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2 MULTIMODALIDADE: TEORIA E MÉTODO

2.4 A Gramática do Design Visual (GDV)

2.4.2 Metafunção interativa

Kress e van Leeuwen (2006, p.42) compreendem a metafunção interpessoal como uma projeção das relações entre produtor e receptor de um signo: “Isto é, qualquer modo é apto para representar uma relação social particular entre o produtor, o espectador e objeto representado”24. Por conseguinte, a metafunção interativa também se detém sobre essa relação, possuindo um foco na interação, justamente por efetivar essa relação entre produtor-objeto-receptor. Os autores apontam que essa função permite observar três tipos de relação:

(1) relações entre participantes representados; (2) relações entre participantes interativos e representados (as atitudes dos participantes interativos em relação aos participantes representados); e (3) as relações entre participantes interativos (o que os participantes interativos fazem entre si e através das imagens25 (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006, p.114).

O que os autores entendem por participante interativo são as pessoas reais, já os

participantes representados são os participantes apresentados no texto pelo produtor. É

interessante observar que, nessa relação, o produtor projeta um receptor imaginário e, em um determinado contexto, ele vai realizar representações, seguindo determinadas convenções, com o intuito de passar valores, significar, se posicionar para esse receptor. O receptor, então, percebe essas intenções e decide aderir a elas ou não. Esse receptor pode ser também um leitor, pois o leitor também reconhece essas intenções, podendo recusá-las ou não.

Dito isso, a metafunção interativa trata da relação entre o produtor da imagem e o leitor, indicando se há uma aproximação ou distanciamento da imagem em relação ao leitor. Os aspectos abordados por Kress e van Leeuwen (2006) são: contato, distância social, perspectiva e modalidade.

O contato se dá através do olhar do participante da imagem. Caso o participante esteja olhando diretamente para o leitor, os autores apontam que há uma demanda do produtor (figura 23), exigindo algo do leitor; por outro lado, se o olhar estiver em outra direção, temos uma oferta (figura 24), tornando aquele participante um objeto para o leitor.

24 Trecho original: “That is, any mode has to be able to represent a particular social relation between the producer, the viewer and the object represented” (KRESS; VAN LEEUWEN, 2005, p.42).

25 Trecho original: “(1) relations between represented participants; (2) relations between interactive and represented participants (the interactive participants attitudes towards the represented participants); and (3) relations between interactive participants (the things interactive participants do to or for each other through images” (KRESS; VAN LEEUWEN, 2005, p.114).

Figura 23 – Exemplo de Demanda em Vidas secas

Fonte: Guazzelli e Branco (2017, p.69). Figura 24 – Exemplo de Oferta em Vidas secas

Fonte: Guazzelli e Branco (2017, p.26).

Já a distância social está relacionada com os planos da imagem: plano aberto, médio e fechado. Quanto mais fechado o plano, mais o produtor deseja aproximar o leitor da imagem; quanto mais aberto, mais distancia o leitor. Kress e van Leeuwen (2005) ressaltam que a definição dos planos tem como principal referência os seres humanos, pois i) um plano fechado pode ser tanto um plano fechadíssimo (extreme close-up), como na figura 24, em que apenas vemos parte do rosto, ou um plano em que vemos o rosto e ombros de uma pessoa (close-up) ; ii) um plano médio pode englobar da cintura para cima (medium close shot), a partir dos joelhos (medium shot) ou até o corpo inteiro (long medium shot) desde que não haja tanto espaço “sobrando” na imagem, e, por último, temos iii) o plano aberto, no qual o corpo também aparece inteiro, mas há espaços “sobrando” que indicam que aquela pessoa está bem distante. Porém, também é possível pensarmos em termos de planos a respeito de objetos e ambientes. Para isso, os autores destacam ser importante considerar se o objeto está sendo utilizado ou não naquela imagem e outros aspectos, tais como buscar refletir se caso fosse um objeto “real” se ele estaria próximo a alguém ou não.

