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O Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras e a revisão do conceito de extensão

CAPÍTULO II — Políticas de Extensão

1. Políticas de Extensão – Brasil 1990

1.2. O Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras e a revisão do conceito de extensão

Desde de 1987, o Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas vem lutando para, no contexto da redemocratização em que foi fundado e que vem vivendo o País, redefinir a extensão. Os compromissos da universidade com os setores mais carentes da população e a característica da extensão enquanto elo com esses setores, através de prestação de serviços, ou através de práticas educativas, tornaram-na o instrumento mais apto a refazer a relação universidade-sociedade. Nesse sentido, o documento final do I Encontro de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Brasileiras, realizado em Brasília, em novembro de 1987, propôs a extensão universitária como:

(...) processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a universidade e a sociedade. A extensão é uma via de mão dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade da elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social. (NOGUEIRA, 2000, p.11).

O conceito guarda uma forte ligação com o modelo de universidade em que se gerou e desenvolveu. Há uma relação significativa entre, o histórico da instituição, suas características de organização e o relacionamento com a sociedade, e a forma como a instituição vê a extensão. Nesse sentido, uma relação universidade — sociedade diferenciada implica uma revisão de modelo, para que nele se integre um novo sentido de extensão.

O Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas originou-se dentro do processo de democratização por que passou o País desde o início da década de 80. Haviam sido restauradas as legalidades das representações estudantil e docente, o que permitia um debate amplo e aberto de reivindicações como: defesa do

ensino público e gratuito, autonomia e democratização das universidades, isonomia salarial e regime único de trabalho. No contexto dessas reivindicações retomou-se a discussão do papel da Universidade Pública junto aos segmentos mais carentes da população.

O momento econômico pressionava o Estado no sentido das privatizações. Era imperativo demonstrar que, nas mãos do Estado, grandes empresas e empreendimentos eram improdutivos, por serem grandes consumidores de recursos (escassos) com um retorno duvidável. O discurso sobre a universidade pública passou a apontar seu caráter elitista, pouco produtivo, detentor de privilégios reservados ao seu pessoal. De possível “redentora” das mazelas nacionais, gerando tecnologia própria e permitindo ao País seguir em direção a uma autonomia e produtividade capazes de gerar excedentes de riqueza e, enfim, minimizar a diferença na distribuição de riqueza, a universidade pública, juntamente com o serviço público, foi destacada como o grande sumidouro de recursos.

A mudança de papel veio no bojo da guinada econômica mundial: a insuficiência do sistema fordista/taylorista para gerar demandas numa economia estagnada; os novos meios de produção enriquecidos pelo desenvolvimento da eletroeletrônica; a exigência desses meios por novos arranjos administrativos mais capazes de geri-los; novas formas de acompanhar e avaliar a capacidade de atingir consumidores potenciais. O conceito de qualidade se desenvolve e se instala à medida que a produção em escala, apenas, não dá conta de gerar mercados.

Os processos de gerenciamento para a qualidade passam, da linha de produção de bens, para os serviços, e proliferam para as outras esferas da vida socioeconômica, saúde, educação, carreira profissional, a própria vida, e a educação. Os critérios propostos para o gerenciamento da produção para a qualidade e seus corolários, CCQs, produção enxuta, etc., passam a ser adotados para analisar e avaliar todas as demais atividades, sejam elas econômicas, sociais ou culturais. E, é claro, a administração pública passa pelo seu crivo. Ou melhor, não passa pelo seu crivo, dado que, fundada em outros princípios e destinada a proteger e amparar o tecido social, suas metas, metodologias e resultados têm características cujos padrões de avaliação não dão conta de serem medidos pela aplicação dos processos que envolvem a produção com qualidade total.

Seus investimentos seguem lógica diversa da economia e, portanto, os retornos (eficiência e eficácia) não se submetem às leis que se aplicam na produção.

A transição da produção em escala, do “wellfare state”, da economia desenvolvimentista, para a produção enxuta e o estado mínimo da economia neoliberal,

teve um significado profundo na Universidade pública brasileira. Juntamente com os serviços públicos, a universidade, vista anteriormente como possível instrumento na construção da autonomia tecnológica, passa a ser encarada como sorvedouro de recursos de retorno duvidável.

