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9. Discussões

9.2. Metamorfismo e fusão parcial: registro nos migmatitos do Complexo Xingu

Os migmatitos do Complexo Xingu foram reconhecidos inicialmente por Silva et al. (1974) e Docegeo (1988) e foram objeto de estudos geocronológicos pioneiros realizados por Machado et al. (1991). Embora a caracterização detalhada dos eventos de anatexia não tenha sido documentada por esses autores, Machado et al. (1991) reconheceram a existência de pelo menos dois eventos de anatexia com base nas observações realizadas em campo na região de Curionópolis. Atualmente, existem grandes controvérsias sobre a existência destas rochas na região de Canaã dos Carajás.

Feio (2011) e Feio et al. (2013) caracterizaram em áreas antes mapeadas como parte do Complexo Xingu granitos variavelmente bandados, foliados e milonitizados, tais como os granitos Bom Jesus e Cruzadão. Nestes trabalhos, nenhuma menção em relação a processos gnaissificação e fusão parcial foi feita pelos autores.

Nesse estudo, os ortopiroxênio-diopsídio gnaisses (ODG) foram caracterizados como ortognaisses cinza bandados, com boudins de quartzo anfibolito (QA) e intercalações de gnaisses máficos (DHPG).

O diopsídio-hornblenda-plagioclásio apresenta textura de substituição da hornblenda da primeira geração por diopsídio, refletindo metamorfismo progressivo em condições compatíveis com o início da fácies anfibolito superior. A ausência de granada em paragênese com o diopsídio, sugere que a formação do diopsídio ocorreu a partir da reação (1) na qual o epidoto foi consumido, resultando em paragênese com diopsídio-plagioclásio-quartzo em associação com a hornblenda parcialmente consumida:

(1) 1Ts-anfibólio + 18Czo + 3Qtz = 10An + 4Di + 4H2O (Bucher & Grapes, 2011).

Alternativamente, a formação de diopsídio poderia resultar da reação (2) em presença de calcita:

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De acordo com Bucher & Grapes (2011), a blastese do diopsídio em rochas máficas indica temperatura de aproximadamente 650 oC, em condições de P

fluidos = PH2O. Nessas

condições, em ambientes saturados em água, os metabasitos apresentariam as primeiras evidências de fusão parcial local, migmatização e aparecimento de bolsões e veios quartzo- feldspáticos (leucossoma). No diopsídio-hornblenda-plagioclásio gnaisse, evidências do início de fuão parcial são representadas pelas bandas félsicas quartzo-feldspáticas envolvidas por fimes mais ricos em hornblenda que acompanham a foliação gnáissica desses litotipos (melanossoma).

A matriz granoblástica quartzo-feldspática no diopsídio-hornblenda-plagioclásio gnaisse indica redução de energia livre comum em alta temperatura após o cessar da deformação (Bons & Urai, 1992). Os cristais de quartzo não apresentam extinção ondulante indicando que sua energia livre interna foi substancialmente reduzida (Kruhl, 2001; Evans et al., 2001). Os cristais de plagioclásio apresentam redução de suas bordas, no entanto alguns cristais ainda apresentam extinção ondulante e geminações em forma de cunha. De acordo com Rosenberg & Stünitz (2003), deslocamentos intracristalinos de plagioclásio ocorrem em altas temperaturas.

A trajetória retrometamórfica nesse litotipo possibilitou a formação da segunda geração de hornblenda (e biotita), que consome parcialmente o diopsídio a partir da reação (2).

Os ortopiroxênio-diopsídio gnaisses (ODG) apresentam evidências de fusão parcial. De acordo com Bucher & Grapes (2011), processos de migmatização em ortognaisses seriam favorecidos pela deformação penetrativa. Seriam mais comuns em condições de fácies granulito (Mehnert, 1968), embora possam ser iniciados a temperaturas entre 650 e 725 oC a 3 Kbar.

Nessas condições, a fusão parcial irá produzir associações minerais com ortopiroxênio, diopsídio, feldspato potássico, quartzo e plagioclásio, conjuntamente ao melt granítico (Bucher & Grapes, 2011). Granada e cordierita comumente estão também presentes, mas são dependentes da composição inicial do protólito.