Na figura 25, temos um primeiro quadro com um plano aberto, pois é possível enxergamos que a casa e os homens estão bem distantes do leitor e que, apesar de não existirem muitos detalhes, há um espaço em branco embaixo que dá essa sensação de amplitude. Na sequência, um plano médio (long medium shot), pois, embora tenhamos o corpo inteiro de Fabiano e dos homens no cavalo, há pouco espaço sobrando e temos a sensação de proximidade, e, por último, um plano mais fechado, onde é possível enxergarmos bem de perto tanto Fabiano como a pessoa com quem ele fala. Além disso, em uma história em quadrinhos é importante considerar a relação entre planos, desse modo, é possível observarmos que essa mudança (de plano aberto -> plano médio -> plano fechado) aproxima o leitor não só de Fabiano, mas também para esse novo acontecimento na história: Fabiano pedindo um emprego.

Figura 25 – Exemplo de planos fechado, médio e aberto em Vidas secas

Fonte: Guazzelli e Branco (2017, p.20).

No caso da perspectiva, os autores discorrem sobre o ponto de vista que o leitor tem da imagem, mostrando que há uma subjetividade quando há perspectiva. Isso significa dizer que a angulação mostra um grau maior de subjetividade, no caso de uma perspectiva frontal, ou menor, em uma perspectiva oblíqua. Já em uma imagem objetiva não há um ponto de vista (um exemplo é a figura 19). De acordo com Kress e van Leeuwen (2006), essas são imagens que mostram a cena como um todo sem um ponto de vista particular. Dessa forma, em relação a imagens com perspectiva, há as seguintes possibilidades de angulação apresentadas pelos autores: um ângulo frontal (o terceiro quadro da figura 25, por exemplo, onde a imagem nos

direciona para Fabiano e vemos a partir do ponto de vista do chefe, o que traz uma profundidade para a imagem), que coloca a imagem no nível do olhar, demonstra que há uma relação de aproximação, indicando que os produtores compartilham da visão representada; quando o ângulo vai se tornando oblíquo (figura 26), há um distanciamento maior, pois há dois ou mais pontos de fuga que o nosso olhar pode ser direcionado. Já o ângulo vertical: se temos uma visão de baixo para cima, o ângulo baixo (figura 24), o participante detém o poder, sendo posto como superior, por outro lado, uma visão de cima para baixo, o ângulo alto (também o terceiro quadro da figura 25), coloca o participante em uma posição inferior (além disso, estamos vendo a partir da perspectiva do chefe de Fabiano, o que denota a relação de poder entre os dois participantes).

Por fim, o último elemento da metafunção interativa é a modalidade. Esse elemento tem relação com o valor de “verdade” e vai do mais próximo do real ao mais abstrato. No quadro 1 a seguir temos os aspectos que podem ser observados:

Quadro 1 – Categorias da modalidade

Saturação Do mais saturado à ausência de cor

Diferenciação Do mais diversificado ao monocromático

Modulação Da sombra à cor plena

Contextualização Muita contextualização x pouca

contextualização

Representação Da abstração máxima à representação

máxima

Profundidade Pouca profundidade x muita profundidade

Iluminação Mais sombras x mais iluminado

Fonte: da autora. Com base em Kress e van Leeuwen (2006).

Figura 26 – Imagem que exemplifica alguns aspectos da modalidade

Na figura 26, podemos observar os aspectos modais. A partir de uma breve análise, em relação à cor, é perceptível que a imagem está mais próxima da ausência de cor, é mais monocromática e menos modulada. Também se nota que há pouca contextualização, as pessoas representadas parecem quase que fantasmas e são apresentadas de uma maneira bastante abstrata e com pouca iluminação, além de ser uma imagem com mais profundidade. É preciso considerarmos que o que possui valor de “verdade” algo que está atrelado ao social e que esse exemplo se trata de uma obra artística. Pensando a partir desses aspectos, é possível enxergarmos que há sim uma pouca modalidade, um maior nível de abstração. Mas o que isso significa deve ser pensado junto a análise das outras categorias da GDV.

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