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CAPÍTULO I — EXTENSÃO E MODELOS DE UNIVERSIDADE

2. Mercado de Trabalho e Extensão

As mudanças que vêm ocorrendo ao longo das últimas décadas na estrutura da produção: pela introdução de novas tecnologias, notadamente da informática, pela migração dos investimentos para o mercado financeiro, em detrimento da imobilização desses recursos em estruturas de produção de bens ou pela volatilidade com que fluem pelos países e continentes, exercem sobre a formação dos trabalhadores uma grande influência. A reestruturação do trabalho tem apontado para a redução acentuada nos níveis de emprego, levantando as questões de qualificação, seja para manutenção do emprego, para reconquista deste e mesmo para a inserção no mercado. A variável que pouco aparece nos discursos oficiais e que não pode deixar de ser considerada é a extinção de postos de trabalho. Aliás, na nova forma de organização, é difícil falar em postos. Afirma Hirata:

(...) O novo modelo corresponde a uma crise do posto de trabalho e à emergência de um paradigma baseado na cooperação e na comunicação. De modo que a preparação para o trabalho não pode ignorar que precisa formar para atuar independentemente da colocação num emprego, mas para estar pronto a reconhecer oportunidades, saber administrá-las e possuir um rol de conhecimentos (práticos e formais) que permitam um alto grau de flexibilidade (HIRATA, 1997, p.25).

Uma dificuldade que se percebe nas várias partes interessadas na educação do trabalhador — a universidade, a escola e, especificamente, agentes formadores como entidades de classe, sindicatos, ONGs e até Associações de Bairro — é ganhar distância o suficiente para agir de modo programático; o pragmatismo impera, mesmo porque o horizonte ainda se encontra indefinido. Esses agentes vêm atuando de modo reflexo; identifica-se uma demanda específica e mobilizam-se esforços para supri-la, numa atitude que demonstra o quanto esses agentes estão imbuídos da idéia de que é preciso mais, ou melhor, formação, para obtenção de empregos. Porém, num sistema inspirado no modelo “enxuto”, tecnologicamente cada vez mais avançado e administrativamente reorganizado, o número de vagas é cada vez menor. A criação de vagas depende de uma política de emprego que, por sua vez, depende de uma política de governo que privilegie o homem, antes do mercado.

Como sugerido anteriormente, estas alterações na estrutura de ocupações foram acompanhadas de uma melhora de seu perfil educacional. Os dados (...) mostram uma redução da participação dos trabalhadores com menor nível educacional no conjunto dos principais segmentos da atividade econômica do setor privado (...) A melhora do perfil educacional pode ser associada à adoção de políticas de gestão de mão-de-obra que requerem a reorganização produtiva [...] Salvo algumas exceções para os mais escolarizados pertencentes às áreas de apoio, a tendência mais geral foi o corte generalizado no nível de emprego, que tende a poupar relativamente mais aqueles com nível mais elevado de escolaridade (DEDECCA, 1989, p.5, negrito nosso).

Neves e Leite, tratando de qualificação do trabalhador afirmam:

Sabe-se que qualificação é um dos conceitos chaves da Sociologia do Trabalho e no seu sentido mais tradicional está ligado às exigências definidas pelo posto de trabalho nas empresas tayloristas e fordistas. De uma maneira mais ampla a qualificação do trabalhador compõe um conjunto de saberes escolares, técnicos e sociais, que o tornam capacitado profissionalmente”. (NEVES E LEITE, 1998, p.10).

Ou seja, quando se pensa em qualificação, pode-se dizer que a relação é feita com o posto de trabalho; tratar-se-ia de uma série de conhecimentos necessários ao desenvolvimento de uma atividade altamente fragmentada que, como tal, não permite uma visão do processo em sua totalidade, e, por isso mesmo, tem uma aplicabilidade limitada. A determinação de quais conhecimentos e em que profundidade é definida pela própria tarefa; assim, o trabalhador que atua, ou pretende atuar num determinado posto precisa dominar tão somente conhecimentos que concernem àquele posto.

Por outro lado, as novas formas de produção vêm erigindo um outro conceito, o de competência, este sim, muito mais ligado às potencialidades e qualidades individuais, mais afinado com a reestruturação nos modelos de produção que requisitam um maior engajamento, disponibilidade para a resolução dos problemas da produção pelos próprios trabalhadores. Philippe Zarifian, 1998, frisa que, embora haja todo um engajamento e que as grandes empresas tenham evoluído exigindo autonomia e iniciativa, um resquício de prescrição se mantém: o trabalhador ganhou espaço para interferir, quando preciso, para alçar metas, mas não para defini-las. E o que é fundamental:

Entre as competências ditas sociais (autonomia, comunicação, gestão...) introduzem, nos referenciais, capacidades que, em princípio, referem-se ao comportamento do indivíduo. Mas, na aplicação prática da noção, a tendência prescritiva continua amplamente em cena: não é ao indivíduo que se associam as competências de autonomia e responsabilidade; é sempre o cargo que tem necessidades de autonomia que se associam às competências de autonomia e responsabilidade; é sempre o cargo

que tem necessidades de autonomia e de responsabilidade. A competência exigida pelo cargo continua a determinar a competência adquirida pelo indivíduo (ZARIFIAN, 1998, p.23, negrito nosso).

