• Nenhum resultado encontrado

As memórias da Guerrilha do Araguaia construídas pelo tenente José Vargas Jiménez em seus livros: a narrativa da guerrilha na visão do “combatente de selva”

3. A DISPUTA PELO PASSADO DA GUERRILHA DO ARAGUAIA: A ESCRITA DOS MILITARES

3.3 A escrita da Guerrilha do Araguaia através das memórias dos combatentes no Araguaia

3.3.1 As memórias da Guerrilha do Araguaia construídas pelo tenente José Vargas Jiménez em seus livros: a narrativa da guerrilha na visão do “combatente de selva”

271 MORAIS; SILVA, 2005; STUDART, 2006; NOSSA, 2012. 272 GUERRA, 2008; CORRÊA, 2014.

Em 2007, o então tenente-coronel José Vargas Jiménez publicou o seu primeiro livro de memórias narrando a sua participação durante a terceira campanha militar no Araguaia: Bacaba: memórias de um guerreiro de selva da Guerrilha do Araguaia. Financiado com recursos próprios, a obra, segundo o próprio autor, provocou algumas reações dentro dos setores militares, o que o teria levado, em 2011, a escrever um outro livro, relatando essa repercussão: Bacaba II: toda a verdade sobre a Guerrilha do Araguaia e a Revolução de 1964. As repercussões segundo o autor foram: sindicância instituída pelo Comando Militar do Oeste, o qual ele era subordinado; audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e

Minoria da Câmara dos Deputados; e audiência pública na Comissão Especial da Anistia.273

Dessa maneira, seu segundo livro seria, na versão do tenente José Vargas, uma resposta às repercussões de sua primeira obra, além da narrativa da sua “verdade” para a “Revolução de 1964”. Consideramos, para efeito de análise de suas memórias, as duas obras, pois, como os próprios títulos sugerem, uma é continuação da outra.

Para falar um pouco sobre a vida do temente José Vargas Jiménez, utilizei os dados biográficos contidos no seu livro de memórias Bacaba: memórias de um guerreiro de selva da Guerrilha do Araguaia.274 Nessa obra, tem-se uma breve biografia do autor, destacando, sobretudo, a sua carreira militar, os cursos realizados e as funções nas quais atuou. Segundo essa obra, José Vargas Jiménez nasceu em 1948, em Corumbá (MS). Entrou para o Exército no 17º Batalhão de Caçadores (1967), em Corumbá. Em 1972, José Vargas foi transferido para a 1ª Companhia do 3º Batalhão de Fronteiras, na Colônia Militar do Oiapoque, com sede em Clevelândia, do norte no Amapá. Foi um militar que se aperfeiçoou na área de guerra em selva e, por isso, em 1973, foi selecionado para atuar no combate aos militantes do PC do B

no Araguaia, fazendo parte da chamada terceira operação militar.275 Atualmente residia em

Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Faleceu em 31 de agosto de 2017, aos 68 anos, provavelmente vítima de suicídio.

273

JIMÉNEZ, 2011, p. 85-100. 274 JIMÉNEZ, 2007.

275 JIMÉNEZ, 2007, p. 26-27. É importante frisar que, durante o período de escrita deste trabalho, mais precisamente em 31 de agosto de 2017, o tenente José Vargas Jiménez (Chico Dólar), com 68 anos, foi encontrado por sua esposa caído no chão do quarto do casal. De acordo com informações dos jornalistas Osvaldo Júnior e Guilherme Henri, o tenente teria cometido suicídio disparando dois tiros contra o peito. Socorrido com vida, não resistiu à cirurgia e veio a falecer. Entretanto, os jornalistas destacaram que os familiares não comentaram o que teria motivado o suicídio. Ainda na matéria, destacam a pouca repercussão de sua morte na mídia. Ver: https://www.campograndenews.com.br/politica/defensor-da-ditadura-chico-dolar-e-encontrado- morto-com-2-tiros-no-peito. Acesso em: 18 abr. 2018.

Figura 10 - Capa do livro Bacaba: memórias de um guerreiro de selva da Guerrilha do Araguaia. JIMENEZ, 2007.

Fonte: Arquivo do pesquisador.

