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―Que outros vangloriem-se das página que escreveram; a mim orgulham-me as que li. (...) a tarefa que empreendo é ilimitada e há de acompanhar-me até o fim,não menos misteriosa do que o universo e do que eu, o aprendiz.‖

Jorge Luís Borges Na instituição pesquisada, o memorial é exigido como pré-requisito para a obtenção da graduação em pedagogia e é definido como um ―texto de caráter científico, onde o autor descreve a sua trajetória estudantil e profissional de forma crítica e reflexiva‖ A história de vida do professor em formação é transformada, pelo processo de

escrita, em um texto acadêmico, cujo percurso culmina com a construção do memorial. Adquire, por esse viés, um valor social e afetivo para o autor.

O interesse pelos memoriais deve-se, portanto, ao fato de que nesse gênero textual entrelaçam-se, num único movimento, os processos de autoria e de construção identitária. Tratando-se de um gênero autobiográfico, o narrador coincide, enquanto escreve, com o autor empírico do texto. Sendo um texto acadêmico o autor deve,assumir a autoria do texto por ele produzido.

O ―autor‖ será então compreendido como o agente, aparentemente, responsável pela totalidade das operações que darão ao texto empírico seu aspecto definitivo, ou seja, é ―aquele que está na origem‖ do ato de escrever e é por ele responsável (BRONCKART, op. cit). O ―processo de autoria‖ compreenderá os procedimentos cognitivos e metacognitivos que se realizam nas e pelas operações de linguagem, implicadas nos diversos mecanismos enunciativos e de textualização, através dos quais o autor (consciente ou inconscientemente) escolhe, seleciona, organiza e decide sobre o conteúdo temático a ser semiotizado, gerencia e adapta o texto empírico às inúmeras variáveis de sua situação de comunicação. Guiado por emoções, crenças e valores, ele imprime no texto um estilo pessoal.

O estudo dos memoriais orienta-se ainda na perspectiva defendida por Bruner84 (1997), quando sugere que o ―objeto de uma autonarrativa‖ não é o encaixe em alguma ―realidade‖ oculta, mas a obtenção de coerência, vivacidade, adequação externa e interna. A autonarrativa não seria um ―registro‖, mas um relato do que se pensa que se fez em um determinado cenário, de que modo, por que razão. No caso dos memoriais, não se tratará, portanto, de uma ―busca ontologicamente obscura‖ para saber se o relato é auto-enganador ou ―verdadeiro‖, mas de observar como os professores recolocam em ―circulação‖ suas próprias representações.

Miranda e Salgado85 afirmam que o Memorial é um depoimento escrito sobre o processo vivenciado pelo professor cursista, focalizando principalmente a

84 BRUNER, J. Atos de significação porto Alegre, Artmed 1997.

85 MIRANDA, G. & SALGADO, M. 2002. Projeto Pedagógico. Veredas Formação Superior de Professores. Belo Horizonte: SEE-MG.

ressignificação de sua identidade profissional e incorporando reflexões sobre a prática pedagógica, em uma perspectiva interdisciplinar.(MIRANDA e SALGADO, 2002, p.34)

No memorial as bases estruturais bio/psico/sociais do sujeito são colocadas como constituintes desse mesmo sujeito na transmissão de vivências e experiências do indivíduo na sociedade e em sua espécie. Dessa interlocução, observa-se que o Memorial poderia ser definido como um mapa representativo da vida escolar, social e cultural do sujeito, portador de sua história, de sua memória e da memória de sua sociedade, mapa que denota a realidade sócio-histórica e cultural, e o itinerário vivido, encontrando-se na memória, fica tatuado no sujeito. Trata-se, portanto, de uma autobiografia situada nos contextos citados, cuja exposição escrita reflete de forma narrativa a vida e as experiências do autor.