Nesse sentido, descolou-se do conceito de competência o conceito de “empregabilidade”, ainda muito recente, mas freqüentemente utilizado no sentido de definir as características que o indivíduo possui que o habilitariam mais ou menos a empregar-se, isto é, preencher os pré-requisitos para exercer determinada tarefa. Se a isso juntarmos o dado de que o sistema vem eliminando empregos, a dificuldade em conseguir um contrato formal de trabalho passa a ser uma responsabilidade do sujeito, excluindo-se do sistema socioeconômico a parte que lhe cabe nesta questão.

A erosão das normas tradicionais de assalariamento, fundadas em identidades ocupacionais ou de classe, e a paulatina perda das funções protetoras do Estado têm como conseqüência o aumento da individualização na construção e valorização das próprias condições de empregabilidade. A constante incerteza advinda da pluralidade de formas de contratos de trabalho em relação à duração, ao tempo e à localização das atividades, associada, ainda, à rápida obsolescência das habilidades adquiridas, requer das pessoas intensos investimentos privados e permanente sintonia com as eventuais oportunidades que o mercado oferece. (SORJ, 1999, mimeo, p.03).

É interessante observar que, como a Ciência, o Trabalho, orientado pela Tecnologia segmentou-se ao máximo, seja em frações de tempo cada vez menores, seja em movimentos cada vez mais simples, para poderem ser repetitivos em velocidade cada vez maior. É a formula do fordismo/taylorismo. Esgotado o modelo, embora não totalmente abolido, já que em muitas áreas de produção ainda remanesce, está em mudança, assim como a tecnologia e a própria ciência. O novo modelo de reestruturação do trabalho, embora restrito ainda aos setores mais avançados da produção (e assim, mais intimamente ligados às inovações tecnológicas), começa a valorizar a capacidade de visão mais global do processo. O determinismo científico, presente nas ciências econômicas, “fixou” para os países em desenvolvimento o modelo de crescimento de países avançados, independente das questões sociais que aí persistam, dos possíveis artificialismos que vêm bancando esses patamares de bem-estar, do custo social pago pelos países em desenvolvimento para a manutenção de privilégios nos países centrais. O determinismo toma por inexorável a reprodução desse modelo econômico que, como a realidade social mostra, vem ruindo.

Antes a Universidade contestava os desenhos do futuro. No decorrer do século XX o futuro da civilização parecia aceito; a universidade servia para justificá-lo, legitimá-lo,

e para ajudar a construí-lo sem contestá-lo. Para dar a ilusão de contestação, foram criados departamentos especializados, que se limitavam, porém, a contestar e debater detalhes, sem ruptura com o propósito da civilização industrial (...) No Terceiro Mundo, a universidade foi um instrumento da balança de pagamentos: procurava reduzir a necessidade de importação de ciência, tecnologia, saber, mas sem contestar o que era importado, sem procurar adaptar e romper com o estrangeiro, copiando-o apenas. O resultado foi que a universidade do Terceiro Mundo passou a ser um instrumento claramente isolado da realidade natural e social (BUARQUE, 1990, p. 25).

A extensão pela relação que lhe delegou a universidade de elo com a sociedade é o aspecto da atividade universitária a mais exposta à imposição dos valores político- econômicos que prevalecem no meio social. Quanto menos institucionalizada mais frágil, portanto mais sensível e acessível a esses valores e as demandas aí originadas. Se o mercado de trabalho carece de especialização técnica é a ela que se vai responder, se ao se sofisticar precisa de conhecimentos de ordem humana (psicologia, disponibilidade, dedicação) há que se aplicar conhecimentos dessas áreas para viabilizar o atendimento a essas demandas. Nesta esteira vêm os cursos de Gerenciamento do Tempo, Administração de conflitos, Qualidade de vida, etc. A perspectiva sobre as relações entre essas temáticas e uma visão de mundo, de sociedade, de ser humano e mesmo de meio ambiente desaparece perante a utilização desses conhecimentos na produção.

À Universidade, instância por excelência da produção e transmissão de conhecimento (e, portanto, parte importante na geração de tecnologia) cabe a reflexão que ajude a vislumbrar e operar a superação da crise paradigmática desse modelo de sociedade.

Para se ajustar ao momento e às suas rupturas, cabe à Universidade, mais que a qualquer outra instituição, uma consciência que ponha a tecnologia subordinada a estes novos interesses sociais. A tecnologia deve ser vista não como fim, mas como meio de um projeto libertário. (BUARQUE, 1990, p.40).

A extensão, na forma como a propõe o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão, um processo educativo, cultural e científico, congrega em si a centralidade das funções da universidade, o ensino e a pesquisa, e, por sua vez, os vincula definitivamente ao compromisso social de construção de uma sociedade mais justa. Se a universidade conseguir compreendê-la como ponto de convergência de sua atuação a superação dos conhecimentos meramente funcionais estará a ponto de ser superada. Nestes sentido formar os alunos para serem profissionais cidadãos também estará mais próxima.