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Ainstituição de assistência fundada por D. Teresa Eanes constituia um local onde os

mais velhos, de uma categoria social elevada, poderiam passar os últimos anos, em relativa paz e conforto, em tudo semelhante aos anteriormente analisados. Ao estudarem-se as instituições de assistência hospitalar, dedicadas a merceeiros, temos de compreender que o objetivo principal da instituição não se traduzia na cura de doenças ou enfermidades. Alguém que estivesse seriamente doente, não poderia pretender encontrar neste hospital uma cura para a enfermidade que o afligia, a não ser que fosse um dos merceeiros assistidos e que pontualmente se encontrasse doente.

Mesmo que estas instituições não pudessem fazer muito pelos indivíduos doentes, o providenciar de um teto e a atribuição de um modesto rendimento, seria sem dúvida vital a quem a eles conseguisse ter acesso. De tal ordem era a sua relevância e a necessidade, que poucos pobres miseráveis tinham acesso a este tipo de assistência, estando reservada como temos desenvolvido a “pobres de excelência”, ou de berço.

Silva Carvalho informa que inicialmente, a instituição assistencial hospitalar, fundada por D. Teresa Anes, teve por finalidade o acolhimento de pobres de ambos os sexos, embora este mesmo autor indique um único merceeiro do sexo masculino Afonso Anes, criado do

Conde. Fernando da Silva Correia, por sua vez, faz referência à presença de cinco merceeiras380.

Não nos é possível, porém, determinar com total exatidão se este número se manteve ao longo do tempo.

As flutuações das rendas geradas pelo património condicionavam as suas receitas e por extensão a ação, assistencial, como se verifica pela provedoria de João Eanes, durante a qual os merceeiros recebiam vinte reais mensais para o seu sustento e para vestir, soma manifestamente insuficiente, ao ponto dos merceeiros "nom aviam pera agua para beber", contribuindo para que o juiz Bartolomeu Eanes, enquanto responsável do município de Lisboa, mandasse o

provedor João Afonso de Óbidos, substituir João Eanes381.

D. Teresa Eanes, seguindo o movimento de fundação de obras pias, ademais do hospital, transmite o desígnio de fundar uma capela, na Sé de Lisboa, onde manteria quatro capelães

380 CORREIA, Fernando da Silva, “Os Velhos Hospitais...”, p. 12.

residentes na igreja matriz382. Estes teriam responsabilidade de oficiarem as missas por alma dos testadores, sendo remunerados com rendas provenientes das propriedades doadas ao hospital. Para além de partilharem os rendimentos do hospital com a capela, e com os clérigos

a ela afetos, os merceeiros deveriam comparecer aos ofícios em memória dos instituidores.383.

Todo o investimento efetuado por D. Teresa Eanes em legados pios, “preside um complexo de objetivos, que tem a ver desde logo com a dadiva desinteressada de recompensas materiais mas de modo nenhum gratuita quanto as espirituais e simbólicas”384, significando que se, por um lado os pobres assistidos, tinham acesso a uma série de regalias, enquanto membros da casa assistencial instituída por D. Teresa Eanes. Por outro, tinham também deveres, entre as quais se destaca a participação nos ofícios litúrgicos por alma da instituidora, não causando qualquer surpresa a proximidade física entre o hospital e a capela instituída por D. Teresa Eanes.

A localização deste hospital, à semelhança do Hospital de D. Maria de Aboim, não respondia a nenhuma necessidade especifica daqueles que o frequentavam, uma vez que grande maioria das casas hospitalares medievais se localizava nas casas dos instituidores. "E outorgo que se faça hum hospital nas minhas cazas de Lisboa que foram de Dona Gracia385" para prover

e manter "quantos pobres hy comprirom per numero e que s'y podem manteer"386.

O hospital era constituído por quinze casas, cinco térreas e dez sobradas, todas num piso, possuindo uma torre com dois sobrados sobrepostos e uma varanda, para além de um

quintal. O andar térreo tinha um patim ou pequeno pátio, com uma cisterna387, assim como uma

entrada descoberta, não nos chegando qualquer registo que possuísse boticas. Em Lisboa eram raros os estabelecimentos com estas dimensões; o ex-paço de D. Grácia foi avaliado em 8500

reais de prata, em 1500388, sendo aforado em enfiteuse ao conde de Portalegre.

Como forma de manter o hospital e as suas merceeiras, D. Teresa Eanes de Toledo e o próprio Conde D. Pedro doaram-lhes bens situados em Lisboa, Sintra, Torres Vedras e nos seus respetivos termos, constituídos por uma grande quantidade de casais, terras de pão, pomares,

382 Ibidem, p. 377. 383 Ibidem, p. 377.

384 ROSA, Maria de Lurdes, “A religião no século...”, p. 460. 385 Portugaliae Monumenta Misericordiarum... p. 170.

386 TAVARES, Maria J. Pimenta, “Nótulas para o estudo da assistência hospitalar aos pobres...”, p. 379. 387 Ibidem, p. 379.

moinhos e marinhas389, bem como algumas propriedades urbanas, quer em Lisboa, quer em Sintra390.

Da parte de D. Teresa Eanes, são doados os seus bens em Lisboa e no seu termo entre os quais se contam um lagar, a Quinta da Ribeira, em Azoia, assim como um casal na Romeira, propriedades que tenham sido doadas pelo conde D. Pedro em pagamento de dez mil libras de dinheiros portugueses que ela lhe emprestara para a compra dos bens que a condessa D. Maria

Ximenes, sua segunda mulher, possuía no reino português391.

