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O caso da Zona Franca da Madeira

2. A difícil regulação da concorrência fiscal prejudicial

2.4. O caso da Zona Franca da Madeira

O regime do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM) ou Zona Franca da Madeira53 (ZFM) tem vindo a ser analisado quer no contexto da UE, à luz dos princípios do Código de Conduta, quer pela OCDE.

Desde o início dos trabalhos, a este propósito, a posição portuguesa divergia da posição da Comissão Europeia. Portugal sempre entendeu que não fazia sentido qualificar com caráter prejudicial, medidas autorizadas ao abrigo do regime dos auxílios de estado, como é o caso do regime da ZFM, estando em causa direitos adquiridos.54 Por outro lado, não concordava com o facto da avaliação da ZFM ser efetuada por categorias, propiciando uma avaliação distinta das diversas componentes, uma vez que, o regime foi autorizado como auxílio de estado nas suas diversas componentes, logo, o mais lógico seria uma avaliação em bloco (Santos, 2002).

Contudo, a avaliação foi prosseguindo e das 14 medidas portuguesas avaliadas55, apenas uma, a medida relativa aos serviços financeiros, foi qualificada como prejudicial, no Relatório Primarolo de 1999.56

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O tema da ZFM será abordado por nós de forma mais pormenorizada no ponto 7.4.2 deste trabalho. 54

O regime da ZFM configura-se, a nível comunitário, como um auxílio de estado, nos termos do n.º 3 do artigo 87º do Tratado CE (versão compilada publicada no JO n.º C 321E, de 29 de dezembro de 2006).

Autorizado pela Comissão, pela primeira vez, em 1986, dado o nível de vida da população anormalmente baixo e a grave situação de desemprego, tem como objetivo fundamental contribuir para o desenvolvimento económico e social da região. Trata-se de um regime de auxílios fiscais na zona franca constituído por um registo internacional de navios, uma zona franca industrial, um centro de serviços financeiros e um centro de serviços internacionais, previsto no então artigo 41º do EBF, atual artigo 33º (Auxílio Estatal 204/86 – carta SG(87)D/6736 de 27.5.1987). De acordo com a autorização, o período de aplicação do regime fiscal preferencial era limitado a três anos, a contar da data do primeiro caso concreto abrangido. No entanto, a comissão veio a autorizar a prorrogação do regime por duas vezes, por períodos adicionais de, respetivamente, três e seis anos (Auxílios Estatais E13/91 – carta SG(92)D/1118 de 27.1.1992, e E19/94 – carta SG(95)D/1287 de 3.2.1995). Nos termos desta última prorrogação, o regime era aplicável às entidades licenciadas até 31 de dezembro de 2000 e a concessão de benefícios até 31 dezembro de 2011. Para que o regime pudesse vir a ser aplicável às entidades licenciadas desde 1 de janeiro de 2001, seria necessário obter nova autorização da Comissão. 55

Os regimes fiscais sob análise (nove por autoconfissão e cinco por denúncia de outros países) foram: Categoria A (sociedades holdings) – Sociedades Gestoras de Participações Sociais; Categoria B (serviços financeiros e sociedades

offshore) – Zonas Francas da Madeira e da Ilha de Santa Maria e Sociedades de resseguro; Categoria C (medidas

sectoriais específicas) – regime shipping - Registo Internacional de Navios da Madeira e crédito fiscal por despesas de investigação e desenvolvimento; Categoria D (auxílios de caráter regional) – Zona Franca Industrial e crédito de imposto negociável para projetos de reestruturação em áreas de depressão; Categoria E (outras medidas) – micro e pequenas empresas, incentivos fiscais ao investimento de natureza contratual, crédito fiscal ao investimento, mais-valias reinvestidas, sociedades de gestão de investimentos imobiliário, amortizações aceleradas e fundos de investimentos; e Categoria F (territórios dependentes ou associados) – os regimes de Timor-Leste e de Macau.

Note-se, que das medidas avaliadas, três, referiam-se ao regime de auxílios na zona franca (a relativa aos serviços financeiros, o registo internacional de navios e a zona franca industrial).

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Portugal conseguiu fazer prova da não prejudicialidade das restantes medidas, pelo que, foram excluídas da lista final.

Quanto à zona franca industrial, embora se registe uma tributação significativamente inferior à que resultaria da aplicação do regime geral, a medida acabou por não ser considerada como prejudicial. Denota-se que o grupo do Código de Conduta acabou por ser mais benevolente com este tipo de atividades (não móveis)(Santos, 2002).

Esta decisão foi contestada por Portugal (nota de rodapé n.º 8 do Relatório Primarolo), nomeadamente por não ter sido analisado e discutido, à semelhança do que ocorreu com relatórios de outros EM, um relatório apresentado onde se fundamentava o acionamento da cláusula de exclusão do caráter prejudicial prevista no ponto G do Código, pelo que, a medida não foi devidamente avaliada no âmbito do ponto G do Código. De referir, que a medida não foi sequer objeto de qualquer votação, apenas se tendo feito ouvir, em favor da qualificação de medida com caráter prejudicial, a Comissão (Santos, 2002).

Note-se, que no contexto dos trabalhos sobre a concorrência fiscal levada a cabo pela OCDE, as atividades financeiras realizadas no CINM viriam a ser novamente qualificadas como potencialmente prejudiciais no Relatório de Progressos dos Trabalhos do Fórum de 2000.

Neste contexto, em março de 2002, Portugal apresentou um novo pedido de auxílios de estado para a ZFM que não abrangia os serviços financeiros. Assim, a 11 de dezembro de 2002 (setores da zona franca industrial e dos serviços internacionais) e a 22 de janeiro de 2003 (setor do shipping), foi aprovado pela Comissão Europeia o novo regime de auxílios de estado da ZFM (auxílio estatal 222/A/2002 e N 222/B/2002). Este novo regime é aplicável às entidades licenciadas durante o período de 2003 a 2006, podendo estas usufruir dos auxílios concedidos, até 31 de dezembro de 2011, à semelhança do anterior regime (Palma & Lobo, 2006).

Face às alterações introduzidas no regime de auxílios de estado da ZFM, conclui-se, quer no contexto do Código de Conduta quer na OCDE, que as medidas prejudiciais tinham sido abolidas, sendo que em ambas as instâncias ficou salvaguardada a concessão de benefícios do regime.

Face ao exposto na primeira parte deste trabalho, encontramo-nos perante um amplo movimento de combate e controlo às práticas tributárias prejudiciais da concorrência. Na terceira parte do trabalho, abordaremos algumas das formas de utilização dessas práticas com vista à evasão fiscal, designadamente, os paraísos fiscais, evidenciando as medidas de combate e controlo adotadas.

Parte III