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3.1 Recuperação Judicial

3.1.1 Meios de recuperação da empresa

Já que a recuperação judicial é uma medida que tenta viabilizar a superação da crise econômico-financeira do empresário devedor, o legislador, na criação da Lei 11.101 de 2005, especificamente no artigo 50, listou exemplos de meios de recuperação da empresa.

Trata-se de uma lista meramente exemplificativa, pois não há impedimento na escolha de outros meios que sejam viáveis para a superação da anormalidade econômica. São os próprios interessados que devem ajustar a escolha dos melhores meios de recuperar a empresa. Assim, de acordo com Fábio Ulhoa Coelho (2011(A), p. 202):

O empresário individual ou os administradores da sociedade empresária interessada em pleitear o benefício em juízo devem analisar, junto com o advogado e demais profissionais que os assessoram no caso, se entre os meios indicados há um ou mais que possam mostrar-se eficazes no reerguimento da atividade econômica.

Vale lembrar que, além do rol estabelecido pelo legislador falimentar ser exemplificativo, é possível a combinação de mais de um meio para, assim, segundo Gladston Mamede (2009, p. 215) “chegar a um modelo que atenda aos diversos direitos e interesses que convergem ao juízo universal da recuperação”.

A escolha de um ou mais meios a seguir mencionados, ou a opção por qualquer outra medida cabível, a depender do caso concreto, desde que tenha por objetivo a superação da crise econômico-financeira, necessariamente deve ser votada em assembléia geral para aprovação pelos credores.

Dentre as medidas disponibilizadas pelo legislador no artigo 50, da Lei 11.101 de 2005, tem-se:

I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas e vincendas;

II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;

III – alteração do controle societário;

IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;

V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;

VI – aumento de capital social;

VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;

VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;

IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiros;

X – constituição de sociedade de credores;

XI – venda parcial dos bens;

XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;

XIII – usufruto da empresa;

XIV – administração compartilhada;

XV – emissão de valores mobiliários;

XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.

Apesar de todos os meios concedidos no artigo 50 pelo legislador falimentar atingirem indiretamente os trabalhadores da sociedade empresária em recuperação, tratar-se-á, a seguir, apenas daquele que atinge diretamente os trabalhadores, por ser o objetivo do presente trabalho.

Discorre o inciso VIII do referido artigo sobre a possibilidade de negociação das obrigações ou do passivo trabalhista, com a redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, desde que sejam observadas as regras atinentes a cada caso. Assim, só pode haver essa negociação entre o devedor empresário e os credores trabalhistas se for estabelecida por acordo ou convenção coletiva, conforme dispõe o inciso VI do artigo 7º da Constituição Federal7. Ainda ressalva-se que a Constituição Federal, também no artigo 7º, contempla a possibilidade de redução da jornada e compensação de horários, mediante acordo ou convenção coletiva (inciso XIII8).

Com isso, o legislador falimentar teve a cautela de manter o inciso em questão em conformidade com o que dispõe a legislação federal. Ainda assim, de acordo com Amador Paes de Almeida (2012, p. 332), o inciso VIII do artigo 50 da Lei

7 Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

VI – irredutibilidade de salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo.

8 XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

de Falência merece crítica. Diz o autor que o legislador falimentar, com a intenção de proteger os créditos bancários, não hesitou em cominar ao trabalhador os riscos da atividade econômica, “acenando com a possibilidade de a recuperação da empresa alicerçar-se em sacrifício do obreiro e a sua família, ignorando, outrossim, a natureza alimentar do salário”.

Apesar da explanação do doutrinador Amador Paes de Almeida, a questão deve ser analisada não só levando em consideração a possibilidade do trabalhador submeter-se a sacrifícios, pois, na pior das hipóteses, se a empresa cessasse seu funcionamento, ocorreria demissão em massa o que certamente seria mais prejudicial aos trabalhadores do que meros sacrifícios. Então, deve-se levar em consideração a possibilidade que a empresa tem de, ao estabelecer o meio disposto no inciso VIII, superar a crise econômico-financeira.

Muito embora o legislador tenha elencado possíveis medidas a serem adotadas pelo empresário em crise que possam, a princípio, prejudicar o trabalhador e, em contrapartida, as limitações contidas na Constituição da República, a Lei de Falência também impôs uma limitação quanto ao prazo de pagamento dos créditos trabalhistas. Exige a lei que o pagamento deve ser feito em prazo não superior a um ano, como se observa com a leitura do artigo 54 da referida lei:

Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.

Parágrafo único. O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial.

Apesar da legislação falimentar estabelecer o prazo para pagamento das pendências trabalhistas, ela foi omissa quanto ao seu termo a quo, ou seja, foi omissa quanto ao termo inicial do prazo de pagamento, fato este que gerou divergências doutrinárias. Para Gladston Mamede (2009, p. 220), os créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho “serão pagos em 12 parcelas mensais, pagas até o quinto dia útil de cada mês, assim como pode prever que tal saldo em aberto será pago em duas parcelas semestrais, como exemplos”. Entendimento diverso tem Marcelo Papaléo de Souza (2009, p. 197) que considera que o prazo de um ano é contado a partir do dia do ajuizamento do pedido

de recuperação, por ser este mais benéfico aos trabalhadores. Ainda verifica-se uma terceira corrente, na qual Fábio Ulhoa Coelho (2011 (B), p. 443) se filia, cujo termo inicial é o dia do vencimento da obrigação.

Nesse diapasão, Marcelo Papaléo de Souza (2009, p. 196) sintetiza dizendo que:

Uma das preocupações do legislador foi limitar o período para o pagamento dos credores trabalhistas e decorrentes de acidentes do trabalho e estipular uma forma de amenizar os prejuízos dos trabalhadores, decorrentes do não recebimento dos salários.

Por derradeiro, tem-se que o(s) meio(s) de recuperação da empresa utilizado(s) deve(m) ser apresentado(s) juntamente com o plano de recuperação judicial pelo devedor. Assunto este a ser tratado na sequência.