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Memória de operários – do entusiasmo nas grandes greves ao anoni-

Constituído por duas etapas autônomas, mas complementares, o capítulo anterior nos apresenta um panorama do início da trajetória cinematográfica de Eduardo Coutinho, de sua vinculação ao CPC-UNE, passando pelos projetos por ele assinados como roteiris- ta/diretor, até culminar em sua experiência no Globo Repórter, período marcado pela a- prendizagem e pela negociação permanente (entre a aprovação de uma proposta ou outra, era preciso acatar as imposições da emissora carioca). Num segundo momento, centramos o foco da abordagem na releitura de duas obras realizadas por Eduardo Coutinho nos anos de 1980, os documentários Cabra Marcado e O Fio da Memória. Apesar da matéria-prima relativamente comum a ambos, a memória em suas configurações individual e social, e malgrado algumas diferenças estilísticas, os dois filmes resultaram em propostas originais, porém acolhidas de formas díspares tanto pela intelligentsia quanto pelo próprio cineasta – os elogios ostensivamente dispensados ao primeiro título são restritos quando a segunda obra é posta em avaliação, apesar de seus méritos evidentes.

Aprofundando o diálogo iniciado anteriormente, o presente capítulo amplia a investi- gação da emergência do binômio memória individual/social na obra de Eduardo Coutinho, a partir da leitura atenta do filme Peões, produção iniciada em 2002 e exibida nos cinemas em 2004. Um trajeto analítico que, de forma interdependente, concilia as seguintes etapas: um conciso, mas pontual olhar sobre os principais documentários que, no calor dos aconte- cimentos, abordaram as greves operárias do ABC paulista ocorridas no final dos anos de 1970 (obras com as quais Peões, apesar das diferenças, dialoga inevitavelmente); uma ava- liação pormenorizada do filme de Eduardo Coutinho, ressaltando a centralidade da memó- ria em sua tessitura e o uso recorrente da imagem enquanto instrumento de convocação mnemônica; e uma leitura afetiva de Boca de Lixo, notável documentário de Coutinho, que, além de ratificar a dinâmica memorialística posta em pauta nesta unidade, e de recorrer à imagem como canal de aproximação/mediação entre os sujeitos em cena, acata o imprevis- to e a indeterminação, submetendo-se aos riscos do real (Comolli, 2008). Finalizo o capítu- lo com algumas considerações sobre a primazia da fala na obra do cineasta: uma arte que, supostamente, colocaria em segundo plano sua dimensão visual para ressaltar a eloqüência

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e a desenvoltura verbal dos personagens. Em outras palavras: como entender tal privilégio concedido à oralidade?

2.1 – A classe operária vai ao paraíso?

Em sintonia com algumas teses de Jean-Claude Bernardet, Maria Carolina Granato desenvolveu sua pesquisa de doutorado69 sobre o vínculo que se estabeleceu, em fins dos anos de 1970, entre três cineastas e os movimentos grevistas que eclodiram na região do ABC paulista, mais especificamente no município de São Bernardo do Campo, então o epi- centro da indústria automobilística brasileira. Num primeiro momento, Granato, em diálogo com o ensaísta, argumenta que o Cinema Novo teria sido indiferente à luta operária dos anos de 1950/1960, em virtude da aliança dos cineastas com a burguesia – deste modo, à época, o tipo popular que desponta nas telas é o camponês carente de conscientização em sua luta contra o latifúndio, e não o trabalhador das fábricas70. Todavia, reconhece a histo- riadora, no final da década de 1970, é possível a identificação de um movimento inverso: um fascínio dos cineastas com a classe operária, um flerte com a causa metalúrgica e sindi- cal.

O que justificaria tal aproximação? Amparada nas hipóteses de Bernardet, Granato sugere ter havido uma afinidade de consciências71; em outros termos, os cineastas aderiram às reivindicações dos metalúrgicos porque estas coincidiam com as exigências dos diretores e da equipe técnica na queda de braço em voga na indústria cinematográfica (2008, p. 5 a 7). Feitas as devidas ressalvas, a luta por direitos trabalhistas neste campo profissional não divergia da reivindicação nas fábricas. De forma mais precisa, Granato sugere que a con- vergência de sensibilidades teria ocorrido em virtude da cristalização dos embates capitalis- tas na seara cinematográfica, opondo produtores/distribuidores versus diretores, bem como estimulando a luta dos técnicos pelo reconhecimento e valorização do seu trabalho (esforço

69 - SILVA, Maria Carolina Granato da. O Cinema na Greve e a Greve no Cinema: Memórias dos Metalúrgi- cos do ABC. Tese de Doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Fe-

deral Fluminense, sob orientação da Profa. Laura Antunes Maciel. Niterói, 2008.

