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3 A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO

4.2 Superior Tribunal de Justiça

Em avaliação das decisões do Superior Tribunal de Justiça, o primeiro fundamento da prisão preventiva pela garantia da ordem pública a ser estudado é a gravidade da conduta e a periculosidade do agente. O Habeas Corpus n. 313410/RS, de relatoria do Ministro Gurgel de Faria traz:

PENAL E PROCESSUAL. HABEAS CORPUS. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GRANDE QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, sob pena de

desvirtuar a finalidade dessa garantia constitucional, exceto quando a ilegalidade apontada for flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.

2. A teor do art. 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada quando presentes o fumus comissi delicti, consubstanciado na prova da materialidade e na existência de indícios de autoria, bem como o periculum libertatis, fundado no risco que o agente, em liberdade, possa criar à ordem pública/econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal.

3. Hipótese em que o decreto constritivo encontra-se fundamentado, notadamente no que se relaciona à garantia da ordem pública, considerando a grande quantidade de droga apreendida — mais de 25 quilos de cocaína —, bem como o modus operandi da empreitada criminosa — droga em compartimento oculto de dois carros —, o que demonstra a gravidade da conduta perpetrada e a periculosidade social do agente.

4. Habeas corpus não conhecido. (Habeas Corpus n. 313410/RS, rel. Min. Gurgel de Faria, Quinta turma, j. 07-04-2015 – grifou-se)

Do corpo do acórdão vislumbra-se que o Ministro relator compactua do entendimento de que a gravidade da conduta e a periculosidade do agente são capazes de nortear a prisão preventiva:

Forçoso convir que o decreto constritivo encontra-se fundamentado, notadamente no que se relaciona à garantia da ordem pública, considerando a grande quantidade de droga apreendida — mais de 25 quilos de cocaína —, bem como o modus operandi da empreitada criminosa — droga em compartimento oculto de dois carros —, o que demonstra a gravidade da conduta perpetrada e a periculosidade social do agente. Destarte, constata-se que os argumentos expendidos pelas instâncias ordinárias são idôneos e suficientes para a custódia cautelar do paciente, uma vez que respaldados em dados concretos, permanecendo, assim, a necessidade da manutenção da segregação para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal.

Outro elemento importante usado pelos Tribunais para enquadrar o caso como transgressor da garantia da ordem pública é a reincidência, mormente pela possibilidade de reiteração da conduta delituosa.

No julgamento do Habeas Corpus n. 313884/SP tem-se a exemplificação do posicionamento dessa Corte sobre o tema:

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

01. Prescreve a Constituição da República que "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder" (art. 5º, inc. LXVIII). O Código de Processo Penal impõe aos juízes e aos tribunais que expeçam, "de ofício, ordem de habeas corpus, quando, no curso de processo, verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal" (art. 654, § 2º). Desses preceptivos infere-se que, no habeas corpus, devem ser conhecidas quaisquer questões de fato e de direito relacionadas a constrangimento ou ameaça de

constrangimento à liberdade individual de locomoção. Por isso, ainda que substitutivo do recurso expressamente previsto para a hipótese, impõe-se seja processado para aferição da existência de "ilegalidade ou abuso de poder" no ato judicial impugnado (STF, HC 121.537, Rel. Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma; HC 111.670, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma; STJ, HC 277.152, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma; HC 275.352, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma).

02. Não há "ilegalidade ou abuso de poder" (CR, art. 5º, inc. LXVIII), de modo a autorizar a concessão do habeas corpus , na decisão que, fundamentadamente, descreve a gravidade da conduta delituosa imputada ao réu e indica a necessidade da sua prisão cautelar (STF, HC 113.203/RJ, Rel. Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 10/06/2014, HC 111.019, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma, julgado em 25/06/2013; STJ, HC 299.410/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 18/09/2014, RHC 51.035/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 03/03/2015). O fato de o réu ser reincidente justifica a sua prisão preventiva também para garantir a ordem pública e para evitar a reiteração de práticas delitivas (STF, RHC 122.647 AgR, Primeira Turma, Rel. Ministro Roberto Barroso, julgado em 12/09/2014; STJ, RHC 47.671/MS, Quinta Turma, Rel. Ministro Gurgel de Faria, julgado em 18/12/2014, RHC 53.769/MG, Sexta Turma, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 18/12/2014).