Inicio a análise a partir da capa do seu primeiro livro, Bacaba: memórias de um guerreiro de selva da Guerrilha do Araguaia (ver figura 10). Nela, tem-se o mapa do estado do Pará, e, dentro dele, uma série de imagens como helicópteros e aviões do Exército, armas (metralhadoras e revólveres), algumas fotos dos militantes do PC do B, o símbolo desse partido (a foice e o martelo), a indicação do Rio Araguaia, da cidade de Marabá, e, no meio

desse mapa, o título da obra, Bacaba.276 O que essas imagens procuram significar? Mesmo

podendo representar uma multiplicidade de interpretações, as imagens da capa dessa obra já externam toda a discussão apresentada pelo autor ao longo do livro, isto é, os conflitos de memórias existentes acerca desse acontecimento. Assim, o combate ocorrido no passado por meio das armas, dos aviões, dos helicópteros dos militares, hoje se externa a partir das narrativas publicadas por esse militar.

O seu livro pode ser também caracterizado como uma produção “artesanal”, visto que sua publicação não foi uma iniciativa de nenhuma editora de renome nacional, ou, pelo menos, com uma certa influência no mercado editorial. O prefácio da obra é feito pelo próprio autor. Nele, o tenente José Vargas explica a sua participação na terceira operação de combate

276 De acordo com informações constantes no livro, a capa, o projeto gráfico e a editoração eletrônica foram produto da Plus Assessoria. Ilustração: Daniel G. Dorilêo. Impressão e acabamento: Gráfica Santana.

aos membros do PC do B e cita vários documentos que serão apresentados pelo autor no decorrer do livro. Além disso, o livro também traz uma breve biografia do autor, destacando, sobretudo, de forma resumida, sua carreira no Exército e as medalhas conquistadas ao longo de sua vida militar. É importante frisar que esse livro do tenente José Vargas Jiménez, assim como outros escritos também por militares que atuaram no Araguaia na época do conflito armado, foram iniciativas individuais, não tendo o Exército, enquanto instituição, uma participação direta em sua elaboração e publicação. Dessa forma, o próprio autor já salienta em seu título e no prefácio o caráter memorialista da obra. Ainda em seu prefácio, o autor destaca a ausência de escritos de outros militares acerca da Guerrilha do Araguaia e atribui esse “silêncio” a possíveis “represálias” da instituição e/ou do governo. Assim disse:

Nenhum guerreiro de selva que realmente esteve na linha de “front” e participou ativamente da preparação da tropa, como instrutor e posteriormente como combatente, teve a coragem de falar sobre o assunto, por medo de represália, tanto do governo (união e Exército), quanto do Partido Comunista do Brasil e dos familiares de guerrilheiros que combateram no Araguaia.277

Contudo, a afirmação do tenente José Vargas Jiménez em relação à “ausência” e/ou “silêncio” por parte de militares que atuaram no Araguaia em narrar suas versões é questionável. O autor, nesse caso, não mencionou duas obras escritas por militares e publicadas antes do seu livro, Xambioá: guerrilha no Araguaia, do capitão aviador Pedro Corrêa Cabral, publicada em 1993, e Guerrilha do Araguaia: revanchismo: a grande verdade, do coronel Aluísio Madruga de Moura e Sousa, publicada em 2002. Além disso, não se pode deixar de levar em consideração acerca das memórias construídas pelos militares o livro do jornalista Luiz Maklouf de Carvalho, O coronel rompe o silêncio, publicado em 2004, sobre as memórias do coronel Licio Augusto Maciel. Dessa forma, o livro Bacaba: memórias de um guerreiro de selva da Guerrilha do Araguaia é apenas mais uma obra acerca da Guerrilha do Araguaia escrita por um militar, mas isso não significa afirmar que tenha sido o primeiro a relatar a versão desse grupo para esse conflito.

Em relação à capa de sua segunda obra, Bacaba II: toda a verdade sobre a Guerrilha do Araguaia e a Revolução de 1964, tem-se a imagem de um tipo de palmeira com folhas secas, e na frente dessas palmeiras consta o símbolo do Exército brasileiro versus o símbolo do PC do B (ver figura 11). Ora, essa representação, remete à ideia de disputa, que pode ser aqui interpretada em torno das versões sobre a guerrilha elaboradas/construídas pelo Exército e as construídas pelo PC do B. É o símbolo de que a guerra através das narrativas continua.

Há, como o próprio subtítulo da obra sugere, a necessidade de autoafirmar a versão dos militares para o “golpe” de 1964 e para a Guerrilha do Araguaia como uma narrativa verdadeira. Em contraposição, nesse sentido, as versões do PC do B eram tidas como “inverídicas” pelos militares.