70 - Creio que a inspiração evidente da autora, aqui, são as teses clássicas propostas pelo ensaísta na obra Bra- sil em Tempo de Cinema, livro que propõe uma avaliação dos primeiro ciclo cinemanovista, destacando preci-

samente seu vínculo com a burguesia e sua omissão ante a luta operária.

71 - Penso que o diálogo maior aqui se dá com as idéias esboçadas nos volumes Cinema Brasileiro: Propostas para uma História e Historiografia Clássica do Cinema Brasileiro, ambos de Bernardet.

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que já se dava no âmbito legislativo em forte oposição à tradicional exploração ocorrida nos

sets).

Granato, todavia, também não afasta a hipótese de que a emergência do operário nas telas – em filmes ficcionais e documentais –, num contexto de expansão da Embrafilme, possa derivar mais do feeling artístico dos diretores/produtores, do que propriamente de uma afinidade política evidente. No entanto, devido ao perfil singular dos realizadores que direcionaram o seu olhar para o ABC paulista neste contexto de greves, é difícil estabelecer generalizações. Sem dúvida, Leon Hirszman, Renato Tapajós e João Batista de Andrade possuíam uma trajetória vinculada à esquerda e naturalmente inclinada à causa metalúrgica. No entanto, à época, cada um dos três, como destaca a historiadora, se encontrava num ponto diferenciado do tabuleiro cinematográfico do País, defendendo posições nem sempre coincidentes; do mesmo modo, cada um deles, ao voltar suas lentes para os grevistas, pare- ce ter atendido a um “chamado vocacional” diferente72

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Dividida em duas partes, a tese de Granato, num primeiro momento, analisa o cinema

na greve. Ou seja, o flerte do campo cinematográfico com o universo metalúrgico, no con-

texto das paralisações, bem como o vínculo dos cineastas com os sindicatos e suas reivindi- cações, e os métodos de filmagem por eles empregados para registrar tal efervescência. A etapa final, intitulada a greve no cinema, acompanha a produção e finalização destes filmes, sua circulação e recepção nos centros urbanos do Sudeste, tanto pela imprensa quanto pela categoria operária. Contabilizando as duas etapas da tese, Granato adota como recorte ana- lítico dez produções, entre documentários e ficções.

Diante da impossibilidade de acesso a todos estes títulos, bem como em virtude dos objetivos delimitados para o presente capítulo, definimos um escopo menor para nossa lei- tura. Dessa forma, direcionaremos o olhar para os documentários Greve! (1979), de João Batista de Andrade; Linha de Montagem (1982), de Renato Tapajós; e ABC da Greve (1990), de Leon Hirszman; obras com as quais Peões, de fato, estabelece algum diálogo73.

72 - Inspiro-me aqui na idéia de “vocação” defendida pelo sociólogo Max Weber em dois de seus títulos: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo; e Ciência e Política: Duas Vocações.

73 - Desta triagem, ficam intencionalmente excluídas obras importantes do período como os longas O Homem Que Virou Suco (1980), de João Batista de Andrade, e Eles Não Usam Black-Tie (1981), de Hirszman. A

justificativa é simples: apesar de relevante e de flertar com o movimento operário, a produção ficcional não interessa aos propósitos desta pesquisa. Eventualmente, se necessário, poderemos estabelecer referências a um ou outro filme.

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Porém, antes de nos lançarmos à avaliação de tais filmes, cabem algumas considerações sobre o episódio histórico documentado nestes títulos e referido neste trabalho: precisamen- te as greves gerais que despontaram no ABC paulista nos anos de 1979 e 1980.

