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DESENVOLVIMENTO OPERATÓRIO: MEMÓRIA E CONTRADIÇÔES

A- MEMÓRIA

3.4 Memória e operatoriedade

Piaget (1973) confirmou a relação entre a memória e a operatoriedade da criança, demonstrando que a forma inferior de memória, memória de reconhecimento, está ligada aos esquemas de hábito, uma vez que os dois referem-se a esquemas sensório-motores e presumem o reconhecimento de indícios e situações. A memória de evocação abrange esquemas de ordem superior que pressupõem os esquemas conceituais e operatórios. O autor deixa claro que, assim como os esquemas são reconstruídos no sistema cognitivo, a memória também se reconstrói ao ser evocada.

Se a memória de reconstituição, que garante a passagem entre a memória de reconhecimento e a de evocação, realmente provém da imitação, ela tem então a mesma origem que a própria imagem mental (capacidade de copiar mentalmente os objetos), permitindo a manipulação simbólica no pensamento, como se os próprios objetos se estruturassem progressivamente, ao passo que as atividades manipuladoras do objeto ou das situações ganham maior complexidade operatória. A diferença entre a imagem mental e a evocação mnêmica está em dois fatores: no primeiro, a imagem mental é um símbolo; no segundo, sendo a

memória um ato de pensamento, envolve juízo de atribuição, de relação e de existência, porque ela não é exclusivamente imagem e compreende esquemas que fazem parte da inteligência, as representações.

Tais representações permitiram a investigação realizada por Piaget em 1973, que se refere à memória e à inteligência, naquele ele trata da memória de curto prazo e da memória de longo prazo, estabelecendo um paralelismo com o desenvolvimento operatório: tendo os instrumentos sugerido a conservação do sujeito, a memória foi relacionada à conservação do esquema operatório, tendo sido observada, também, a partir da reconstrução ou aquisição operatória do esquema, sugerindo melhorias qualitativas na evocação e demonstrando a correspondência da memória com o desenvolvimento operatório.

Segundo essa mesma experiência, a memória de curto prazo apresenta-se como testemunha imperfeita da lembrança se o sujeito não mostrou conservação do esquema relacionado à lembrança a ser evocada. A melhoria da representação do esquema evocado pelo sujeito parece estar relacionada ao progresso do esquema operatório. Essa hipótese foi confirmada nas experiências de Piaget (1973), quando a informação adquirida pelo sujeito em um momento anterior ficou retida na memória de longo prazo e sofreu alguma modificação ao ser evocada novamente, ou seja, o sujeito apresentou modificação também na segunda prova de conservação do esquema evocado.

Concluiu Piaget (1973) que um esquema, ao ser evocado, representa exatamente o esquema correspondente ao nível operatório apresentado pela criança. E a representação apoia-se no esquema operatório e no progresso intelectual do esquema, que parece ser o responsável pela melhoria na representação que fora novamente evocada. Segundo Piaget (1973, p. 410)

“As diversas formas de lembrança tão comparável à da inteligência em seus diversos estágios, mostra uma vez mais a solidariedade fundamental e até a comunidade de natureza da memória e da inteligência, já que se trata de fato dos mesmos estágios e que a evolução do “código” da memória é diretamente uma função da construção das estruturas operatórias”.

Tais construções ocorrem de forma gradual e contínua, passando da memória de reconhecimento à memória de evocação, das percepções a conceitualização das ações, o que corresponde ao desenvolvimento cognitivo.

Nessa gradação, a princípio, o pensamento da criança opera enfocando apenas os aspectos positivos, perceptivos da ação, o que a leva a muitas contradições e desequilíbrio operatório. Porém, quando a criança atinge um nível superior de equilíbrio, as contradições são superadas e ela é capaz de utilizar negações durante a realização de suas ações.

A superação das contradições é necessária para a construção de um estado superior do desenvolvimento cognitivo. Estaria a superação das contradições relacionada à memória e ao desenvolvimento da escrita?

B- CONTRADIÇÕES

Na obra “Investigaciones sobre la contradicción”, Piaget (1974) investigou as relações entre a contradição e o desequilíbrio da ação e do pensamento e preocupando-se com as relações entre a reversibilidade operatória e a equilibração, disse que a superação da contradição consiste na correção do erro de raciocínio, que se manifesta como desequilíbrios antes da tomada de consciência da ação.