Da parte do conde D. Pedro, contabilizamos os bens pertencentes a D. Branca Peres,392

filha de D. Pero Eanes de Portel e D. Constança Mendes de Sousa. Por falta de descendência deste matrimónio são doados vitaliciamente ao hospital administrado por Pedro Esteves, vedor da sua casa e futuro provedor do estabelecimento do Conde D. Pedro estes bens devem ser

acrescentados os bens da coroa393 situados em Sintra e nos seus arredores, que terão pertencido

a Pedro Fernandes, copeiro e almoxarife de D. Afonso III, doados por D. Dinis, dos quais incluem uma adega com cubas e tinas em Sintra, uma azenha com pomar na Portela, outra azenha e um campo em Varatojo, uma courela de vinha a par das donas de Chelas, outra na Várzea e ainda outra em Galamares, um pomar na Serra, um casal, em Lentergas, e outro no

Azambujal394.

A forma de gerir este vasto património de bens urbanos e rurais, passou por uma tentativa de rentabilização, através de contratos de aforamento, emprazamento e arrendamentos.

Se, por um lado, se afigura a nosso ver difícil um património desta magnitude não ser suficiente para suprir as necessidades daqueles que frequentam o hospital, não é tarefa fácil avaliar a estabilidade económica desta instituição ao longo dos dois séculos, se atendermos em

que parte dos pagamentos é efetuado em moeda, frequentemente sujeita a desvalorizações395,

ou dado ainda que o impacto das guerras fernandinas e da crise de 1383-85, como já visto anteriormente, contribuíu para as dificuldades económicas sentidas e em Lisboa, em termos do

aumento do custo de vida e do número de pobres e inválidos396.

389 Ibidem, p. 379. 390 Ibidem, p. 379. 391 Ibidem, p, 396. 392 Ibidem, p. 397.

393 Ibidem, p. 397. D. Pedro Afonso ocupa igualmente o cargo de alferes-mor do reino (título e cargos deixados vagos pela morte de D. Martim Gil de Riba de Vizela, em 1312).

394 Ibidem, p. 398. 395 Ibidem, p. 398. 396 Ibidem, p. 398.

D. Teresa Eanes confia no seu testamento a provedoria da capela e do hospital à mesma pessoa. Primeiramente essa responsabilidade recairia sobre o próprio Conde D. Pedro, e após a sua morte, que veio não muito depois da intuição do hospital, ao já mencionado Pêro Esteves, vedor da casa do conde de Barcelos e seu criado. Mesmo antes da morte do Conde D. Pedro, Pero Esteves era já responsável pelas questões jurídicas associadas ao estabelecimento, incluindo a venda, aforamento e escambo de propriedades, ocupando o cargo de procurador e

talvez mesmo o de provedor397. Após 1361, data em que temos acesso ao último documento

aludindo a Pêro Esteves como provedor398, a provedoria e a administração seria transmitida

diretamente ao Município de Lisboa, que nomeia para o cargo Vasco Afonso Carregueiro399, o

qual sucedeu a João Cravo400.

Os múltiplos encargos e responsabilidades que pesavam sobre os magistrados municipais, levaram em que algumas ocasiões a atenção dispensada ao hospital não fosse a máxima“per razom dos negocyos que aviam no dicto julgado”, concluindo-se que melhor era alterar o provedor no cargo de administração do hospital e da capela, nomeando-se para o cargo

Vasco Afonso401.

A realidade é que a acumulação dos cargos concelhios e da provedoria do hospital,

propiciava em alguns casos o desfalque dos bens legados402. Por vezes, os problemas não

resultavam de uma mera vontade em obter proveito pessoal, mas de manifesta falta de tempo devido a outros compromissos, como ilustrado no caso de João Rodrigues, que tinha “encarrego que tiinha do dicto almoxarifado el nom podia proveer e menistrar o dicto esspital como compria”403.

Para fazer face às questões económicas, cada vez mais graves, o provedor João Rodrigues autorizou a venda, em 1389, de umas casas do Hospital do Conde D. Pedro, junto ao alpendre do Convento de S. Francisco, a qual se encontravam emprazadas “a quem quisesse e que fosse tal pessoa que as adubasse e apreffeitasse e pagasse em cada huum ano ao dicto esspriital o fforo dellas pela guiisa que o pagava o dcito...404”

397 Ibidem, p, 390. Sobre estes provedores, veja-se o trabalho de FARELO, Mário Sérgio, A Oligarquia camarária de Lisboa... 398 Ibidem, p. 390. 399 Ibidem p. 390. 400 Ibidem, p. 390. 401 Ibidem, p. 391. 402 Ibidem, p. 391. 403 Ibidem, p. 391. 404 Ibidem, p. 391.

Esta preocupação para com a idoneidade e seriedade dos provedores, como condição de estabilização económica, tem uma importante adenda, na nomeação do sucessor de João Eanes, João Afonso de Óbidos, escudeiro do monarca, em razão da obrigação em designar um fiador que se responsabilizasse perante o Município pelo pagamento de todas as dívidas que o hospital

pudesse vir a contrair durante a sua tutela405.

O encargo da nomeação dos provedores passou assim para o Município de Lisboa, até

que D. Afonso V a conceda a João Álvares Portocarreiro406. Depois de aproximadamente 150

anos de vida, o Hospital do Conde D. Pedro acaba por ser agregado ao Hospital Real de Todos os Santos407.

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