Severino86 reafirma esse pensamento ao dizer:

O Memorial constitui, pois, uma autobiografia configurando-se como uma narrativa simultaneamente histórica e reflexiva. Deve então ser composto sob a forma de um relato histórico, analítico e critico, que dê conta dos fatos e acontecimentos que constituíram a trajetória acadêmico-profissional de seu autor, de tal modo que o leitor possa ter uma informação completa e precisa do itinerário percorrido (SEVERINO, 2001: 175)

É, portanto, sobre este material que nos debruçamos para realizar nossa pesquisa, buscando investigar como este instrumento de avaliação contribuiu para a reflexão da prática pedagógica dos professores. A análise de seus relatos nos proporcionou identificar como a prática pedagógica dos professores que já desempenham a docência, há alguns anos e através da construção de um conhecimento individual e coletivamente, estavam, naquele momento, diante de uma situação nova, de estudo, em que a teoria, levava-os a questionar sobre a possibilidade da articulação do repensar a ação pedagógica, implicando no resultado de uma prática docente diferenciada. Esta foi a principal razão que nos intrigaram a pesquisar.

Para que o trabalho concretize plenamente sua dimensão emancipadora, formadora do homem, é necessário que ele não separe as funções de concepção e execução, atribuindo-as a pessoas diferentes, posicionadas em níveis hierárquicos

opostos, que não desconecte a teoria e a prática. Em outras palavras, o trabalho libertador não retira do trabalhador a Transformação: o memorial como instrumento da prática pedagógica compreensão dos objetivos de seu trabalho, nem o domínio do processo global da produção, bem como a ele permite usufruir do produto do seu trabalho. (ARANHA, 1996, p.107)

O Memorial traz, em seus relatos, a concretude do trabalho docente, que em contacto com a teoria e as reflexões do cotidiano escolar, processam a espiralidade da interação da teoria e prática, assim, cada professor passa a sentir-se ―dono‖ do seu espaço de educador. Caminhar por essas afirmações foi o que possibilitou a ver o ressignificar do papel de professor.

Assim, efetiva-se o presente estudo com o foco nos Memorais dos (a) alunas, por considerar a importância de aprofundarmos o olhar neste instrumento de avaliação, que foi o eixo síntese de todo o curso, pois nele, o aluno, mantém um diálogo constante com seu fazer pedagógico frente às novas aprendizagens oportunizadas pela participação do curso de Pedagogia PROGRAPE.

Miranda e Salgado87, afirmam que:

Valorizar o saber que produz em seu trabalho cotidiano, empenha-se no próprio aperfeiçoamento e tem consciência de sua dignidade como pessoa e como profissional. Assim, é um ser humano capaz de continuar aprendendo e um cidadão responsável e participativo, integrado ao projeto da sociedade em que vive e, ao mesmo tempo, crítico de suas mazelas. (MIRANDA & SALGADO, 2002, p. 21)

O memorial age como um fio condutor que vai contornando os diversos feixes da construção deste saber, sem uma pretensão de linearidade, mas que provoca uma reflexão constante no seu agir, apontando para uma dimensão participativa, não apenas no intramuros da escola, mas que extrapola para a prática de uma cidadania responsável. Desta forma, ao propormos através das análises dos Memoriais, estabelecer um diálogo entre o fazer pedagógico e a teorização, já estamos permitindo

87 MIRANDA, G. e SALGADO, M. 2002 Projeto Pedagógico Veredas Formação Superior de Professores. Belo Horizonte, SEE –MG.

um ponto de abertura para que o movimento de ação – reflexão - ação possa ser vislumbrado, pois como afirma Arroyo88:

Se tomamos como objeto de nossas pesquisas as relações entre trabalho e educação, assumimos o trabalho como princípio educativo e a centralidade do trabalho humano como constituinte da condição humana, nosso dialogo com a teoria e a prática pedagógica e com os profissionais que pesquisam e que fazem a educação escolar deveria ter sido constante e fecundo. Estamos no mesmo campo. (ARROYO, 2000, p.139)

Com o objetivo de contribuir para um diálogo, surge a necessidade de partilhar esta trajetória de formação que ultrapassou os limiares da questão profissional, tendo, portanto, um caráter de formação plena do aluno, enquanto sujeito de saberes.