Sobre tais eventos, nos informa Granato, tem havido leituras controversas. Paralela- mente ao esforço dos metalúrgicos de produzirem sua história (empenho partilhado pelos cineastas), houve, de início, o silêncio de muitos intelectuais na academia (2008, p. 13). Com o avanço dos anos e o distanciamento histórico, multiplicaram-se as análises sobre as greves do ABC, sem que as diferenças de interpretação fossem apaziguadas. Em outras palavras, persistem dúvidas como: quais os resultados concretos obtidos pela paralisação ostensiva dos metalúrgicos? Houve vitória ou derrota da categoria? É preciso salientar que as opiniões oscilam não apenas entre um e outro olhar acadêmico, mas também no seio da militância operária74. E, conforme o ajuste focal, um e outro consideram as greves bem- sucedidas ou fracassadas em seus propósitos (p. 25 e 31). No entanto, como sugere a histo- riadora, apesar da pluralidade de leituras, algumas generalizações são possíveis: se não houve ganhos financeiros reais, para alguns foi inegável o ganho político, a projeção do movimento sindical e de seus líderes, o fortalecimento do operariado, e a contribuição deste episódio para o lento processo de redemocratização (destacando-se, neste cenário, a funda- ção do Partido dos Trabalhadores – PT). Alguns estudos também se referem à qualidade da produção cultural que aflorou em sintonia com o vigor das greves.

Todavia, nesta tese, não nos interessa discutir a multiplicidade de interpretações rela- cionadas ao movimento grevista do ABC; tampouco avaliar suas vitórias, recuos ou derro- tas, enumerar justificativas ou propor explicações para as ações dos metalúrgicos... Ao en-

74 - Enumero, a seguir, uma breve lista de obras, acadêmicas ou não, que analisam este momento específico da história brasileira, com resultados nem sempre convergentes:

ABRAMO, Laís. O Resgate da Dignidade: Greve Metalúrgica e Subjetividade Operária. São Paulo: Impren- sa Oficial, 1999.

ANTUNES, Ricardo. A Rebeldia do Trabalho. Campinas: Ensaio, 1988.

MOREL, Mário. Lula, o Metalúrgico – Anatomia de uma Liderança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. MARONI, Amnéris. A Estratégia da Recusa (Análise das Greves de Maio/1978). São Paulo: Brasiliense, 1982.

PARANHOS, Kátia. Mentes que Brilham (Sindicalismo e Práticas Culturais dos Metalúrgicos de São Ber-

nardo). Tese de Doutorado defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.

Campinas, 2002.

RAINHO, Luiz Flávio. Os Peões do Grande ABC. Petrópolis: Vozes, 1980.

RAINHO, Luiz Flávio, e BARGAS, Osvaldo. As Lutas Operárias e Sindicais em São Bernardo. 1º Vol. São Bernardo: Fundo de Greve, 1983

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fatizar a pluralidade de leituras em torno destes eventos, nosso objetivo é destacar a ambi- güidade comum às investigações que solicitam o esforço rememorativo e se pautam pela história oral – situação exemplificada pela maior parte dos trabalhos produzidos sobre os metalúrgicos do ABC. Em outras palavras, a riqueza de tais pesquisas é a imprecisão, a inexatidão decorrente das configurações flutuantes da memória, que impedem a fixação de qualquer veredicto histórico definitivo75. Neste capítulo, ressalto, nosso propósito é tão so- mente analisar o “foco cinematográfico” em torno das greves do ABC, é cotejar a aliança entre cineastas e metalúrgicos e avaliar esta herança documentária – o que nos dizem tais filmes e como o dizem? Leitura que, reconhecemos, será limitada, uma vez que a obra que nos interessa analisar com profundidade, embora se deixe fecundar por esta produção e seus protagonistas, só foi lançada em 2004.

2.1.1 – Três cineastas e diferentes visões das greves:

A pergunta de partida76 que mobilizou as investigações de Granato na primeira etapa de sua tese (“O que levou três cineastas a estar no ABC para filmar as greves?”) pode nos orientar neste momento da pesquisa. De forma arguta, a historiadora recorre à noção de

campo77, em Bourdieu, para entender a dinâmica e os interesses em jogo nesta “adesão ar- tística” a uma causa sindical. Como qualquer campo da esfera social, o cinema é atravessa- do por relações de força e disputas por prestígio/financiamento, é palco de rivalidades e acordos, sendo constituído por sujeitos em posições diferentes do tabuleiro (ortodoxia e

heterodoxia são termos empregados pelo sociólogo francês), em condições desiguais de

poder e que adotam estratégias diversas para tentar subverter ou perpetuar tal quadro. Não vou aqui recapitular o estudo já feito por Granato das trajetórias de cada um destes realiza-

75 - A exemplo do que sugere o historiador Alessandro Portelli, “nenhuma história será contada duas vezes de forma idêntica. Cada história que ouvimos é única” (2004, p. 298). Em outras palavras, os sujeitos protagonis- tas de um episódio, ao rememorar tal evento para um ouvinte, sempre recriarão os acontecimentos de forma original, por vezes preservando algo da versão anterior, em outros momentos estabelecendo conexões novas e arbitrárias.

