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CAPÍTULO 2- AS MERETRIZES OBJETOS DE INTERVENÇÃO MÉDICA

2.1 AS MERETRIZES COMO UM PROBLEMA MÉDICO

Assim como a sexualidade feminina, a prostituição era tratada como um problema e se tornou uma preocupação médica muito antes de Afrânio Peixoto se inserir nesse campo. Essa discussão já era feita na Academia Imperial de medicina e nas principais Faculdades de medicina do Brasil, nas cidades do Rio de Janeiro e Salvador e posteriormente em 1912 na cidade de São Paulo com a criação da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo.

A autora Magali Engel (2004), analisou a prostituição e o saber médico na cidade do Rio de Janeiro na década de 1840-1890, e demonstrou que as primeiras produções médicas a respeito do espaço urbano surgiram na década de 1830, com

a criação da Academia Imperial de Medicina e a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, com a perspectiva de uma sociedade doente que deve ser investigada e tratada. Posteriormente com os médicos surgiu um projeto de higienização do espaço urbano e a partir deste momento a prostituição passou a ser objeto de preocupação nos textos médicos. Mas, somente a partir dos anos 1870 que a Academia de Medicina, começou a pensar medidas de controle para a prostituição.

Foi encaminhada uma representação assinada por 759 médicos residentes do Rio de Janeiro à Câmara dos Deputados solicitando medidas corretivas para atitudes tomadas por meretrizes que causavam ofensa à moralidade e prejuízo aos comerciantes, a posição tomada pela Câmara era que esta tarefa não competia a área de saúde pública, mas uma questão policial.

Os anos de 1890 representaram um marco em estudos da temática da prostituição por médicos, e o saber médico como o mais indicado para combater a profilaxia da sífilis, que começou a se disseminar apontando a prostituta como uma das principais causas, definindo-a também como doença (ENGEL, 2004).

Os debates médicos giravam em torno daqueles que defendiam a abolição da prostituição e daqueles que defendiam uma regulamentação deste ofício. Por um lado, aqueles que achavam que a melhor solução do problema da prostituição era sua proibição por outro lado aqueles que acreditavam que a prostituição era um mal necessário e que uma regulamentação seguida por um controle médico resolveria o problema.

A partir destes discursos criam-se limites entre o que é normalidade e o que é doença, no campo da sexualidade, como podemos observar:

Fixando limites entre normalidade e doença no campo da sexualidade, o discurso sobre a prostituição traz implícito um projeto de normatização higiênica do corpo, concebido não apenas num sentido físico, mas, também, num sentido moral e num sentido social. (ENGEL, 2004, p. 69).

A culpabilização das prostitutas pela disseminação da sífilis, causa um incômodo de sua presença no espaço urbano, aparecendo as primeiras medidas de repressão através do Código Penal de 1890. Segundo Aguiar (2016, p.59):

[...] a legislação não era completamente alheia ao comportamento desviante do meretrício. O Código Penal de 1890 previa como contravenção aquela

manifestação que atenta contra a ordem pública, abrindo precedentes para que a liberdade do indivíduo encontre certa limitação comportamental e possa ser vigiada e controlada. Portanto, se a troca do ato sexual por um valor monetário não era passível de intervenção, outros comportamentos relacionados com a atividade eram.

O código Penal de 1890, também apresentava punições diferentes para crimes cometidos contra mulheres “honestas” e prostitutas. A exemplo, o artigo 266, que trata sobre atentado ao pudor e violência sexual, a pena para estupro de uma mulher virgem ou honesta era de 1 a 6 anos, caso fosse uma mulher pública ou prostituta a pena era de 6 meses a 2 anos de prisão. A prostituição em si, não é apontada como crime, mas seu favorecimento sim. A maioria das sanções respondidas por prostitutas estava relacionado ao artigo 282, do Código Penal:

Art. 282. Offender os bons costumes com exhibições impudicas, actos ou gestos obscenos, attentatorios do pudor, praticados em logar publico ou frequentado pelo publico, e que, sem offensa á honestidade individual de pessoa, ultrajam e escandalisam a sociedade (BRASIL, 1890)19

A presença da prostituta no espaço urbano causava incômodo às famílias “de boa moral”, pois as prostitutas na classificação de Chalhoub (1996) eram consideradas “classes perigosas”. No período de início da República, a intenção era modernizar o país, e para isso era necessário a eliminação destes indivíduos, retirá- las do centro urbano e jogá-las para uma região mais afastada como aconteceu com a derrubada dos cortiços habitados por escravos recém-libertos. Como vimos anteriormente o movimento higienista e sanitarista tiveram grande papel nestas transformações.

