• Nenhum resultado encontrado

5. Medidas de combate à evasão fiscal internacional

5.3. Medidas unilaterais

No que respeita às medidas unilaterais (as que cada Estado adota no seu ordenamento jurídico) de coibição da evasão fiscal internacional mais comummente utilizadas, salientamos as seguintes.

5.3.1. O regime dos preços de transferência

As medidas de combate à evasão fiscal ao nível dos preços de transferência que têm vindo a ser consagradas nas legislações internas de diversos EM (como por exemplo, em França, na Alemanha e no Reino Unido), têm por base o previsto no artigo 9º do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE sobre o Rendimento e o Património, e consistem, fundamentalmente, em disposições que permitem às Administrações Fiscais corrigirem a margem de lucro contabilística sempre que esta não corresponda à que se verificaria na ausência de relações especiais (Leitão, 2007b).

Os trabalhos desenvolvidos pela OCDE nesta matéria, nomeadamente a Convenção Modelo e os Relatórios «Preços de Transferência e Empresas Multinacionais», de 1979 e 1984, permitiram estabelecer critérios de apreciação e determinação dos preços de transferência, reconhecidos internacionalmente, assentes no princípio de plena concorrência ou “arms length” (Faria, 2003).

Todavia, as dificuldades sentidas ao nível da aplicação prática dos procedimentos constantes nos referidos relatórios, bem como a necessidade de dar resposta aos desenvolvimentos surgidos nos EUA sobre a matéria63, levaram a OCDE à revisão de tais processos, da qual resultaram as novas Diretivas «Transfer pricing Guidelines for Multinational Enterprise and tax Administrations». Destas novas diretivas destaca-se a possibilidade de celebração dos “Advanced Pricing Agreements” (APA´s - acordos de vontade entre a Administração e o contribuinte que

63

Com legislação neste domínio desde 1928, os EUA têm nos dias de hoje a legislação mais aperfeiçoada em matéria de preços de transferência (Faria, 2003).

determinam antecipadamente um conjunto de critérios para determinação de preços de transferência durante determinado período).

5.3.2. Sociedades estrangeiras controladas “Controlled Foreign Corporations”

A legislação destinada a combater a evasão fiscal internacional associada às sociedades estrangeiras controladas, internacionalmente reconhecidas por CFC (Controlled Foreign Corporations) ou “Subpart rules”, existe nos EUA desde 196264.

Estas têm por objetivo não permitir que, mediante recurso a sociedades de base, os residentes de um Estado evitem ou difiram a tributação a que estariam sujeitos.

Posteriormente, outros países como a Alemanha e o Canadá em 1972, o Japão em 1978, a França em 1980 e o Reino Unido em 1984, adotaram disposições semelhantes nos seus ordenamentos jurídicos (International Tax Avoidance and Evasion, four related studies, 1997, p. 35 e ss apud Leitão, 2007b).

No Relatório de 1998 (p. 40) a OCDE recomendou que os países que ainda não tivessem adotado legislação relativa às CFC as viessem a adotar.

Nos termos da legislação CFC, são imputados aos sócios residentes, na proporção da sua participação e independentemente de ter havido ou não distribuição de lucros, os rendimentos auferidos pelas sociedades de base por eles controladas.

Contudo, a aplicação geral da legislação CFC às sociedades estrangeiras controladas independentemente da jurisdição em que são residentes (método mundial “transactional approach”) apenas existe nos EUA e no Canadá. Países como a Alemanha, o Japão, a França e o Reino Unido restringem a aplicação destas disposições às sociedades residentes em paraísos fiscais (método da jurisdição “jurisdictional approach”) (Faria, 2003) (Leitão, 2007b).

Por outro lado, no que respeita ao tipo de rendimentos abrangidos pela legislação CFC, teoricamente os países que adotam o método mundial aplicam-no apenas a certos rendimentos qualificáveis (método da transação “transactional approach”), enquanto que nos países que adotam o método da jurisdição o regime é aplicável a todo lucro da CFC (método da entidade “entity approach”) (Faria, 2003). Diz-se teoricamente, porque na prática o que alguns países adotam são métodos mistos em virtude das isenções contempladas no regime.

64

Normativo baseado na legislação de 1937 relativa às personal holding companies, introduzido como “Subpart F” do

Por fim, importa referir que estes regimes de desincentivo à transferência de capitais para as sociedades de base e consequente fuga aos impostos contêm ainda, de uma forma geral, disposições destinadas a evitar a dupla tributação económica em caso de distribuição de dividendos (Leitão, 2007b).

5.3.3. A adoção do princípio da substância sob a forma

Uma outra medida destinada a combater a evasão fiscal internacional, consiste na adoção no ordenamento jurídico de um país ou por parte dos tribunais como um princípio de interpretação, do princípio da substância sob a forma. Este, traduz-se numa cláusula geral antiabuso que atesta “a atribuição de uma primazia à realidade económica da operação sobre a forma juridicamente adotada” (Faria, 2003).

A aplicação deste princípio a operações efetuadas por intermediários localizados em território de regime fiscal privilegiado, cujo único propósito é evitar a tributação, pode levar à desconsideração de tais operações.