Figura 11 - Capa do livro Bacaba II: toda a verdade sobre a Guerrilha do Araguaia e a Revolução de 1964. JIMENEZ, 2011.

Fonte: Arquivo do pesquisador.

Já a apresentação desse segundo livro de José Vargas Jiménez foi feita pelo capitão

Félix Maier.278 É possível observar, inicialmente, na narrativa desse capitão, um destaque

atribuído às repercussões do primeiro livro do autor, tais como a Sindicância que o tenente José Vargas respondeu e da qual foi inocentado junto ao Exército, a audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados em 2008 e as ameaças feitas ao autor por parte dos familiares dos desaparecidos políticos. Dessa forma, afirma:

Por ter lançado a obra em papel, o autor respondeu a uma Sindicância do Exército e foi inocentado. Deu várias entrevistas em jornais e revistas e foi alvo de investigação na Câmara dos Deputados, onde, em 2008, foi chamado para uma Audiência Pública. Na ocasião, Deputados Comunistas ameaçaram prendê-lo se não entregasse

278

Natural de Luzerna (SC), Félix Maier nasceu em 3 de janeiro de 1950. Entre os anos de 1970 e 2002 exerceu carreira militar, inicialmente como soldado e chegando à patente de capitão. Dentre as funções que exerceu enquanto militar, destaca-se o seu trabalho como auxiliar do Adido Militar na Embaixada do Brasil no Cairo (Egito), nos anos de 1990 a 1992. Félix Maier é um dos militares que frequentemente tem publicado artigos em sites que defendem a versão dos militares para a história do Brasil. Dentre eles, destacamos: “Ternuma”, “A verdade sufocada”, “Usina de letras”, “Usina das palavras”, entre outros. Disponível em: http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=39179. Acesso em: 23 abr. 2017.

os documentos originais à Comissão, e até foi ameaçado de morte por familiares dos “desaparecidos” no Araguaia.279

Após essas constatações, Félix Maier defende na apresentação dessa obra a necessidade dos militares exporem sua versão para os fatos ocorridos no Araguaia. Segundo ele, dessa maneira é possível construir uma história na qual o “contraditório seja levado em consideração”, e a versão dos vencidos, então hegemônica, possa ser desconstruída. Assim, disse:

É muito importante que haja o contraditório, para o bem da própria História recente do Brasil, não somente a versão dos simpatizantes dos guerrilheiros derrotados, que apresentam os comunistas como heróis e vítimas inocentes, e os militares como vilões. O maniqueísmo simplório e o revisionismo rasteiro são comuns entre as esquerdas e sempre deverão ser desmascarados.280

A afirmação de Félix Maier também indica indícios das disputas de narrativas que permeiam os acontecimentos concernentes ao Araguaia. Nesse sentido, a obra de José Vargas Jiménez desempenha um papel importante na perspectiva do olhar dos militares para esses acontecimentos. Considero que os prefácios e/ou apresentações dos livros dos autores por outros militares, geralmente de uma patente superior a esses, demonstram o papel de autoridade e veracidade da narrativa apresentada.

A narrativa de José Vargas Jiménez enfatiza, sobretudo, sua participação na terceira operação militar, da qual participou de forma direta, fazendo incursões na mata e caçando os guerrilheiros. Assim, o autor narra as missões na selva, as prisões dos moradores locais e os combates com os guerrilheiros. Ao narrar a sua primeira missão na mata, disse:

Na madrugada do dia 3 de outubro de 1973, o meu GC, o do Sgt Elizeu e do Sgt Brito, comandados por Curió e guiados por Ivan, saímos da “Casa Azul”, com as missões de captura, destruição, busca e apreensão, em caminhonetas pretas do INCRA, que nos conduziram pela rodovia Transamazônica, até o povoado de Bom Jesus, onde, após cercá-lo, entramos de casa em casa, fazendo prisioneiros, os camponeses que apoiavam os guerrilheiros, que totalizaram aproximadamente trinta, todos suspeitos de dar cobertura e apoiar os guerrilheiros.281

Percebe-se, portanto, uma preocupação do autor ao narrar de forma minuciosa as operações militares no Araguaia, descrevendo os acontecimentos e o cotidiano dos militares na sua relação com os moradores locais, inclusive as prisões de alguns que teriam sido levantados pela “Operação Sucuri”, comprovando suas ligações com os guerrilheiros. O livro