76 - QUIVY, Raymond & VAN CAMPENHOUDT, Luc. Manual de Investigação em Ciências Sociais. Lis- boa: Gradiva, 2005.

77 - Para o conceito de campo, sugiro os seguintes títulos:

BOURDIEU, Pierre. As Regras da Arte – Gênese e Estrutura do Campo Literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

________________. Coisas Ditas. São Paulo: Editora Brasiliense, 2004.

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dores, ressaltando suas aproximações e diferenças, análise elucidativa de suas condutas frente ao episódio histórico por eles documentado. Apenas destacarei algumas pistas que nos ajudarão a entender os filmes e suas inclinações estilísticas. Com o silêncio da grande mídia, sobretudo televisiva, cada um destes diretores elaborou a sua versão da greve, versão que oscila de acordo com a sua posição no campo político e cinematográfico (2008, p. 33). Numa leitura hermenêutica, arrisco-me a dizer que tais filmes nos informariam mais sobre os diretores e os valores partilhados por cada um deles à ocasião do que sobre as greves em si. Todavia, mais relevante do que a identificação de divergências entre as obras, é o reco- nhecimento da complementaridade que as conecta: visto que nenhum dos títulos, pela sua limitação e parcialidade, apreende a complexidade das greves do ABC, apenas o conjunto deles nos possibilita uma compreensão mais sólida do fenômeno78.

Segundo Granato, os três cineastas e suas equipes chegaram a São Bernardo em cir- cunstâncias diversas. Todavia, apesar das diferenças, os seus filmes constituem hoje parcela importante da memória audiovisual das greves, pelo menos na avaliação dos sindicalistas – sem manifestar idêntico envolvimento, as imagens que circulavam antes, produzidas pelas emissoras de TV, eram criticadas pelos metalúrgicos por apresentar apenas o ponto de vista dos empresários (Fiesp) e do Ministério do Trabalho. Não raro, os documentaristas teste- munharam, durante o seu ofício, contínuas manifestações da militância operária contra os repórteres da Rede Globo (2008, p. 101 e 102). Sobre a tríade de realizadores radicada no ABC, envolvida em projetos distintos, podemos traçar o seguinte paralelo: Batista e Tapa- jós fizeram curtas que dialogaram com o movimento, no calor da hora; por outro lado, Ta- pajós e Leon fizeram longas cuja execução e finalização se estenderam um pouco depois das greves (o filme de Leon, na verdade, foi lançado com considerável atraso).

Todavia, quais os nichos de inserção de cada um destes cineastas à época? Que cone- xões ou hiatos podem ser estabelecidos entre eles? De Leon Hirszman, podemos apontar sua relação com o CPC-UNE e o vínculo estreito com o Cinema Novo, bem como a verve acadêmica (era o mais intelectual representante da geração cinemanovista) e o passado de

78 - Intencionalmente, exclui desta triagem o filme Braços Cruzados, Máquinas Paradas (1978), longa de Roberto Gervitz e Sérgio Toledo, uma vez que sua temática se restringe ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, privilegiando o tumultuado contexto para a eleição de sua nova diretoria em 1978. Embora ele seja um prenúncio da renovação dos sindicatos brasileiros e do ressurgimento do movimento operário naquela década, priorizei neste trabalho os títulos unicamente focados no ABC paulista.

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aproximação com o partido comunista. Embora mantivesse boas relações com seus pares, inclusive com João Batista, o núcleo carioca de cineastas, do qual Hirszman fazia parte, não era bem visto pela comunidade dos diretores, devido à sua relação de favorecimento explí- cito junto a Embrafilme. Tal predileção, segundo Granato, teria alimentado oposições: quando Hirszman e Nelson Pereira dos Santos, em meados dos anos de 1970, fundaram a Associação Brasileira de Cineastas Independentes (Abraci), com pretensão nacional, a e- xemplo do que sugere seu nome, os paulistas, por seu turno e tendo Batista à frente, criaram a Associação Paulista de Cineastas Independentes (Apaci), num gesto que demonstra insa- tisfação com a conduta parcial da Embrafilme e que atesta divisões no setor independente do nosso cinema (2008, p. 72).