A cláusula geral antiabuso é aplicada em países como os EUA, a Alemanha, a Holanda, a França, a Áustria, a Bélgica, o Canadá e o Reino Unido (Faria, 2003).

5.3.4. A inversão do ónus da prova

A inversão do ónus da prova, como forma de luta contra a evasão fiscal associada à utilização dos paraísos fiscais, é uma solução adotada em países como a França e a Bélgica.

O regime consiste da não aceitação, em princípio, como encargos dedutíveis para efeitos fiscais, determinados pagamentos executados a sociedades instaladas em paraísos fiscais, a menos que o contribuinte efetue prova de que, por um lado, as despesas correspondem a operações verdadeiras e, por outro, que elas não apresentam um caráter anormal ou exagerado (Leitão, 2007b).

A aplicação deste regime a países com os quais se tivesse celebrado a Convenção Modelo da OCDE em matéria de tributação de rendimento e do património, colocou em causa o respeito pelo artigo 24ª da Convenção, disposição especial sobre não discriminação, tendo a OCDE considerado que este tipo de medida não atenta contra o princípio da não descriminação (International Tax Avoidance and Evasion, four related studies, 1997, p. 59 apud Leitão, 2007a).

5.3.5. Subcapitalização

Para reagir contra esta forma de evasão fiscal os países recorrem a dois tipos de medidas, uns como o Reino Unido, a França, os Países Baixos e a Itália, recorrem a cláusulas gerais antiabuso, outros, como a Alemanha, o Canadá, os EUA, a Austrália, o Japão e Portugal optam por disposições específicas (Leitão, 2007b).

Estas, consistem numa “apreciação casuística tendo como referência o ratio de endividamento que, na ausência de relações especiais, em circunstâncias análogas e em condições de mercado concorrencial, seria estabelecido, ou pela pré-fixação de um ratio, de aplicação genérica ou não” (Faria, 2003). No caso de pré-fixação de um rácio de endividamento65, serão aceites para efeitos fiscais, os juros correspondentes ao limite desse rácio, não sendo aceite a dedução dos juros relativos ao excesso de endividamento.

5.3.6. Medidas contra a utilização abusiva das Convenções para evitar a dupla tributação

Efetivamente, as vantagens fiscais oferecidas pelos paraísos fiscais são potenciadas se existir Convenção para evitar a dupla tributação. Os pagamentos efetuados aos sócios ou à sociedade por residentes da parte contratante poderão beneficiar, por uma lado, no Estado fonte, da redução de taxas que estiver estabelecida na Convenção e, por outro, no Estado origem, redução ou eliminação da tributação destes rendimentos, visto tratar-se de um paraíso fiscal (Faria, 2003).

Ao nível do direito interno, a solução encontrada por alguns países no sentido de combater a fuga aos impostos através da utilização abusiva das convenções para evitar a dupla tributação, passa pela não celebração destes acordos com paraísos fiscais.

Apenas a Suíça e os EUA introduziram na sua legislação interna medidas destinadas a reagir contra o “treaty shopping”66.

Quanto ao regime Suíço, o Decreto do Bumdesrat, de 14 de dezembro de 1962 (artigo 2º), estabelece que é considerado abusivo o uso dos tratados fiscais por residentes na Suíça, quando tal permita que parte significativa dos benefícios fiscais seja, direta ou indiretamente, usufruído por pessoa não abrangida pela convenção (Leitão, 2007b).

65

Solução adotada por muitos países, entre os quais Portugal, pela facilidade administrativa que envolve. 66

Apesar de no caso dos EUA, as convenções para evitar a dupla tributação celebradas por estes, que têm por base o Modelo de Convenção dos Estados Unidos, já estabelecem limites à aplicação das convenções.

No que se refere aos EUA, as medidas contra o “treaty shopping” datam da reforma fiscal de 1986, que alterou a section 884 do International Revenue Code, que determina não poderem ser consideradas pelos EUA como sociedades residentes em outros Estados contratantes, (ou seja, consideradas pelos EUA como sociedades residentes em Estado com o qual os EUA tenham celebrado convenção) as empresas em que:

a) mais de 50% do capital pertença a pessoas que não sejam residentes nesse outro Estado contratante ou que não sejam nacionais ou residentes nos EUA; ou

b) que mais de 50% do seu rendimento seja usado em pagamentos de dívidas a pessoas que não são residentes nesse Estado contratante ou nos EUA (Leitão, 2007b).

As dificuldades colocadas pelo primado do direito internacional sobre o direito interno levam, a que as medidas destinadas a reagir contra o uso abusivo das convenções para evitar a dupla tributação se processe fundamentalmente ao nível internacional (medidas bilaterais ou multilaterais).

Por fim, relativamente às medidas unilaterais, não podíamos deixar de sublinhar que estas padecem de grandes limitações: não são adotadas por todos os Estados, visam apenas aspetos específicos da evasão fiscal, e revelam, por vezes, dificuldades de aplicação prática pela dificuldade de acesso a informação relevante (Faria, 2003).