279

MAIER, 2011, p. 17. 280 MAIER,2011, p. 18-19. 281 JIMÉNEZ, 2007, p. 41.

também traz transcritos alguns documentos que teriam sido utilizados pelos soldados nessa terceira campanha militar. Segundo o autor, eles teriam sido produzidos pelo Centro de Informações do Exército (CIE) e distribuídos para cada soldado nessa terceira fase das operações de combate aos guerrilheiros. Esses documentos se referem: ao plano de captura e destruição, no qual estavam relacionados todos os grupos de guerrilheiros que atuavam na região; ao plano de busca e apreensão, que trazia a relação dos camponeses com alguma ligação com os guerrilheiros, as localidades onde estes deveriam ser feitos prisioneiros e o grau de prioridade de captura, variando de um (1) a quatro (4); e ao trato com a população, no qual eram destacadas normas de como o soldado deve tratar os moradores locais, além de enfatizar como essa população era utilizada pelos guerrilheiros para que eles alcançassem

seus objetivos.282 Em sua versão, o tenente José Vargas relata de forma objetiva as mortes de

alguns guerrilheiros e militares durante as campanhas de combate à guerrilha. Contudo, o que nos chamou mais a atenção em sua narrativa é a descrição da prática de “interrogatório” utilizada pelos militares para conseguir as informações dos moradores da região acerca dos guerrilheiros. Nesse aspecto, sua versão está bem próxima daquela apresentada pelo capitão aviador Pedro Corrêa Cabral. Ao se referir ao tratamento dispensado pelos militares aos moradores locais, disse José Vargas:

Certa vez “Curió” saiu com meu GC a fim de confirmar informação de um encontro entre guerrilheiros e um camponês que os apoiava. Preparamos uma emboscada no local, porém só apareceu o camponês de nome Frederico Lopes que foi feito prisioneiro. Foi interrogado no mesmo local por métodos convencionais e como se recusou a falar sobre qual grupo de guerrilheiros estava esperando e o assunto que tratariam, recebemos ordens para mudar a tática de interrogatório. Foi então amarrado nu, num pau viveiro de formigas (pau-de-arara) e seu corpo lambuzado com açúcar e sua boca cheia de sal. Quando as formigas começaram a andar pelo seu corpo e picá-lo, nos relatou tudo o que queríamos saber. Depois o desamarramos, retiramos do pau-de-arara, deixamos que tomasse banho num igarapé e o conduzimos prisioneiro para nossa base em Bacaba.283

A escrita do tenente José Vargas, descreve, uma prática comum utilizada durante a Guerrilha do Araguaia — a tortura aos moradores locais —, assunto geralmente pouco comentado nas narrativas dos militares, aos quais alguns preferem não se referir, e, quando questionados sobre sua existência, buscam minimizar tal prática utilizando para isso a tese da chamada “guerra suja”. Em sua descrição, José Vargas usou o recurso do eufemismo “interrogatório”, para se referir a essa prática junto aos moradores do Araguaia. Sua descrição é a prova do sofrimento da população local diante do “fogo cruzado” entre militares versus

282 JIMÉNEZ, 2007, p. 36-40.

guerrilheiros e a sua limitação de não ter a quem apelar. São agentes que cometem a tortura em nome do Estado brasileiro.

Outra informação importante na narrativa do tenente José Vargas é a execução de guerrilheiros que já estavam sobre o poder dos militares, ou seja, já eram prisioneiros. Essa mesma afirmação também foi feita pelo capitão aviador Pedro Corrêa Cabral em seu livro. Nesse caso, o autor destacou dois exemplos, o dos guerrilheiros Divino Ferreira de Souza

(Nunes)284 e Antônio de Pádua Costa (Piauí).285 Em relação a este último guerrilheiro, afirma

o autor:

Dos guerrilheiros que foram interrogados, “Piauí” foi o mais corajoso e valente. Não era como os outros que não aguentava as técnicas de interrogatório que lhes eram aplicadas e gritavam pedindo pelo amor de Deus que os matássemos. “Piauí” aguentava o interrogatório sem gritar ou reclamar, era um dos poucos guerrilheiros bem preparados para a luta. Depois de alguns dias em Bacaba, ele e “Zezinho” foram levados para a “Casa Azul”.286

Considero que a narrativa do tenente José Vargas Jiménez difere em algumas questões das demais narrativas de seus pares, pois ele destaca práticas não abordadas e/ou negadas por outros militares que também chegaram a publicar suas memórias. Uma delas, conforme se pode observar na citação, é o uso da tortura aos moradores da região e aos guerrilheiros presos durante as operações militares. O autor apenas cita e descreve os fatos que, segundo ele, teriam ocorrido durante sua participação no combate à guerrilha. De fato, o que o tenente José Vargas Jiménez traz em sua narrativa nesse livro, e que poucos militares reconhecem e/ou narram, são as descrições do tratamento dado aos guerrilheiros e aos moradores presos pelos militares na época da Guerrilha do Araguaia, embora não emita juízos de valor.