Com a modernização do espaço urbano pelo desenvolvimento industrial, os papéis femininos foram reforçados cada vez mais, a mulher aparece como o “sexo frágil”, feita para o lar e para a maternidade.

A consequência dessa visibilidade da mulher no espaço urbano é a vigilância sobre seus atos e a elaboração de uma nova imagem da mulher, aquela que se preocupava com frivolidades, com beleza, nascendo então a consumidora fútil, sempre preocupada em se produzir, mas sem parecer uma prostituta. O que

19BRASIL. Decreto Nº 847, de 11 de Outubro de 1890. Promulga o Código Penal. Rio de

Janeiro:1890. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11- outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso: 21 de jan. 2019.

Rago (2008) chama de espectro da prostituta, a ameaça constante em que cai a mulher em ser confundida com a “decaída”.

Na obra “Do cabaré ao lar: a utopia da sociedade disciplinar- Brasil 1890-

1930” (1997), Margareth Rago, mostra que a prostituição era classificada pelo saber

médico como um “vício” que poderia contaminar todo o corpo social, tendo como precursor o médico sanitarista francês Alexandre Parent-Duchâtelet. O médico era especialista em esgoto e higienização e elaborou um projeto sanitarista na cidade de Paris no século XIX, fazendo um minucioso estudo sobre origens da prostituição, a clientela, idade, hábitos. Suas ideias são disseminadas em vários países na Europa e também no Brasil até o surgimento das teorias abolicionistas que questionavam um enclausuramento da chamada “sexualidade vagabunda”. Seguindo seus passos vários médicos brasileiros tomaram os prostíbulos e prostitutas como lugar de análise, onde classificavam e identificavam hábitos e realizam diagnósticos classificando-as fora da normalidade sexual.

Apontam como traços característicos das prostitutas a preguiça, aversão ao trabalho e uma perseguição pelo prazer, que vive em função do desejo libidinal, “a prostituta construída pelo discurso médico simboliza a negação dos valores dominantes, “pária da sociedade” que ameaça subverter a boa ordem do mundo masculino. ” (RAGO, 1997, p.90).

Mary Del Priore (2011), cita a obra do médico Lassance Cunha “A

prostituição, em particular no Rio de Janeiro”, segundo ele foi através dos

prostíbulos que começou a surgir a noção de prazer sexual.

As francesas eram renomadas por introduzir homens maduros e adolescentes às sutilezas do amor, por revelar delicadezas eróticas aos mais velhos. Só que, ao frequentar o bordel, o homem corria o risco de aprender práticas que ele não poderia, de forma alguma, transmitir a sua legítima esposa. Afinal, uma mulher de princípios nada devia saber sobre sexo. Pais endinheirados pagavam cortesãs para iniciar seus filhos. (DEL PRIORE, 2011, p.87).

A prostituição surgiu como uma ameaça a família, na tradição religiosa cristã, a imagem da prostituta estava associada a sujeira, a doença, “a mulher que se deixasse conduzir por excessos, guiar por suas necessidades, só podia terminar na sarjeta, espreitada pela doença e miséria profunda” (DEL PRIORE, 2011, p.89), a prostituta era guiada pelo dinheiro e por conta deste colocava a honra e as grandes fortunas em risco.

Segundo Aguiar (2016), no século XX, a maioria das cidades possuíam regiões que reuniam prostitutas, as chamadas “zonas”, as mulheres eram classificadas em diferentes grupos, alto e baixo meretrício e intermediárias, classificação que sofreu alterações conforme a modernização das cidades. Cabia, portanto, ao poder público, responder as recomendações de médicos e intelectuais, realizando trabalhos de vigilância e do comportamento.

2.2 REGULAMENTAR OU NÃO REGULAMENTAR A PROSTITUIÇÃO? EIS A