significar uma mudança de mentalidade dos operadores do Direito e também no quadro prisional brasileiro. Muitos acusados, que merecem algum tipo de restrição em sua liberdade, pelo fato de estarem respondendo a processo-crime, em virtude da prática de crime grave, não precisam, necessariamente, seguir para o cárcere fechado. Por vezes, medidas alternativas serão suficientes para atingir o desiderato de mantê-lo sob controle

e vigilância.

As modalidades de medidas cautelares diversas da prisão estão previstas no rol taxativo do artigo 319 do Código de Processo Penal:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi- imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;

Destaca-se que essas medidas podem ser decretadas de forma independente, isolada ou cumulativa (POLASTRI, 2014, p. 254), conforme dispõe o artigo 282 do Códex Processual Penal10.

Renato Brasileiro de Lima (2012, p. 383) e Aury Lopes Jr. (2013, p. 145) salientam que, por se tratarem de provimentos de natureza cautelar, em nenhuma hipótese as medidas cautelares poderão ser adotadas automaticamente pela prática do ato criminoso, nem mesmo quando não estiverem presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, que são os fundamentos autorizadores da prisão preventiva.

Essas medidas alternativas são norteadas pelos mesmos princípios que as prisões cautelares, na medida do que lhes for cabível, como o princípio da motivação, do contraditório, da provisionalidade, da excepcionalidade e da proporcionalidade (LOPES JR., 2013, p. 148).

Introduzido o tema, possível agora discorrer brevemente acerca de cada um dos incisos do artigo 319 do Código de Processo Penal.

I - Comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades:

Requer, para título de fiscalização, que o indivíduo compareça periodicamente (diariamente, semanalmente, mensalmente, a depender da frequência definida) à presença do togado, a fim de demonstrar, através de prova idônea, as atividades que realiza (REIS e GONÇALVES, 2014, p. 405).

“Essa medida cautelar tem como objetivo precípuo verificar que o acusado permanece à disposição do juízo para a prática de qualquer ato processual, mas também pode ser usada para se obter informações acerca das atividades que o acusado está exercendo” (LIMA, 2012, p. 385).

É comumente utilizada em casos de crimes contra o patrimônio, especialmente naqueles mais graves e quando se perceber que o autor não tem emprego certo ou residência fixa (NUCCI, 2013, p. 121).

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Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

§ 1o As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente.

§ 2o As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público (BRASIL, 1941).

II - Proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações:

Cuida-se de uma das medidas mais criticadas pela doutrina, pois não há estrutura estatal compatível para a realização da fiscalização do seu cumprimento ou não (POLASTRI, 2014, p. 258).

Impede-se que o agente compareça a determinados lugares ou estabelecimentos que possam favorecer ou estimular o cometimento de novas infrações.

A lei não prevê expressamente quais os recintos proibidos de comparecimento. Assim, cabe ao juiz, em análise do caso concreto, determiná-los de forma específica, podendo englobar locais públicos ou privados (abertos ao público ou não), desde que exista uma relação entre o local de acesso restrito e a prática do ilícito (LIMA, 2012, p. 387).

III - Proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante:

Essa modalidade de medida cautelar visa tutelar uma pessoa determinada, que, via de regra, é a vítima ou uma testemunha, sempre de forma individualizada (LOPES JR., 2013, p. 152), a fim de evitar qualquer tipo de temor ou novas desavenças entre as partes, protegendo-se assim, suas integridades físicas e o andamento processual.

IV - Proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução:

Medida aplicada nos casos em que a permanência do acusado na comarca for conveniente para a investigação ou instrução criminal, e para o bom andamento processual. Para Polastri (2014, p. 259), “na verdade, o que se quer é evitar a fuga, além de deixar o acusado presente para fins de provas, desde que estas não sejam passíveis de autoincriminação, quando a diligência ou prova dependerá de concordância do agente”.

O doutrinador Aury Lopes Jr. (2013, p. 154) critica o tema, pois não vislumbra fundamento legal que obrigue o réu a permanecer na comarca em razão da “conveniência ou necessidade para investigação ou instrução”, já que, de qualquer forma, a produção probatória poderia ser “prejudicada” nos casos em que o acusado utilizasse seu direito de permanecer em silêncio.

Detalhe relevante sobre o tema é que essa medida cautelar em momento algum revogou a possibilidade da decretação da prisão preventiva com fundamento na garantia de

aplicação da lei penal prevista no artigo 312 do Código de Processo Penal (LIMA, 2012, p. 392).

V - Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos:

“É conditio sine qua non para a agente fazer jus à medida que tenha residência e trabalho fixos” (POLASTRI, 2014, p. 260). O indivíduo que está sujeito ao recolhimento domiciliar deverá permanecer nas dependências de sua residência todas as noites, fins de semana e dias de folga.