Para reivindicar e discutir direitos, a Universidade precisava demonstrar sua capacidade, importância e produção, além de obter o reconhecimento social de seus préstimos. Como aspecto mais diretamente ligado às necessidades sociais, a Extensão mobilizou-se no sentido de responder a essas perguntas.

Com o início da abertura política, 1979, o Plano Nacional de Extensão perdeu gradativamente sua importância, até desaparecer do discurso do MEC, culminando com a redução do apoio financeiro, e a participação tão somente em atividades acadêmicas, seminários e encontros universitários.

A efervescência nas Instituições de Ensino Superior Públicas pela democracia interna e por responder ao questionamento externo movimentou a realização dos Fóruns Regionais de Extensão e estes culminaram no I Encontro Nacional de Pró-Reitores de

Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, em 4 e 5 de Novembro de 1987, na

Universidade de Brasília, com a criação do Fórum Nacional e a padronização do conceito e das medidas para institucionalização e valorização da extensão. O subtítulo desse primeiro encontro foi: “Conceito de extensão, institucionalização e financiamento”.

O conceito adotado pelas 33 Universidades Públicas representadas deu um salto em relação a tudo que se dizia sobre extensão no País anteriormente:

A extensão universitária é o processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa, de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a universidade e a sociedade (NOGUEIRA, 2000, p.11).

Este conceito avança muito a discussão sobre extensão no Brasil, já que a última menção da Lei 5.540/58 induzia a uma visão de extensão como atividade secundária e privilegiadamente de discentes sobre a realidade da população, isto é, francamente assistencialista.

O documento final desse I Encontro ditou medidas que visavam estruturar a extensão dentro das universidades, fazê-la reconhecida e participativa. Assim, foram propostas atitudes em frentes básicas: a definição do conceito sobre o qual trabalhar; a institucionalização (passando por medidas e procedimentos de ordem metodológica); a

estrutura universitária; a valorização da extensão regional e nacional e o financiamento. Institucionalizou ainda o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão, deixando apontadas as diretrizes para o mesmo.

Ao propor medidas visando à institucionalização, o Fórum reconhece que o citado tripé sobre o qual a universidade se ergueria: o ensino, a pesquisa e a extensão, praticamente inexistia, já que a extensão não possuía meios para fazer reconhecer suas atividades e não havia perspectiva de que essas atividades tivessem valor na carreira acadêmica, nem na vida discente.

A institucionalização tinha como objetivo, também, a recuperação da função social da universidade via fortalecimento dessa com todos os segmentos da população. A forma para implantar essa institucionalização foi dividida em medidas de ordem metodológica, estrutural e de valorização.

Nas medidas metodológicas, pregava-se a aplicação do conceito, definido, no encontro, como primeira forma de reconhecimento de ações na extensão. A finalidade das ações deveria objetivar as populações carentes e garantir-lhes a participação na elaboração, execução e avaliação dos projetos. Do ponto de vista interno, a universidade encontraria formas de estimular essas atividades e, na avaliação da pesquisa e do ensino, adotaria a perspectiva da importância para a sociedade como valor fundamental.

Quanto às medidas estruturais, as universidades deveriam oferecer à extensão o mesmo nível que ao ensino e à pesquisa. A administração da extensão deveria ser colegiada, com representação específica nos colegiados superiores. As atividades no seu âmbito deveriam ser reconhecidas no cômputo geral das atividades docentes, sendo inclusive consideradas quando da solicitação de vagas e devidamente contabilizadas nos concursos de ingresso de pessoal docente nas IES.

No que diz respeito à valorização da extensão no plano nacional, o documento do I Encontro de Pró-Reitores de Extensão propôs um interlocutor oficial no MEC; a participação formal de representação de extensão junto ao CRUB; a criação de Fóruns Regionais e do Fórum Nacional dos Pró-Reitores das Universidades Públicas.

O financiamento da extensão seria uma forma de reconhecimento e institucionalização e foi visto no encontro como potencial incentivador de ações, para as quais, assim como para a pesquisa, deveriam estar destinadas verbas específicas, isso porque a extensão estava entendida também como atividade acadêmica. A persistente discriminação da extensão vinha obrigando-a a adaptar seus projetos aos critérios de

aprovação das agências de fomento, descaracterizando muitas vezes a motivação do seu trabalho, mas possibilitando a obtenção de recursos. Carente de recursos, a extensão ficava dependente da política interna e do modelo de cada instituição para o desenvolvimento das atividades.