Dessa forma, o ortopiroxênio nesse litotipo pode ser metamórfico, cristalizado a partir da reação (3) de desidratação em estado sólido da biotita, dada por:

(3) Bt + 3Qtz = 3Opx + Kfs + H2O

A presença de ortopiroxênio nessas rochas também poderia ser uma relíquia ígnea herdada de protólitos charnoquíticos (charnoenderbíticos e enderbíticos) derivados da

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cristalização de magmas anidros (Frost e Frost 2008). Contudo, as texturas tipicamente metamórficas não permitem essa possibilidade interpretativa.

O ortopiroxênio-diopsídio gnaisse apresenta manchas de granulação mais grossa em meio aos microlitos quartzo-feldspáticos do bandamento gnáissico. Estas manchas representam blind

patches de acordo com Platten (1983), e evidenciam os estágios iniciais de fusão parcial (Sawyer,

1991; Timmermann et al., 2002; Slagstad et al., 2005). Ao microscópio, filmes de quartzo e feldspatos podem ser observados entre cristais de ortoclásio, plagioclásio, quartzo e ortopiroxênio do ortopiroxênio-diopsídio gnaisse. Estas texturas foram reportadas por Holness & Clemens (1999), Sawyer (1999; 2001), Sawyer et al. (2010; 2011) e Johnson et al. (2013) como evidências da presença inicial de fundido ao longo da junções entre minerais. Os exemplares do ortopiroxênio-diopsídio gnaisse apresentam estruturas pré-fusão preservadas e, nesse contexto, representam o paleossoma de um metatexito (Mehnert, 1968; Brown, 1973). Os patch metatexitos se preservam onde a tensão sin-anatética é mais baixa (Sawyer, 2008), de modo análogo ao descrito nos migmatitos do Central Gneiss Belt da Província Grenville (Canadá) no qual apreservação dessa estrutura foi verificada nas bandas mais competentes das rochas (Slasgtad et al., 2005).

A presença destes pequenos bolsões de fundido na junção entre ortoclásio, plagioclásio e quartzo no paleossoma durante o estágio de fusão parcial indica o consumo desses minerais para a produção do fundido, pela reação (4):

(4) Or+Qtz+Pl+H2O = Fusão (Stevens & Clemens, 1993)

Essa reação ocorre em presença de água, que em parte pode ser derivada da quebra da biotita, mas que possivelmente requer influxo de H2O de modo semelhante ao descrito por

Sawyer (2010) para processos de fusão parcial “assistido por fluidos” (water-assisted, water-

added, ou ainda, water-fluxed melting).

Os migmatitos do Complexo Xingu com estrutura schollen representam rochas transicionais entre metatexitos e diatexitos, nas quais houve um incremento na fração de fundido responsável pelo aumento na razão neossoma:paleossoma (Solar & Brown, 2001; Sawyer 2008). As ocorrências dos schlieren diatexitos na região são mais raras e representam um incremento ainda maior na fração de fundido (maior razão neossoma:palessoma; Saywer, 2008), que

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notadamente se expressa na ausência do paleossoma em detrimento da presença do neossoma, representado pelo melanossoma e pelo leucossoma. O processo é descrito pela reação (5):

(5) Bt+Qtz+Kfs+H2O = Fusão (Peterson & Newton, 1989).

As estruturas schollen e schlieren representam formas interpenetrantes que se desenvolvem em meio a zonas de cisalhamento sin-anatéticas, ou em discontinuidades de fluxo plástico em rochas parcialmente fundidas, para as quais parte da tensão se distribui (Mehnert, 1968; Sawyer, 2008).

Durante a trajetória retrometamórfica o ortopiroxênio foi desestabilizado formando diopsídio e plagioclásio a partir da reação (6) ainda em condições de fácies anfibolito alto (Singh & Johannes, 1996; Best, 2003):

(6) Opx + Pl = Di + Ab

A sequência de reações metamórficas sugere progressiva hidratação com formação de hornblenda e biotita. Mirmequítas ao longo dos contatos dos cristais de ortoclásio, comuns nos ODG, podem indicar segundo Shelley (1993) a quebra do feldspato potássico durante o metamorfismo retrógrado de rochas de alto grau. No entanto, Simpson & Wintsch (1989) sugerem que esta textura pode ocorrer durante a deformação progressiva. O exemplo de Shelly (1993) parece mais coerente com as condições de requilíbrio do sistema aqui observado.

A textura granoblástica do leucossoma dos migmatitos do Complexo Xingu evidencia sua gnaissificação durante um evento progressivo ou, alternativamente, uma evolução polifásica.

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