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CAPÍTULO 1- DO SERTÃO DA BAHIA PARA A MODERNA CAPITAL: TRAJETÓRIA INTELECTUAL DE AFRÂNIO PEIXOTO

1.3 O MESTRE NINA RODRIGUES E O DISCÍPULO AFRÂNIO PEIXOTO

Segundo Santos (2017), durante sua formação acadêmica Afrânio Peixoto se inscreveu como assistente de laboratório de prática de Medicina Legal de Nina Rodrigues e o auxiliou em diversos trabalhos. Foi através de Nina Rodrigues, que Afrânio Peixoto realizou suas primeiras pesquisas e intervenções no campo médico e embora tenha ressignificado alguns ensinamentos, sua atuação médica sempre foi referenciada a Nina Rodrigues e à Medicina Legal. Primeiramente, porque os estudos realizados dentro da Faculdade de Medicina da Bahia, sobre clima tropical e possíveis doenças climáticas, se manifestaram como tentativa de conferir viabilidade para a nação.

De acordo com Maio (1995), Raimundo Nina Rodrigues foi um importante médico do século XIX. Considerado fundador da antropologia criminal no Brasil e pioneiro nos estudos raciais, como também da institucionalização da Medicina Legal no Brasil. Em 1889, se tornou professor da Faculdade de Medicina da Bahia, adjunto

da 2ª Cadeira de Clínica Médica. Em 1891, foi transferido para a cadeira de Medicina legal, neste mesmo ano, se tornou redator chefe da Gazeta Médica da Bahia.

Na publicação da obra As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil em 1894, Nina Rodrigues revelou sua conversão aos estudos da área de medicina legal. Dedicando esta obra aos médicos e juristas consagrados neste campo: Cesare Lombroso, Enrico Ferri, Garófalo, Alexandre Lacassagne e o Dr. Corre9. Segundo Maio (1995), ele também se identificava com Francis Galton criador

da denominada teoria eugênica e do social darwinismo.

Segundo Rodrigues (2015), foi em torno da teoria lombrosiana10 que Nina

Rodrigues, desenvolveu suas ideias e tornou-se referência no campo da Medicina Legal no Brasil.

Afrânio Peixoto, em sua tese de formação em Medicina, Epilepsia e crime (1897), inspirou-se nos estudos realizados por Nina Rodrigues sobre medicina legal e antropologia criminal. Sua tese recebeu o prefácio de Nina Rodrigues e de Juliano Moreira, também professor de Afrânio Peixoto no período. Nas ressalvas realizadas por Nina Rodrigues no prefácio da obra de Afrânio Peixoto, segundo Silva (2014), deixava claro que não concordava com diversos pontos, como: o conceito de degeneração, as ideias a respeito da criminologia e a constituição da epilepsia, mas considerava como simples divergências de opiniões científicas e que o trabalho merecia grande reconhecimento por ser o único trabalho brasileiro deste gênero. A parte dedicada ao prefácio do professor Juliano Moreira11, também são apontadas

9 Segundo Balera e Diniz (2013), os estudos de Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garofalo,

“são exemplificados pela craniologia, instituída no século XVIII, que objetivava compreender a relação entre a estrutura/conformação da caixa craniana e a potencialidade intelectual dos indivíduos.

10 Formulações teóricas realizadas pelo médico italiano Cesare Lombroso, famoso na área de

criminologia, baseados em autores como Darwin, busca traçar um perfil de indivíduos criminosos, a partir de características biologicamente determinantes, baseados na hereditariedade.

11 Juliano Moreira (1873 – 1933), médico brasileiro de descendência africana nascido em Salvador,

BA, conhecido por suas inovações, no início do século XX, no tratamento dos doentes mentais no Brasil, e também designado fundador da disciplina psiquiátrica no Brasil. Formado na Faculdade de Medicina da Bahia, aperfeiçoou-se na Europa, onde frequentou cursos de doenças mentais e de anatomia patológica. Foi aprovado no concurso para professor da Faculdade de Medicina da Bahia (1896). Mudando-se para o Rio de Janeiro, cidade onde ficaria pelo resto da vida, foi nomeado diretor do Hospital Nacional de Alienados (1902), onde desenvolveu uma administração marcante. Reformou e ampliou a instituição e obteve a promulgação da primeira lei brasileira de assistência aos loucos (1902-1930). Batalhador em prol dos doentes mentais foi um dos responsáveis pela lei de assistência aos alienados (1904). Foi também Diretor Geral de Assistência a Alienados (1911-1930), criou o manicômio judiciário, adquiriu o terreno para construção do atual Hospital-Colônia Juliano Moreira e fundou a nova colônia para mulheres dementes. Em seu trabalho clínico eliminou coletes e camisas- de-força e instalou um laboratório de análises, a partir do qual iniciou-se, no Brasil, a rotina de punções lombares para elucidação de diagnóstico. Professor de neurologia e psiquiatria e

algumas críticas, mas afirmava ver na obra de Afrânio Peixoto ideias muito parecida com as suas. Também ressaltou qualidades pessoais do autor.

