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2.6. Flow

2.6.6. Mensuração de flow

A primeira menção reconhecida à mensuração em flow é atribuída à aplicação do método amostragem aleatória de experiências (experience-sampling method – ESM; Larson & Csikszentmihalyi, 1983). O método tem sua primeira ocorrência na literatura em 1977, quando ainda não fora aplicado à mensuração de flow, e sua elaboração teórica é atribuída a Prescott, Csikszentmihalyi e Graef, que o teriam escrito em 1976 (Csikszentmihalyi, Larson & Prescott, 1977, p. 282). Curiosamente, o texto de 1976 só veio a ser efetivamente publicado por Prescott, Csikszentmihalyi e Graef em 1981.

O método ESM exige que os participantes respondam a um pequeno questionário, geralmente centrado na dimensão desafio-habilidades de flow (Jackson & Eklund, 2002), sempre que receberem um sinal enviado randomicamente, originalmente recebido por equipamento do tipo pager/bipe (Csikszentmihalyi & Massimini, 1985). ESM vem sendo empregado como método de mensuração em ciências humanas e sociais até os dias de hoje, incorporando TICs atuais, em substituição aos antigos pagers/bipes (Fatemeh, 2013; Uy et al., 2010).

ESM apresenta vantagens sobre outros métodos de survey por (a) capturar situações dinâmicas vividas por indivíduos ao longo do tempo, (b) propiciar maior validade interna e ecológica, ao capturar dados no contexto ambiental do indivíduo, (c) permitir a captura de variações entre indivíduos e, principalmente, no indivíduo, e (d) por atenuar vieses de memória retrospectiva (Uy et al., 2010). Como desvantagem,

incorre no risco de interromper a própria experiência de flow, destruindo o fenômeno ao tentar analisá-lo (Nakamura & Csikszentmihalyi, 2005).

O emprego do método ESM para mensuração de flow pressupõe a adoção simultânea de algum instrumento de coleta de dados, geralmente escalas do tipo questionário, desenvolvidos e/ou reunidos especificamente para atendimento a cada desenho de pesquisa (p.ex: Novak et al., 2000; Pavlas, 2010), o que sugere investigação minuciosa quanto a essas escalas.

Não obstante a aparente relevância do método ESM na mensuração de flow, devido à dificuldade de operacionalização deste método em atividades esportivas, foi desenvolvida e validada a escala de estado de flow (flow state scale – FSS) (Jackson & Marsh, 1996), contemplando construtos relacionados a flow e a peak performance (Privette, 1983).

A escala FSS foi elaborada especificamente para mensuração de flow em indivíduos envolvidos em situações de prática esportiva e deve ser aplicada imediatamente após o desempenho da atividade. A escala teve embasamento teórico nas nove dimensões originais de flow, sendo composta por 36 itens agrupados em nove fatores (quatro itens em cada fator/dimensão), mensurados por escalas de verificação de cinco pontos (Jackson & Marsh, 1996).

A escala de propensão a flow (dispositional flow scale – DFS) foi desenvolvida como uma variante da escala FSS, com foco na frequência da experiência de flow e como meio de avaliação das diferenças individuais e da propensão a experimentar flow (Jackson et al., 2008; Jackson & Eklund, 2002), considerando o pressuposto de variações entre indivíduos quanto à personalidade autotélica (Csikszentmihalyi & Csikszentmihalyi, 1988). A escala DFS também é composta por 36 itens e se diferencia da escala FSS por propor a mensuração da frequência de experiências de flow ocorridas em qualquer tipo de atividade física, não necessariamente esportiva, além de focar a propensão individual a experimentar flow.

Variantes de cada uma das escalas FSS e DFS, denominadas FSS-2 e DFS-2, respectivamente, foram desenvolvidas com o intuito de aperfeiçoar a mensuração das nove dimensões de flow por meio de aprimoramentos psicométricos conceituais e escores fatoriais mais adequados que as suas versões prévias. Tais aprimoramentos foram obtidos basicamente por meio da substituição de itens (31 originais e 5 novos), sem alteração no quantitativo final de 36 itens observáveis, distribuídos em nove dimensões (Jackson & Eklund, 2002).

Ambas escalas, FSS e DFS – e suas variantes FSS-2 e DFS-2 – baseiam-se em escalas de verificação de concordância, do tipo Likert, de cinco pontos, para questões como “realizei tarefas espontaneamente e automaticamente, sem ter que pensar” ou “a forma como o tempo passou pareceu diferente do normal”, lançadas a respondentes convidados (Heyne et al., 2011, p. 477).

Por fim, a escala reduzida de flow (flow short scale, FKS) foi criada com o argumento de que 10 itens seriam suficientes para medir flow, em qualquer atividade, e que a adição de três itens proporcionaria a medição complementar da percepção da importância da tarefa (Engeser & Rheinberg, 2008; Rheinberg et al., 2003).

Observa-se, portanto, que flow tem sido mensurado por meio de escalas aplicadas durante entrevistas ou por meio de ESM. As escalas empregadas parecem desenvolvidas especificamente para cada construto associado a flow (p. ex: absorção, concentração), não necessariamente dimensões originariamente integrantes de flow (p. ex: equilíbrio entre desafio e habilidades, feedback). O fenômeno tem sido mensurado também por meio de características subjetivas “anti-flow” como ansiedade, tédio e frustração (Allison & Duncan, 1987) e escalas específicas para cada um desses construtos.

A mensuração de flow, no entanto, não é tarefa simples e isenta de críticas (Csikszentmihalyi, 1990; Jackson et al., 2008; Jackson & Eklund, 2002). Flow encontra correspondência em noções de senso comum – o que tende a levar a sobreposições conceituais e mal entendidos –, possui ampla capacidade de aplicação e é ainda mal definido como construto (Webster et al., 1993). Ademais, em se tratando da extrapolação de flow de estado individual para estado coletivo, tem-se adotado a derivação de escores individuais em um escore total coletivo como abordagem (p.ex: Bakker et al., 2011). No entanto, as pessoas nem sempre associam seus interesses individuais aos interesses do grupo e vice-versa (Ryu, & Parsons, 2012), o que sugere abordagem específica para investigação de flow em contextos colaborativos.

Estudos qualitativos sobre flow têm se baseado principalmente em entrevistas não estruturadas, o que leva à sugestão de outras formas de inserção da temática de flow em pesquisas à base de entrevistas, como meio de atenuar vieses gerados pela influência do pesquisador ao mencionar e definir flow como estado (Swann et al., 2012). Ou seja, sugere-se a busca de meios alternativos de pesquisa, inclusive com a supressão de menção explícita ao que se pretende investigar. Complementarmente, critica-se o mainstream da pesquisa em flow por tomar por certas as nove dimensões definidas

originalmente. Sugere-se a realização de estudos de base indutiva, que seriam capazes de oferecer elementos de confronto (dimensões emergentes) com as dimensões originais (Swann et al., 2012).