No entendimento de Renato Brasileiro de Lima (2012, p. 393), cuida-se de medida menos gravosa que a prisão domiciliar, pois permite que o acusado trabalhe durante o dia, além de estar baseada na sua autodisciplina e no seu senso de responsabilidade.

Normalmente, para fins de fiscalização e para assegurar a máxima eficácia, esse instrumento processual vem cumulado com o monitoramento eletrônico (REIS e GONÇALVES, 2014, p. 407).

VI - Suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais:

Possui aplicação quando da ocorrência de crimes econômicos ou de delitos praticados por servidores públicos, no exercício de suas funções11, contra a administração pública, com intuito de impedir o cometimento de novas infrações, desde que o agente tenha se aproveitado de sua função pública ou de sua atividade econômica ou financeira para realização da jornada delituosa (nexo funcional entre o delito e a função do indivíduo)(LIMA, 2012, pp. 394-395).

O autor (2012, p. 396) continua seu raciocínio afirmando que essa medida, além de impedir a reiteração criminosa, também serve para garantir a investigação ou instrução criminal:

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Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público (BRASIL, 1940).

Da mesma forma que a suspensão do exercício da função pode ser determinada para evitar novas práticas delituosas, a medida também pode ser imposta para que o acusado não se utilize de suas funções para destruir provas, pressionar testemunhas, intimidar vítimas, ou seja, para obstruir a investigação de qualquer forma ou prejudicar a busca da verdade.

VII - Internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi- imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração:

O inciso é claro e apresenta os três requisitos cumulativos exigidos para sua decretação: crime cometido com violência ou grave ameaça à pessoa; inimputabilidade ou semi-imputabilidade demonstrada por perícia; risco de reiteração criminosa (LOPES JR., 2013, p. 156).

Essas condições estabelecidas pelo legislador demonstram que a medida deve ser aplicada com o fim de proteção da sociedade contra a possível prática de crimes graves (LIMA, 2012, p. 400).

A internação provisória deve ocorrer em locais apropriados, separados do cárcere comum (NUCCI, 2013, p. 124), ou seja, em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, nos moldes do artigo 96, inciso I, do Código Penal12.

VIII - Fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial:

“A fiança é uma garantia real, consistente no pagamento de determinado valor em dinheiro ou na entrega de bens ao Estado, com o fim de assegurar o direito de permanecer em liberdade, no curso de investigação ou processo” (NUCCI, 2013, p. 124).

De acordo com Reis e Gonçalves (2014, p. 407), pode-se dizer que é uma medida de contracautela para evitar a segregação cautelar de liberdade do indivíduo, nos casos em que é possível oferecer uma garantia ao juízo.

Por fim, pela redação do §4º do artigo 319, a fiança poderá ser isolada ou cumulada com outras medidas cautelares.

IX – Monitoração eletrônica:

Nessa última modalidade de medida cautelar alternativa à prisão, há a possibilidade de vigilância ininterrupta do indivíduo, tutelando o risco de fuga e a prática de

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Art. 96. As medidas de segurança são:

I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; (BRASIL, 1940).

novas infrações. Costuma ser útil também, pela monitoração constante, à eficácia das demais medidas cautelares, como por exemplo, o recolhimento domiciliar e a proibição de ausentar- se da comarca (LOPES JR., 2013, p. 161).

A medida em questão, assim como as demais medidas cautelares, tem caráter coercitivo, daí por que é desnecessária a anuência do indiciado ou acusado para a sua decretação. É bem verdade que não se pode constranger o destinatário da medida, física ou moralmente, a utilizar o equipamento eletrônico, mas sua recusa, que importa em descumprimento da obrigação imposta, é motivo para decretação da prisão preventiva (REIS e GONÇALVES, 2014, p. 408).

Esgotadas as medidas cautelares em espécie, há que se tocar num ponto crucial do tema, que é a ausência legal de prazo máximo de duração desses instrumentos processuais, o que, assim como a prisão preventiva, pode gerar abusos por parte do juiz. Cabe ao togado atentar-se à situação em concreto, e à necessidade real da medida, pautando-se pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (LOPES JR., 2013, p. 148).

Por fim, no tocante ao descumprimento das medidas cautelares diversas da prisão, Renato Brasileiro de Lima leciona que (2012, p. 384),

Apesar do silêncio do legislador, que se limitou a prever que do descumprimento de qualquer das obrigações impostas poderá resultar a decretação da prisão preventiva (CPP, art. 282, §4º), acreditamos que, para cada medida cautelar diversa da prisão, devem ser pensados instrumentos idôneos para assegurar sua operacionalidade e eficácia.

3 A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO

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