03. Habeas corpus não conhecido. (Habeas Corpus n. 313.884/SP, rel. Min. Newton Trisotto, Quinta turma, j. 16-04-2015 – grifou-se)

Especificamente no presente caso, vale relatar que, infelizmente, restam claros os argumentos genéricos usados na fundamentação do acórdão, pois somente há referências às demais decisões sobre o tema, não há uma análise específica do caso concreto discutido. Lê- se:

Transcrevo, parcialmente, ementas de acórdãos desta Corte e do Supremo Tribunal Federal que versam a respeito da matéria e respaldam os fundamentos das decisões impugnadas: [...]

"A teor do art. 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada quando presentes o fumus comissi delicti, consubstanciado na prova da materialidade e na existência de indícios de autoria, bem como o periculum libertatis, fundado no risco que o agente, em liberdade, possa criar à ordem pública/econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal. No caso, forçoso convir que o decreto constritivo encontra-se fundamentado, considerando a circunstância do crime e o efetivo risco de reiteração delitiva, pois o recorrente possui registros anteriores pela prática de atos infracionais equiparados a homicídio, tentativa de homicídio e porte ilegal de arma de fogo, aptos a demonstrar sua periculosidade social" (RHC 47.671/MS, Quinta Turma, Rel. Ministro Gurgel de Faria, julgado em 18/12/2014). "A reincidência do acusado - evidenciada, no caso, pelo registro de duas condenações transitadas em julgado pelo crime de furto, além de diversos inquéritos policiais e processos em andamento por crimes contra o patrimônio - autoriza a segregação cautelar com base na garantia da ordem pública, porquanto evidencia a periculosidade concreta do agente e o risco de reiteração delitiva " (RHC 53.769/MG, Sexta Turma, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 18/12/2014).

Divergindo de muitos Tribunais estaduais, o Superior Tribunal de Justiça vem solidificando seu entendimento acerca da gravidade do delito e da credibilidade da justiça

como fundamentos não ensejadores da prisão preventiva pela garantia da ordem pública. Em análise casuística, expõe-se o Habeas Corpus n. 296961/SP, relatado pelo Ministro Félix Fischer:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO

ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. NOVA ORIENTAÇÃO

JURISPRUDENCIAL. ARTIGO 157, § 2º, INCISO II C/C 14, INCISO II DO CÓDIGO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL.

I - A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso ordinário (v.g.: HC n.109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11/9/2012, RHC n. 121.399/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 1º/8/2014 e RHC n. 117.268/SP, Rel. Min. Rosa Weber, DJE de 13/5/2014). As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado (v.g.: HC n. 284.176/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 2/9/2014, HC n. 297.931/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 28/8/2014, HC n. 293.528/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 4/9/2014 e HC n. 253.802/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/6/2014). II - Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não-conhecimento da impetração. Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem de ofício. III - No caso dos presentes autos, o exame dos fundamentos que deram suporte à custódia cautelar do paciente (gravidade abstrata do delito previsto no art. 157, § 2º, inciso II c/c 14, inciso II do Código Penal, bem como para acautelar o meio social e garantir a credibilidade da Justiça) não se ajustam à orientação jurisprudencial desta eg. Corte Superior de Justiça. Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para permitir que o paciente responda ao processo em liberdade, salvo se por outro motivo estiver preso, e sem prejuízo da decretação de outras medidas cautelares diversas da prisão previstas no novel art. 319 do Código de Processo Penal. (Habeas Corpus n. 296961/SP, rel. Min. Félix Fischer, Quinta turma, j. 16-09-2014 – grifou-se)

Destaca-se importante trecho do acórdão:

Como se sabe, a gravidade abstrata do delito não autoriza a decretação ou a manutenção da prisão cautelar imposta. Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte: AgRg no HC n. 278.766/SP, QuintaTurma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 26/8/2014; RHC n. 39.351/PE, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 4/9/2014; RHC n. 47.457/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 1º/9/2014; HC n. 275.352/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 2/9/2014, v.g.. Da mesma forma, não constituem, por si sós, fundamentos idôneos para autorizar a prisão preventiva o clamor ou comoção social, se inexistentes nos autos elementos concretos para justificar a decretação ou a manutenção da medida (RHC n. 48.058/BA, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 2/9/2014, v.g.). Em suma, a invocação pura e simples do dispositivo da lei de regência para justificar a custódia cautelar, sem que se indique a ocorrência de fatos concretos ensejadores da medida, tem sido rejeitada pela atual orientação jurisprudencial desta eg. Corte.

Por último exame de julgados do Superior Tribunal de Justiça, destaca-se um entendimento que, felizmente, está sendo pacificado na jurisprudência brasileira, qual seja, a impossibilidade da fixação da prisão preventiva pela garantia da ordem pública com base no clamor público gerado pela ação delitiva.

O Agravo Regimental em Habeas Corpus n. 127876/MG, de relatoria da Ministra Assusete Magalhães, explicita tal posicionamento, afastando a possibilidade de segregação cautelar com base na repercussão social gerada pelo caso:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PRETENSÃO DE RESTABELECIMENTO DA CUSTÓDIA CAUTELAR DA PACIENTE, DECRETADA PELO TRIBUNAL A QUO, EM RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. IMPOSSIBILIDADE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.

CLAMOR PÚBLICO. FUNDAMENTO INIDÔNEO. REITERAÇÃO

DELITIVA. INOVAÇÃO DO AGRAVANTE. FUNDAMENTOS QUE NÃO INTEGRAM O DECRETO PRISIONAL. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I. Hipótese em que, em Recurso em Sentido Estrito, interposto contra decisão que concedera liberdade provisória à paciente, foi restabelecida, pelo Tribunal de 2º Grau, a sua prisão cautelar. II. "A mera alusão aos requisitos da custódia cautelar, expressões de simples apelo retórico, bem como relativas à necessidade de coibir a prática de delitos graves e ao clamor público, não são aptos a embasar a medida restritiva de liberdade" (STJ, HC 243.717/BA, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, DJe de 05/09/2012). III. Não havendo fundamentação idônea, com base em fatos concretos, quanto à necessidade da prisão, com demonstração da existência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva, deve a paciente ser posta em liberdade. IV. A reiteração delitiva, alegada pelo ora agravante, para justificar a prisão preventiva da paciente para garantia da ordem pública, não integra os fundamentos apresentados pelo Tribunal a quo, para decretar a prisão da paciente, constituindo inovação. V. Agravo Regimental improvido. (Agravo regimental em Habeas Corpus n. 127876/MG, rel. Min. Assusete Magalhães, Sexta turma, j. 04-12-2012 – sem grifo no original)

No corpo do acórdão, além de fazer referência à impossibilidade da prisão preventiva pelo clamor social, a Ministra ainda menciona a ausência de fundamentação concreta da decisão, fator que, infelizmente, é frequente na realidade judiciária brasileira. Frisa-se:

Como se vê, o acórdão proferido pelo Tribunal a quo, que determinou a custódia cautelar da paciente, é genérico e não apresenta fundamentação idônea, para justificar a prisão preventiva, não se referindo a qualquer fato concreto, quanto à paciente, que demonstre a necessidade da prisão preventiva, para garantia da ordem pública, reportando-se ao clamor público. Contudo, "a mera alusão aos requisitos da custódia cautelar, expressões de simples apelo retórico, bem como relativas à necessidade de coibir a prática de delitos graves e ao clamor público, não são aptos a embasar a medida restritiva de liberdade" (STJ, HC 243.717/BA, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, DJe de 05/09/2012).

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