Além de afirmar que houve casos de guerrilheiros que foram presos e, depois, mortos, contrariando a versão oficial das Forças Armadas, e, também, de muitos militares que externaram suas versões sobre a guerra no Araguaia e que insistem na tese de que os

284 Divino Ferreira de Souza (Nunes), nascido na cidade Caldas Novas (GO), em 1942. Entretanto, foi em Goiânia que viveu a maior parte de sua vida. Lá, entrou para o movimento estudantil quando era secundarista e tornou-se uma figura de destaque na União Goiana de Estudantes Secundaristas. Em 1966, também foi um dos militantes do PC do B escolhidos para o treinamento de guerrilha na China. Após o seu retorno ao Brasil, em 1967, foi para a região do Araguaia e lá viveu como comerciante, utilizando o nome de “Nunes”. Ver Relatório da Comissão Nacional da Verdade. Vol. 3, p. 1335.

285

Antônio de Pádua Costa (Piauí), natural de Luís Correia (PI). No início dos anos de 1960 mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro, onde iniciou seus estudos de Astronomia/Física na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Entre os anos de 1967 e 1970, participou do movimento estudantil. Em 1968 foi preso no XXX Congresso Nacional da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna (SP). Em 1970, já participando do PC do B, foi para a região do Araguaia, onde ficou conhecido como “Piauí”. Lá, tornou-se o vice-comandante do Destacamento A. Ver Relatório Comissão Nacional da Verdade, Vol. 3, p. 1522.

guerrilheiros foram mortos em combate, o tenente José Vargas descreve o que denomina de “técnicas de interrogatório”, ou seja, práticas de tortura às quais eram submetidos os prisioneiros. Assim diz:

As técnicas de interrogatório a que eram submetidos os guerrilheiros em Bacaba consistiam em: choques com corrente elétrica gerada por baterias de telefone de campanha portáteis; telefone (consistia em dar tapas com força, simultaneamente nos dois ouvidos com as mãos abertas); coloca-los em pé, descalços em cima de duas latas de leite condensado se apoiando somente com um dedo na parede; socos em pontos vitais tais como no fígado, rins, estômago, pescoço, rosto e cabeça, além de fazê-los passar fome e sede.287

É oportuno frisar que essa afirmação provocou estranhamento por parte dos demais militares e, sobretudo, pelas lideranças do Exército, mas evidencia, nesse estudo, o caráter heterogêneo e múltiplo das memórias e versões dos militares acerca da atuação das Forças Armadas no Araguaia. Além disso, confirma que entre os militares existem múltiplos grupos com posições diferenciadas em algumas questões. Demonstra, também, o caráter autoritário do Estado brasileiro nesse período, que permitiu que em nome da “democracia”, e para se combater o inimigo “o comunismo”, pessoas fossem acusadas e torturadas sem o direito de se defenderem. Por outro lado, a visão oficial de boa parte dos militares argumenta que a violência também era praticada pelos guerrilheiros, “terroristas” e comunistas, como são adjetivados.

Feitas essas ressalvas, e continuando a análise das memórias do tenente José Vargas, é importante destacar na sua versão alguns aspectos comuns às versões de outros militares aqui já abordadas. Uma delas é a ênfase nos aspectos militares, os combates, as prisões e as mortes de alguns guerrilheiros. Outro aspecto já ressaltado por outros militares está relacionado com a guerra contra o comunismo. Para o tenente José Vargas, o combate no Araguaia era para impedir a imposição desse sistema em nosso país. Assim, em Audiência Pública na Comissão Especial da Anistia, realizada em Brasília, disse:

então hoje eu vejo que nós temos que contar a história verdadeira para o povo brasileiro. Não essas falsas histórias que os comunistas e jornalistas estão contando que lutaram para impor a Democracia no Brasil queriam sim, era impor o Comunismo.288

O tenente José Vargas faz ainda no seu livro Bacaba: memórias de um guerreiro de