O objetivo de Afrânio Peixoto em sua tese, segundo Silva (2014), era demonstrar o caráter sintomático das atuações criminosas em epilépticos. Não queria somente classificar a doença, mas o modo da ciência médica em operar suas classificações e diagnósticos, o modo pelo qual estruturava o conhecimento do campo, discutindo também a questão metodológica. Buscando atrelar seu trabalho e a produção do conhecimento a analisar realidades singulares, como a produção de um conhecimento atrelado à realidade brasileira, quebrando com os pensamentos hegemônicos, apontando para uma metodologia aplicada pela Escola Tropicalista Baiana e por Nina Rodrigues.

O objeto de interesse de Afrânio Peixoto ao escrever esta tese era analisar se o indivíduo mantinha a consciência durante as crises epiléticas. “Este ponto se fazia relevante quando da associação da epilepsia ao crime, já que saber se o indivíduo mantinha ou não sua consciência teria reflexos no modo como seria julgado por um crime cometido. ” (SILVA, 2014, p. 258-259).

Sua tese aparece como sugestão de Bibliografia na Revista Brazil-médico na edição de 1898, texto escrito por Dr Marcio Nery, que não poupa elogios a Afrânio Peixoto, dizendo que “em seu trabalho o Dr. Afrânio Peixoto dá provas de um talento acima do vulgar” (BRAZIL-MÉDICO, 1898, p. 306).

No Annuario Medico Brasileiro: Movimento Scientifico Medico Brasileiro (RJ), também encontramos um outro texto do Dr. Marcio Nery12, sobre a tese inaugural de

Afrânio Peixoto, também demonstrando o talento acima da média do jovem médico. Mas também aponta um certo exagero de Afrânio ao tomar tudo por epilepsia, até mesmo as convulsões de infância. A associação da epilepsia com o crime, para Marcio Nery, não há muita inovação por parte de Afrânio, mas ele traz algumas observações valiosas.

pesquisador de doenças tropicais, deixou importantes trabalhos sobre o ainhum, a bouba, a leishmaniose e a lepra, e os livros Assistência aos alienados no Brasil (1906) e A evolução da medicina no Brasil (1908). (JULIANO MOREIRA. Disponível em: http://biografias.netsaber.com.br/biografia-2428/biografia-de-juliano-moreira. Acesso em: 10 ago. 2019.

12 Segundo Mathias (2016), o Dr Marcio Nery, formou-se em medicina em 1890, com a tese Da influencia exercida pelas moléstias do aparelho circulatório quanto ao desenvolvimento das moléstias mentaes e d’estas sobre aquellas, em 1894 atuou como médico no Pavilhão de Observações no Distrito

Federal, que era uma instituição vinculada ao Hospital Nacional de Alienados e da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro que buscava avaliar gratuitamente os suspeitos de alienação mental, enviados pelas autoridades policiais, desempenhando o papel de porta de entrada para o Hospício.

O autor da <Epilepsia e crime> discute com superioridade de vistas as diversas theorias da criminalidade, pondo mais uma vez em relevo seus conhecimentos acerca d’estes modernos estudos. Terminando esta rápida noticia, cumprimentamos ao jovem confrade e felicitamos as lettras medicas brasileiras por ter sido enriquecidas com mais um trablho digno de estima. (Dr. Marcio Nery, Annuario Medico Brasileiro: Movimento Scientifico Medico Brasileiro (RJ), 1897)

Após sua formação, em 1899, Afrânio Peixoto assumiu o cargo de preparador da cadeira de Medicina Legal na Faculdade de Medicina da Bahia. Segundo Santos (2017) a partir da autobiografia de Peixoto, o médico relata que teve uma educação diferenciada com os mestres baianos e que a Faculdade de Medicina da Bahia, dispunha de uma educação melhor do que a ensinada na capital. Entretanto, o Rio de Janeiro tornou-se sua ambição. Tinha como objetivo ministrar aulas na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, a capital do seu país.

1.4 PSIQUITRIA, HIGIENE E MEDICINA LEGAL: CIÊNCIA E REDES DE