Um exemplo disso ocorre quando a criança conclui que uma garrafa de água não pode estar ao mesmo tempo metade cheia e metade vazia. A observação da criança baseia-se em um observável lido diretamente dos fatos imediatos de afirmação. Mas ela também pode afirmar a igualdade das quantidades justificando apenas justificado que a água está na metade da garrafa, e portanto a outra metade está vazia. Quando isso acontece, significa que “a criança foi capaz de coordenar duas situações, de realizar inferências, conseguir superar o observável como leitura imediata de fatos a partir da experiência” (Guerreiro p.13,1998).

Para Piaget (1974), as contradições podem estar voltadas para a dialética do pensamento natural ou para o pensamento lógico formal. As correntes que

defendem as questões dialéticas apontam as contradições como sendo um eixo fundamental para o progresso, tanto consciente como prático. Na dialética as contradições são difíceis de ser delimitadas, porém parecem incluir a questão da tomada de consciência das ações pois, além de naturais, estão relacionadas com o pensamento formalizado. Assim, não se supera uma contradição lógica ou formal sem que ocorram correções locais ou tomada de consciência.

As contradições lógicas formais constituem um erro de cálculo formal de um procedimento que seria adequado evitar, bastando apenas corrigi-lo quando percebido. Essas contradições aparecem por causa da falta de mecanismos formais que supõem uma espécie de pré-correção do erro que, pensamento mais evoluído, consistiria em antecipar os ensaios e resultados ou conceitualizá-los em diferentes níveis, o seja, uma tomada de consciência das ações anteriores.

De maneira geral, as contradições foram explicadas por Piaget (1974) como sendo compensações ou reversibilidades incompletas, falta de identidade e inferências não necessárias. A falta de identidade significa que uma mesma ação não conduz a um mesmo resultado. Dizer que as compensações são incompletas entre a afirmação e negação é o mesmo que admitir a existência de uma parte comum não nula entre uma classe x e sua complementar não-x. As inferências não necessárias significam estabelecer composições não coerentes, resultantes da falta de identidade e compensações incompletas, causando os desequilíbrios das ações no pensamento do sujeito.

Para Piaget (1974), as contradições apresentam-se em três grandes classes. A primeira é a das ações que parecem conduzir a resultados considerados opostos de uma mesma ação, dando a impressão de falta de identidade e são denominadas contradições simples; a segunda, a das compensações incompletas entre as classes de objetos que deveriam ser disjuntas, porque uma classe supõe a negação de alguma propriedade da outra, e se consideram erradas como se houvesse uma parte comum e, em conseqüência, são contraditórias em sua própria composição; e a terceira classe a das contradições que se referem a inferências errôneas, em particular a falsas

implicações que consistem em compensações incompletas entre afirmação e negação.

Outra classificação das contradições é a que admite pseudoscontradições e contradições reais. As pseudocontradições; são conexões, mas falta a relativização das ações, sugerindo contradições. São resultantes de regulações insuficientes das compensações entre as afirmações e negações, e não se sobrepõem em nada às contradições. As contradições reais estão relacionadas à psicogênese do ser ou não ser, conduzindo a noções de deveres nos sujeitos.

Há também outra subdivisão das contradições: as contradições ou conflitos que se produzem entre um esquema de ações ou de operações do sujeito e outro esquema de mesma natureza; e as contradições entre as previsões do sujeito, e que implica decidir entre um esquema antecipador e um eixo exterior que afirma esta previsão. Há contradição ou acordo entre esquemas do sujeito e a única diferença que sucede neste caso é que, durante os conflitos entre esquemas, a correção ou a superação destes efetuam-se mediante acomodações de um ao outro e assimilação recíproca com construção endógena, tanto de negação como de afirmação.

Isso explica o porquê das afirmações e negações estarem presentes, serem essenciais na contradição e superação das mesmas, levando tanto as ações motoras do sujeito, como as ações do pensamento, a um estágio de equilíbrio superior que se refere a compensações completas das ações.

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