Batista, também ex-militante do partido comunista, se notabiliza em final dos anos de 1960 pelo teor político de sua cinematografia e por sua “estilística da intervenção” – traço apontado por Bernardet (2003, p. 186 a 292 e p. 259 a 262). Seus documentários da época se destacam pela câmera participativa, enfática e distante da postura meramente observati- va, e pelo papel dramático vivenciado pelo cineasta na tomada; em outras palavras, o dire- tor também assume a condição de personagem, intervindo na cena, produzindo fissuras no real e forjando situações para que os sujeitos por ele abordados (ou provocados) possam se expressar.

Posição diferente, embora não necessariamente oposta, pode ser vislumbrada na obra de Renato Tapajós produzida à época. Ex-integrante da Ala Vermelha (dissidência do PC do B), Tapajós é um cineasta engajado, cujo legado artístico se confunde com a resistência política à ditadura – a exemplos de outros colegas de militância, sua biografia inclui ainda a experiência amarga da prisão e da tortura nos “anos de chumbo”. Granato destaca que, an- tes da experiência de Linha de Montagem, Tapajós se aproximara do Sindicato dos Meta- lúrgicos de São Bernardo, ministrando oficinas de cinema para alguns de seus dirigentes; posteriormente, em 1977, fora recrutado pelo departamento cultural da entidade, para reali- zar três curtas protagonizados por operários. Acidente de Trabalho (1977) sinaliza a estréia da parceria; se, antes, o acidente era abordado em obras didáticas feita pelo patronato e vis- to como resultado da desatenção dos trabalhadores, a obra inverte o jogo e mostra a versão dos metalúrgicos. Para Granato, Tapajós, neste filme, combateu em duas frentes: confere visibilidade ao operário, classe até então pouco referendada pelo cinema brasileiro, e, do

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ponto de vista estético, opõe-se ao documentário sociológico, ao evitar a locução over e priorizar a fala dos sujeitos que vivenciam o drama focado no curta (2008, p. 88).

Diretor conectado aos movimentos sociais pela sua própria biografia, Tapajós, neste título, e ao contrário do que preconizava Batista, ratifica sua proposta de um cinema sem intervenção: uma espécie de dramaturgia da transparência, onde a observação se sobrepõe a interação e a subjetividade do realizador é minimizada em benefício da voz dos persona- gens79. Os outros filmes desta safra foram: Trabalhadoras Metalúrgicas (1978), sobre o 1º Congresso de Mulheres Metalúrgicas do ABC, e Teatro Operário (1978), que documenta a encenação de uma peça escrita e interpretada pelos membros do sindicato. Para Granato, a realização destes curtas com uma mesma equipe e o suporte da entidade, contribuiu para que o grupo encarasse o desafio de filmar Greve de Março, documentário sobre as grandes paralisações de 1979 (2008, p. 92 a 98).

Segundo a historiadora80, o filme teve ainda dois outros títulos – Dia Nublado e o ex- tenso Que Ninguém, Nunca Mais, Ouse Duvidar da Capacidade de Luta dos Trabalhado-

res. A proposta original previa a realização de um projeto de fôlego; porém a intervenção

federal no sindicato dos metalúrgicos e a escassez de recursos provocaram a revisão das intenções iniciais e sua urgente finalização. Filmado entre 22 e 27 de março de 1979, o mé- dia-metragem de 35 minutos fora concluído em 10 de abril – período no qual os sindicalis- tas acataram uma trégua de 45 dias para analisar a proposta patronal. Para compensar a au- sência de imagens dos operários nas emissoras de TV, o filme deveria ter finalidade propa- gandística, mantendo vívida a chama combativa da classe metalúrgica (2008, p. 107 e 108). Não à toa, acrescenta a historiadora, Tapajós reservara mais de 60% do seu tempo de dura- ção para veicular cenas da mobilização operária (grandes contingentes de trabalhadores reunidos). Portanto, diferentemente das paralisações de maio de 1978, de “braços cruzados e máquinas paradas”, deflagradas e mantidas no interior das fábricas, em 1979, o filme de Tapajós nos sugere que, desta vez, os braços operários se encontravam agitados em está- dios, praças, igrejas e outros locais de visibilidade pública (p. 108).

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- As categorias intervenção e transparência, associadas a um ou outro destes dois realizadores, são formu-

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